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Texto: ReB Team
Fotografia: pgLang
Publicado a: 17/08/2022

De 01/01/2022 a 30/06/2022.

A primeira metade de 2022 em discos escolhidos pela equipa ReB

Texto: ReB Team
Fotografia: pgLang
Publicado a: 17/08/2022

Nos primeiros seis meses de um ano em que, de forma gradual, voltámos a ter perspectivas de um Verão com muitos concertos, festivais e encontros, a equipa do Rimas e Batidas virou-se para praticamente todo o lado à procura de música que entusiasme. Encontrámo-la em sítios diferentes do globo (do Brasil ao Uganda), mas também em Portugal, pois claro; e com pouquíssimas repetições, uma benção para quem se quer encher de novidades e descobrir alguns trabalhos que podem ter passado despercebidos na primeira metade de 2022.



PAULO PENA

[Baco Exu do Blues] QVVJFA?

Num homem tão grande como Baco Exu do Blues cabem mil sons e outros tantos amores. Aquele que mostrou uma força interior brutal enquanto Bluesman, e uma irreverência desmedida desde “Ela É Gostosa Pra Caralho” a “Dedo no Cu e Gritaria”, engrossou por fora, mas parece ter amolecido por dentro. Desta vez, o rapper brasileiro veio falar-nos de amor à boleia de um jazz ora expansivo, ora mascarado pelas sonoridades que mais se lhe esperam — e faz a pergunta como quem quer ser ele a responder: Quantas Vezes Você Já Foi Amado? A resposta é subentendida por Baco, que quis dar a entender — sem o mostrar — que um homem (grande) também chora; e fê-lo, umas vezes, de forma realmente sofrida, outras tão caracteristicamente revoltado. Revolta essa que se vai dissipando numa busca de amor(es) nas mais variadas formas, que tanto o assusta(m). E no fim desse turbilhão de sentimentos fica sempre a mesma pergunta.

[Cousin Stizz] Just For You

Candidato (pelo menos deste lado) a integrar o rol de melhores discos desta primeira metade de 2022, a característica mais preponderante em Just For You nessa candidatura é a qualidade de non-skippable que o mais recente álbum de Cousin Stizz apresenta. As batidas são do mais contagiante que se pode esperar num álbum de rap com pendor para as cadências trap, e Stizz é um daqueles esporádicos casos em que pouco importa o que canta por cima de cada beat: aqui, soa sempre irresistível. De uma ponta à outra.

[T-Rex] CASTANHO

Talvez não seja justo falar de irresistibilidade quando é T-Rex quem vem à baila. Para quem prometeu que Gota D’Espaço representava, na verdade, uma gota daquilo que viria (e ainda está para vir) a ser a Cor D’ÁguaCASTANHO emergiu pelo meio como um teste de pantone, a reunir pontas soltas desse próximo projeto. Se, mais uma vez, T-Rex está só a aquecer as águas, torna-se inconcebível antever a profundidade do que se avizinha. Uma coisa é garantida: até ver, no hip hop nacional o ano é dele. E essa fasquia está mesmo lá em cima. Até para o próprio.

[Vince Staples] RAMONA PARK BROKE MY HEART

Desde o encontro com Kenny Beats no homónimo disco de 2021, Vince Staples tem mostrado novo fôlego nas rimas sufocantes — mesmo que o nó na garganta não se desfaça e o peso no peito não se dissipe. O EP inteiramente produzido pelo produtor que este ano partiu— literalmente — o chão do Boiler Room de Barcelona abriu a porta ao confessionário do rapper de Long Bech, Califórnia. RAMONA PARK BROKE MY HEART traz à tona o lado mais nostálgico, melancólico e introspectivo de Staples. E que bem lhe fica essa pele, despida a capa de durão sarcástico.

[Kendrick Lamar] Mr. Morale & The Big Steppers

Já muito se escreveu sobre Mr. Morale & The Big Steppers — sobretudo por aqui. No entanto, se o mote para esta série de listagens pessoais é “os melhores projectos da primeira metade de 2022”, deixar este disco de fora só acontece, nos restantes casos seguramente, pelo esforço colectivo de não repetir entradas. Bom, mas alguém tinha de o fazer. Não por ser “mais um” disco do incomparável Kendrick Lamar: felizmente, o sucessor de DAMN. não caiu na alienação generalizada (que geralmente caracteriza os artistas mais consensuais — ou os que editam álbuns como Certified Lover Boy Honestly, Nevermind). Kendrick Lamar é Kendrick Lamar porque a cada capítulo da sua carreira consegue (de forma continuada) chegar onde ninguém — especialmente o próprio — havia chegado. Mais do que a produção exímia, a reviravolta na abordagem, ou a desconstrução de um herói à vista de todos, Mr. Morale & The Big Steppers supera todas as elevadíssimas expectativas pela mestria com que K-Dot, mais uma vez, se propõe a desbravar caminho e, consequentemente, a deixar legado. Talvez seja o rapper mais relevante do século XXI. E este é, sem dúvida, mais um disco para a lista dos mais importantes não só da primeira metade de 2022, mas da história do hip hop.



MIGUEL ROCHA

[Black Country New Road] Ants From Up There

Os Black Country, New Road são uma banda especial. Mostraram-no sempre, desde os seus primeiros singles, confirmaram-no com For the first time, o seu disco de estreia lançado em 2021 (considerado um dos melhores do ano aqui no ReB) e eclipsaram completamente tudo o que se podia esperar de si em Ants From Up There. Com certeza, as influências do pós-punk, klezmer (música tradicional judaica) e pós-rock mantêm-se bem vivas ao longo de Ants From Up There, mas o resultado final é bem diferente e mais desenvolvido face a For the first time. Influências de estilos como o indie rock a la Arcade Fire surgem bem pautadas, atirando a sonoridade dos BC,NR para uma espécie de midwest emo servido num prato onde o humor britânico e a ansiedade pós-Brexit se conjugam através de humor, metáforas (talvez para a saída de Isaac Wood, vocalista, guitarrista e letrista da banda) e motifs revisitados ao longo de todo o disco. O resultado final? Deslumbrante, megalómano, belo, a prova de que a The Quietus não se enganou quando chamou os BC,NR de “nova melhor banda do mundo”.

[Bandua] Bandua

Já muito se escreveu por aqui sobre os Bandua nos últimos meses, mas nunca é demais relembrar aquilo que Edgar Valente e Bernardo D’Addario (aka Tempura) conseguiram fazer no seu disco homónimo de estreia. Em Bandua, aquilo que o duo propõe é simples de explicar — unir o mundo da electrónica contemporânea (em particular, a downtempo) com o universo do folclore poético português, em particular no da Beira Baixa (ambos têm raízes na região) –, complicado de cumprir (mas cumprido com exímio) e, acima de tudo, fácil de desfrutar. Felizmente, para resumir como isto tudo se une na experiência imersiva que é Bandua, o João Mineiro já o fez de forma bem assertiva na crítica publicada aqui no Rimas e Batidas: “Nesse sentido, este é um álbum que quebra as fronteiras, largamente artificiais, entre o ‘cosmopolitismo’ e o ‘tradicionalismo’, o ‘campo’ e a ‘cidade’, o ‘rural’ e o ‘urbano’, o ‘passado’ e o ‘futuro’, o ‘local’ e o ‘global’, o ‘particular’ e o ‘universal’. É nesse gesto que a música ganha toda a sua profundidade e relevância. Com este programa no horizonte, a música de Bandua nunca poderá ser banda sonora para o exílio.”

[Soul Glo] Diaspora Problems

No início de 2022, a Brooklyn Vegan publicou um artigo onde apresentava um conjunto de 10 bandas que podiam capitalizar no sucesso que os Turnstile encontraram em 2021 com o seu magnífico Glow On. Uma das bandas apresentadas nesse artigo eram os Soul Glo, grupo oriundo de Filadélfia, que em 2022 apresentou o seu melhor (e mais agressivo) disco até ao momento, Diaspora Problems. A expressão “que disco!” não é suficiente para demonstrar a necessidade que este tem ao surgir nos dias de hoje. Enquanto banda de punk negra, os Soul Glo são A banda que trazem dentro de si a desconfiança para com o sistema (capitalista e neo-liberal, cada vez mais podre) e para com todos os que se dizem aliados no pós-BLM, incorporada através de uma agressividade que podia surgir dos primórdios do hardcore, mas que faz todo o sentido hoje. Há influências de rock alternativo a surgir, há samples e flows que nos atiram para os campos do hip hop (uma influência sempre presente na música dos Soul Glo, mas que em Diaspora Problems se faz sentir ainda mais) e há riffs e energia para dar e vender. No meio de tudo isto que é Diaspora Problems, aquilo que fica no ar é a ideia de tentar fortalecer a ideia de comunidade e conferir mais espaço às vozes progressistas e inclusivas que tentam lutar, de facto, contra as instituições que continuam a perpetuar discriminações. Música para a revolução feita por aqueles que estão na primeira linha da luta para criar um caminho para a mudança – há que agradecer por isso.

[benji price] ígneo

De pilar (cada vez menos discreto) de muito do sucesso da agora extinta Think Music ao sucesso a solo, o salto dado por benji price não foi particularmente grande. Mesmo assim, ígneo, a sua estreia a solo, é um projeto tão sólido, uma colecção de bangers que só confirma a grandeza que João Ferreira parecia destinado desde do momento em que agarrou num microfone pela primeira vez. A produção? Exímia, eclética, com o selo de qualidade que benji price nos habituou. Colaboradores? Escolhidos a dedo. Os hooks? Complicados de ignorar. A caneta? Afiada, autorreferencial, nerd, contando vários momentos da história por trás da pessoa e do artista. ígneo é algo que soa a um culminar (tão bem-conseguido) dessa história e, ao mesmo tempo, o início de um novo momento para a fábula musical de benji price. Quando assim o é, sabemos que estamos perante um disco bem especial. 

[Ethel Cain] Preacher’s Daughter

Depois de três EPs lançados nos últimos três anos e se ter tornado numa espécie de figura de culto, o primeiro longa-duração de Hayden Anhedönia (que é como quem diz Ethel Cain), Preacher’s Daughter, confirma-a como uma das artistas mais fascinantes a surgirem. Com 75 minutos de duração, Preacher’s Daughter agarra na dream pop impregnada por influências de slowcore que a artista havia apresentado nos seus lançamentos anteriores e eleva-a a um nível estratosférico. Preacher’s Daughter soa como se o inferno tivesse caído num lamaçal onírico, encontrando-se perdido entre o folk escuro de Chelsea Wolfe e a pop gótica de Sky Ferreira – e a comparação pouco faz justiça à palete sonora de todo o disco –, contando a história de vida da artista. As suas experiências enquanto mulher trans a crescer no sul dos Estados Unidos, um local conhecido pelo seu pensamento conservador e altamente religioso (e há qualquer coisa na abordagem temática à religião neste álbum que relembra o último disco de Lingua Ignota), pautam muito de Preacher’s Daughter que, na sua grandiosidade de magnum opus, cria um universo tão próprio, poderoso e imersivo que uma só visita ao álbum não fará justiça à obra aqui apresentada.



JOÃO MINEIRO

[Branko] OBG

Quando há pouco mais de dois anos a pandemia forçou o encerramento do setor cultural, deixando milhares de profissionais impedidos de exercer os seus ofícios, Branko pegou na sua maquinaria e partiu à descoberta, alimentado por novos e velhos fãs que lhe perguntavam por música nova. OBG é, em grande medida, o resultado dessa jornada e o agradecimento de João Barbosa a todo esse povo que lhe deu confiança para se aventurar num disco em que os instrumentais ganharam protagonismo, num momento em que não podiam ser dançados coletivamente. É um disco construído e experimentado em sets que foi transmitindo e que, mesmo nas alturas de maior desespero, animaram tantas das nossas salas e cozinhas, transformadas nas mais belas pistas de dança do mundo. Mesmo estando separados, continuávamos a dançar juntos. Na verdade, somos nós que devemos agradecer a Branko por nos ter acompanhado neste tempo, construindo cada uma das pérolas deste novo álbum. OBG é uma paisagem sonora de apelo universal, global e sem fronteiras, mas que legitimamente podemos reivindicar como sendo nossa, bem ancorada que está neste tempo em que cuidámos uns dos outros. É um álbum para o mundo, mas que sempre nos soará a familiar, lembrando uma experiência coletiva que emocionalmente passámos em conjunto. Em Abril de 2020, quando a pandemia estava num dos seus picos, com os hospitais a rebentarem pelas costuras, foi uma tristeza imensa perceber que, pela primeira vez, não poderíamos celebrar nas ruas o 25 de Abril, com os nossos cravos e as nossas cores. Nesse dia, Branko desceu uma Avenida da Liberdade triste e deserta, montou o seu material, ligou as câmaras e tocou para cada uma das nossas casas. Não pudemos estar na rua nesse dia, mas ele esteve por nós. Nunca esqueceremos esse dia. OBG.  

[ROSALÍA] MOTOMAMI

Nos preciosos e muito bem aproveitados 15 minutos que ROSALÍA partilhou com o Rimas e Batidas, podemos ler-lhe uma frase que simboliza todo o programa de MOTOMAMI: “Como é que posso ser mais livre? Como é que chego lá? Para mim, isso é um sítio onde tu podes estar. Quando te sentes livre, esse é um sítio onde estás. Para mim, a liberdade é um destino”. Sendo Los Ángeles (2017) e El Mal Querer (2018) obras de incontornável relevância artística, é provável que nunca tenhamos visto Rosalía tão livre como em MOTOMAMI. Livre, desde logo, para experimentar sem receios, pruridos, e muito para lá do consenso estabelecido em torno do seu virtuosismo. Parece hoje imperar numa certa pop uma tendência para olhar o futuro a partir da projeção do retrovisor. Aparentemente, os anos 80 e 90 ainda não acabaram. Nada de novo, diga-se de passagem, todas gerações olham com nostalgia para o que imaginavam ser a vida das gerações anteriores à sua. Só que nada disso parece interessar ao périplo de ROSALÍA. O passado está lá, claro, na herança do flamenco, magnificamente homenageado nessa carta de amor que é “Bulerías”. Mas em MOTOMAMI o passado não aparece sob forma de nostalgia, saudosismo ou revivalismo, mas como base fundadora a partir da qual se experimenta o novo. Rosalía está a inventar o futuro e pelo caminho está a conquistar o mundo. MOTOMAMI engendra conexões ainda não imaginadas, conjura misturas improváveis e arrisca sem receios ou preconceitos. É ROSALÍA a experimentar, a divertir-se, e sobretudo, a saborear o prazer lascivo da viagem. Erguido numa interseção imaginária que se situará entre a Catalunha, Porto Rico, Miami, Los Angels e a República Dominica , Motomami pode por vezes soar algo estranho, pouco intuitivo ou até desconcertante. Mas é assim mesmo o futuro. Um lugar que não é completamente dominável e apreensível pelas regras, os cânones e a sensibilidade do presente. Só a liberdade pode imaginar um futuro que não seja uma mera réplica do passado ou uma obsessão compulsiva com o presente. Quando se fizer a história do futuro, ela será MOTOMAMI

[Fado Bicha] OCUPAÇÃO

Por muito incómodo que cause a uma certa intelligentsia lusitanamente bafienta, o fado não tem donos, guardiões ou proprietários. Se pertence a alguém, é ao povo que dele se apropria como forma de expressão artística, poética e emocional. O que não quer dizer que a história do fado, e muito em particular durante o Estado Novo, não se tenha construído em torno de regras, símbolos, palavras e performances que, deliberada ou tacitamente, excluíram da sua prática e representação quem se recusasse a viver e a cantar as regras heteronormativas da moral dominante. O certo é que nem mesmo cinquenta anos de ditadura foram suficientes para neutralizar o fado como forma de expressão artística diversa, potencialmente dissidente e abertamente política. Ocupação, o álbum de estreia de Fado Bicha, é a melhor expressão disso mesmo. É um álbum histórico que resgata uma ancestralidade queer apagada da nossa memória coletiva, ao mesmo tempo que abre espaço para outros corpos, histórias e subjetividades, projetando o fado para novas potencialidades. Como nos disseram Lila Fadista e João Caçador: “Não havia forma de existirmos plenamente no fado sem ser embatendo de frente com alguns dos seus alicerces mais sólidos (…) só podemos escolher entre o apagamento e a dissidência. Não há “possibilidade neutra” para pessoas como nós“. Sem pedir licença ou legitimação, o Fado Bicha fez da dissidência o seu nome do meio. E ocupação foi a palavra de ordem. O resultado está à vista: um álbum que faz dos sons e das palavras uma forma posicionamento estético e político, feito de autoconhecimento e resgate histórico, artivismo e reinvenção. Um trabalho intimidante ligado às urgências ativistas, com as doses certas de provocação, ironia, melancolia e orgulho. Orgulho é, aliás, o que as suas autoras devem sentir com o lançamento deste trabalho que, combinando registos de fado tradicional com experimentações eletrónicas, abrem novos caminhos e muitas possibilidades de futuro. No horizonte desse futuro está um arco-íris redentor e é para lá que se destina a marcha, deixando para trás o bafio dos nossos armários. 

[Stromae] Multitude

Foi preciso esperar quase 10 anos por Multitude. Stromae impôs o seu tempo à indústria e provou que não existe uma relação de causalidade entre a relevância artística, o sucesso comercial e a exposição permanente. Depois de lançar Racine Carreé, em 2013, o músico viveu experiências gratificantes e dolorosas, e com toda essa matéria esculpiu um álbum cuidado, inventivo, honesto, provocador e desafiante, em que se entrega de alma, corpo e coração. Um álbum que reflete a própria biografia do seu criador, mas que a extravasa, ao convocar universos emocionais com os quais qualquer uma de nós se consegue identificar. A multidão de sons, histórias, referências e imagens nunca soam a excesso, tão depuradas que estão, mescladas e conjugadas num objeto artístico coerente. Na verdade, Stromae é um ourives, e um bricoleur, e um poeta, e um pesquisador, e um pensador, em síntese, um artista total. Muito longe do cinismo, mas muito perto da hiperconsciência, Stromae interpela-nos de forma crua, sem rodeios ou concessões, da mesma forma que assume e abraça todas as suas e as nossas fragilidades. É um maestro de uma encenação que, paradoxalmente, não desiste da autenticidade. E mais importante de tudo, é alguém que mostra ser possível falar na primeira pessoa do singular, sem nunca ceder ao narcisismo. Falando de si e das suas personagens, está também a falar de todas e todos nós, do mundo em que vivemos, das suas possibilidades. É um privilégio ser seu contemporâneo. 

[Pongo] Sakidila

Fita-nos olhos nos olhos, logo na capa. Olhar penetrante, absorvente e destemido, paleta de cores com que pintou a sua jornada. Sakidila, obrigado em kimbundu, é o primeiro longa-duração de Pongo, mas somos nós quem verdadeiramente lhe deve gratidão. Foram dez anos de luta, determinação e resistência para que aqui chegasse e nos contagiasse com este kuduro poderoso, eletrizante, emotivo e sem fronteiras estilísticas, dançando junto com a kizomba e piscando o olho ao reggaeton. Um álbum feito com a doçura e a determinação de uma voz pronta para conquistar qualquer lugar e que não aceita ser tratada como mercadoria. Depois dos EPs Baia e UWA, Sakidila não deixa qualquer dúvida sobre o voo longo e glorioso a que Pongo parece destinada. E se, como nos revelou, a música é o lugar onde encontra conforto e identificação com o mundo, Sakidila é também um álbum para o confronto e para as mudanças que nascem nos corpos que se emocionam ao partilharem ritmos, palavras e suores. Se ainda associamos a voz de Pongo a Buraka Som Sistema, é porque não devemos apagar essa história. Mas se dúvidas persistissem, elas foram todas dissipadas neste álbum: Pongo está a correr na sua própria pista e já nada deve ao projeto com que a conhecemos. É dona do seu próprio caminho, vai destemida pela estada fora e não há ninguém que lhe fique indiferente. O futuro é dela. Sakidila.



MIGUEL SANTOS

[Yard Act] The Overload

Depois de ouvirmos The Overload, torna-se claro que os Yard Act têm muita coisa para dizer. As letras de James Smith são dardejantes, por vezes insolentes, por vezes sarcásticas, mas sempre honestas. São frases que encontram instrumentais à altura nas guitarradas de Sam Shjipstone, no baixo possante de Ryan Needham e na bateria gingada de Jay Russel. A estreia do quarteto britânico em longa-duração está com os pés assentes no rock mas um deles está a querer fugir para a pista de dança, como tão bem demonstra a potente faixa-título. A escrita atenta de Smith escolhe os seus alvos com pompa e circunstância: aponta o dedo ao Reino Unido através das críticas acérrimas de “Dead Horse”, debruça-se sobre a obsessão capitalista em temas como “Rich” ou “Payday”, e entrega-se ao niilismo no final do enternecedor conto em forma de blues que é “Tall Poppies”. Há pessimismo inerente a alguns temas, mas “100% Endurance” termina o álbum em excelente forma e com uma mensagem optimista: “Give it everything you’ve got knowing that you can’t take it with you”. Depois de ouvirmos The Overload, torna-se claro que a música dos Yard Act se rege por esse lema. 

[EARTHGANG] GHETTO GODS

Os EARTHGANG estão de volta com um novo álbum e, à semelhança de outros duos vibrantes, GHETTO GODS prova que a força está nos números. Olu (a.k.a. Johnny Venus) e WowGr8 (a.k.a. Doctur Dot) carimbam o segundo projecto pela Dreamville Records e ao longo de quase uma hora mostram um álbum com as suas diferentes virtudes em destaque. Há bangers barulhentos como “BLACK PEARLS”, “BILLI” com Future e o regabofe de talento de “WATERBOYZ” com JID e J. Cole, mas também temas mais complexos como “SMOKE SUM” e “POWER”, canção em que CeeLo Green mostra os seus dotes para o canto e para as barras e Nick Cannon para as mensagens inspiradoras. Olu e WowGr8 fazem-se acompanhar de um leque de convidados de luxo, mas não se esquecem de provar a sua independência quando estão “sozinhos”, claro em temas como “AMERICAN HORROR STORY” ou “ALL EYES ON ME”, relatos profundos em que a mistura de canto, barras e energia incansável do duo monopoliza o instrumental sem dar hipótese a mais ninguém. GHETTO GODS mostra-nos que os EARTHGANG estão em boa forma musical e que no meio de uma trupe musical de qualidade conseguem sempre brilhar mais. 

[Denzel Curry] Melt My Eyez See Your Future

Catarse, progressão, versatilidade, três palavras que resumem o mais recente projecto de Denzel Curry. Mas tantas mais poderiam ser ditas sobre alguém que continua a mostrar porque é que é um dos mais interessantes artistas do hip hop norte-americano. Melt My Eyez See Your Future é uma crónica dos nossos tempos contada pela lente subjectiva de alguém para quem as palavras são tudo, e sai tudo directo do cérebro para o estúdio. Há pessimismo sobre uma realidade a roçar a distopia, seja pela mão de bangers confessionais ou explorações de jazz rap. Desde flows para todos os gostos até auto-tune com muito critério, o quinto álbum de Denzel Curry mostra um homem pronto para o próximo passo, mesmo que a vida nem sempre lhe tenha sorrido da melhor forma. A solução é continuar a andar como Curry tão bem conclui, subsistir sem desistir. Mas mesmo que deixasse de andar agora, a sua estrada dos imortais já estaria mais do que percorrida. 

[Conway The Machine] God Don’t Make Mistakes

Nem todas as sequelas conseguem replicar a magia de um álbum de estreia. Mas Conway The Machine e o seu God Don’t Make Mistakes dizem-se presentes no que a boas sequelas diz respeito. Os flows estão no ponto, as rimas na ponta da língua e o rapper nova-iorquino mostra-se mais vulnerável do que nunca em temas como a faixa-título ou a desconcertante “Stressed”. Há uma entrega mais pessoal do artista nascido Demond Price, pintando vívidas vinhetas do seu passado e meditando sobre o sucesso alcançado, sem esquecer o percurso atribulado que o levou até ao topo. Mas por cada suspirar emocional em temas como “Wild Chapters” ou “Guilty”, há um premir de gatilho catártico, seja na introdução assassina “Lock Load” ou no gélido encontro da família Griselda em “John Woo Flick”. Se ainda não pensamos em Price como um rei das rimas, God Don’t Make Mistakes mostra definitivamente que Conway The Machine está com a mira no trono. 

[Charli XCX] CRASH 

Dois anos depois do isolamento forçado, Charli XCX sai do quarto pronta para a discoteca. CRASH não foge à fórmula de sucesso de pop altamente açucarada e de fácil consumo a que Charlotte Aitchison já nos habituou, mas mostra que a artista também é dotada na abordagem à música de dança. Há também mais do que um piscar de olhos aos anos 80 através de temas como a resplandecente “New Shapes” ou a combativa “Good Ones”, mas a sonoridade de Aitchison viaja no tempo e no espaço com facilidade, que o diga a força voraz de “Beg for You”, desenhada meticulosamente para encher estádios. Contudo, a artista britânica não se esconde atrás dos singles, e há muito para descobrir além das cartas de apresentação do álbum. Ouvimos os conhecidos maneirismos da sonoridade de Charli XCX nas vozes transfiguradas de “Lightning” ou na hilariante “Yuck”, prova de que a artista que tem vindo a tornar-se um ícone no mundo da pop não se esquece o que a trouxe à ribalta. CRASH é uma digna adição à discografia de Charli XCX, para vibrar de uma ponta à outra até que a noite se transforme em dia. 



BEATRIZ FREITAS

[Silvana Estrada] Marchita

“Porque el silencio no da opción cuando uno canta”

Silvana Estrada é um tesouro demasiado bem guardado ainda para muitos. Com uma voz cristalina que assim soa também em acústico, como visto num dos mais bonitos Tiny Desk (Home) feitos até à data, a autora da comovente música “Si Me Matan” lançou o seu primeiro álbum a solo, Marchita, um trabalho que nasce, a olhos vistos, de uma necessidade intrínseca de transbordar o coração, ou não dissesse a própria: “que yo canto por llorar.”

Ao longo de 11 faixas, a artista conta-nos uma história de amor e de perda, como se estivéssemos a ouvir um recital de entradas num diário pessoal sobre deambular pelas fases de um coração partido, voltar a uma casa em ruínas e (ou) regressar a si na esperança de uma reconstrução. 

Os instrumentos desempenham um papel muito importante neste disco, brilhando em momentos presentes em faixas como “Casa”, onde as harmonias do fim fazem lembrar um culminar épico de um romance ou de filme do Studio Ghibli e o melancólico — mas esperançoso — solo de saxofone de quase três minutos em “La enfermedad del siglo”, que fecha o álbum com apenas melodia, sem letra, mas que tanto diz — se houver tacto e espaço para o interpretar.  

Deixo um destaque especial para as minhas músicas preferidas: “Te Guardo”, sobre as réstias de carinho eternas que ficam por quem já se amou, que fala sobre fazer as pazes com aquilo que foi e também com o que não chegou a ser, e “Marchita”, que por outro lado representa o sucumbir às saudades e à memória que fica, mesmo que contra a vontade, numa linda música que vai crescendo do amor à raiva, culminando numa sinfonia de violinos que se juntam à sua voz, capaz de fazer arrepiar até a pele mais grossa.  

Este álbum é um desabafo, um lanche ao sol no campo para espairecer, um abraço de mãe, mas é sobretudo um reminder, mesmo que oriundo de uma voz em pranto, de que vai ficar tudo bem — tristeza não tem de ser vista com repulsa e não há dor que dure para sempre.

[Pibxis] Rei do Rap

“Pibxis o rei do rap, ‘tá aí a promo” é como abre na primeira faixa deste álbum, um aviso que não cai por terra, pela consistência e qualidade deste trabalho. 

Com colaborações de nomes como DJ Crava, Ikonoklasta, Tácio, Maior Major, Dj Vinilancer e Keso, este rapper da invicta não poupou ninguém, da escrita aos beats, muito remetentes para uma velha escola, de “abanar carolas”.

A razão inicial para a eleição deste disco como um dos predilectos de 2022 até agora tem o nome de “Psicomórficos”, uma faixa como não se ouvia há muito no rap tuga; começando pelo seu beat insano, que com certeza chegou a Wugori por meio divino numa noite qualquer, e indo até ao nível lírico estupidamente elevado oferecido tanto por Pibxis como por Ikonoklasta — uma participação que assenta aqui que nem uma luva –, esta música se estivesse a ser avaliada na escola, velha, nova ou ali no meio, levava, de 0 a 20, a nota máxima. Como se tudo isto não bastasse, este tema conta ainda com uns toques invejáveis de scratch de DJ Crava e ainda um sample virado para o humor, protagonizado pelo icónico Herman José e um dos seus convidados. É ainda de destacar a maneira smooth como Ikonoklasta passa a estafeta do verso a Pibxis, que abre com algumas das barras mais bonitas dos últimos tempos: “Desfaço-me em rap ao som do hino/ depois digo que te amo, como um último desejo de morte genuíno”.

É impressionante a consistência que este disco oferece, mesmo após obter favoritismo numa das faixas, mostrando que este não é um one trick poney. Igualmente no mesmo patamar temos músicas como “Chupa na Passa”, um daqueles sons de fazer abanar a cabeça, em jeito de compreensão, também com barras memoráveis como: “Se tu fazes rap tuga, eu ’tou na casa da fadista/ ‘Tás é com inveja da turma, chupa na passa que isso piça” e ainda “Queres, Não queres?”, com outro beat pesado, manuseado que nem espada de esgrima por Pibxis, que rima sem perder uma única marcação.

Para terminar em beleza este projeto tão bem-conseguido, Pibxis deixa a sua guarda cair, expondo-se de uma maneira tão crua como bela, na faixa mais pessoal do disco: “Esquizograma”, uma confissão algo inesperada, muito adequada para fechar um projecto deste calibre. A culminação desta obra neste verdadeiro momento de storytelling leva-me a afirmar, por fim, que este álbum pode ser considerado como uma das mais claras personificações do hip hop feitas nos últimos tempos na esfera do rap português. 

[Baco Exu do Blues] QVVJFA?

“Um amor faz sofrer, dois amor faz chorar”, uns outros quantos amores bem sentidos e o resultado é um álbum destes. Desde o seu álbum de estreia Esú, de 2017, que Baco Exu do Blues não desaponta e a antecipação por um novo disco já era muita, depois da apresentação em plena pandemia do álbum Não Tem Bacanal na Quarentena, recheado de bangers

Novamente sem desiludir, “Quantas vezes você já foi amado?” é o mote dado por quem tão bem sabe juntar amor à sensualidade — sem nunca esquecer a parte interventiva da sua música– da maneira mais aliciante possível, com instrumentais de veludo e declarações em voz profunda.

O registo confessional da música de Baco tem a característica de fazer qualquer uma das suas faixas, individualmente, parecer algo privado, intimamente partilhado a dois, dando a sensação de que se está a ouvir um amigo de coração partido ou nostálgico, num bar, ao telemóvel ou num encontro já fora de horas.

Este factor contribui, e muito, para a experiência de se ouvir esta obra em que o elemento divino também não é escondido, fazendo uso de vários samples de cânticos relativos a Umbanda — que se traduz em “arte de curar”, uma religião monoteísta afro-brasileira que se baseia em três conceitos fundamentais: luz, caridade e amor. 

A própria maneira como muitos dos versos são repetidos, em forma de cânticos associados a algo divino, relembra obras clássicas como Os Tincoãs, do grupo com o mesmo nome, num factor entusiasmante a ter em consideração, por exemplificar como nomes mais recentes da MPB, como Baco, continuam a ir “beber das raízes” directa ou indiretamente, misturando assuntos actuais com clássicos da história da música brasileira. 

Embora não deixe de honrar a sua religião, estes momentos são contrabalançados com temas de rap poderosos e crus, como é o caso da “Inimigos” e “4 da Manhã em Salvador”. 

No meio de toda esta sensualidade mística e batidas fica difícil escolher as faixas favoritas, mas mesmo assim gostaria de apontar “Lágrimas”, o expoente máximo da sensualidade deste disco, que contrapõe a voz crua de Baco Exu com a voz enlaçada de mel de Gal Costa — cantado inicialmente em tom de sussurro, imitando uma pillow talk — e “Sei partir”, onde o rap do artista se junta à voz harmoniosa de Muse Maya, para juntos criarem uma bedroom jam de impor respeito.

Esta obra conta ainda com colaborações de nomes como Gloria Groove e a utilização de samples de personalidades exímias, para além das referidas, como Originais do Samba e Vinicius de Moraes.

Este é um álbum consistente, sem skips, que depois de uma purga intensa de tanto sentimento e de um “levantar do véu” do que se passa por detrás de algumas relações nos faz reflectir sobre o próprio título inicial: quantas vezes já fomos amados? Ou, pelo menos, quantas vezes fomos com esta intensidade? Deixando-nos a marinar nesta reflexão, este disco faz um círculo completo e corrobora um dos versos iniciais: “Cantar sobre amar talvez seja mais revolucionário”.

[Westside Boogie] More Black Superheroes 

Continuando na linha de “no skips”, vamos agora para o mais recente álbum do rapper Westside Boogie, oriundo de Compton, Califórnia. More Black Superheroes começa logo ao estilo de Hulk, não dando hipótese a mais ninguém na batalha, com a força da primeira faixa — embora, mesmo assim, algo melódica — que faz jus ao título: “Killa Mode”. 

Num extraordinário regresso depois do seu álbum Everything for Sale de 2019, o rapper presenteia-nos agora com uma obra que tem tanto de profundo e íntimo como de teatral, tocando em vários aspectos da sua vida pessoal, sempre com batidas viradas para a dança ou para um passeio de descapotável ao sol, em momentos como os proporcionados pela música “Nonchalant”. 

Um aspecto interessante deste álbum são todos os diálogos pelo meio das faixas, que tanto complementam a história a ser contada, quase como que em resposta às falas da figura feminina, que se ouve ao longo de toda a obra, em tom de crítica ou discussão, atribuindo uma grande consistência, no meio de tanto banger: algo bastante original num álbum deste tipo. 

Como faixas preferidas destaco “Stuck”, “Can’t Even Lie” em colaboração com Soulja Boy e “Aight”, com um feat de Shelley FKA DRAM, numa obra rica em parcerias, que conta ainda com nomes como Snoop Dog, Smino, Mamii, Storm Ford e Teezo Touchdown. 

Esta é uma obra concisa, que brilha especialmente nas transições entre sons e pode agradar a muitos ouvidos, pelas letras — que para além de bem pensadas e com importante conteúdo são também elas catchy — e ritmos que nos fazem querer abanar a cabeça e todo o resto do corpo, numa vibe que podíamos facilmente encontrar num trabalho de outros nomes adorados — e bem — como Joey Bada$$, Smino ou Lute.

[Earl Sweatshirt] SICK!

Depois de Feet of Clay em 2019 e do lançamento de “2010” — que deixou muita gente com água na boca — era com muita antecipação que esperávamos o regresso de Earl Sweatshirt, um dos mais entusiasmantes nomes do rap underground, cada vez a ver mais luz, como resultado de tanto trabalho de escavação.

Também numa tentativa de “vir à tona para respirar”, como dito pelo próprio, este álbum, SICK!, foi criado durante a pandemia, em tom de reflexão após tempos difíceis, onde todas as pessoas se encontravam doentes, a vários níveis. 

Da capa de álbum ao título do mesmo, passando por alguns dos visuais utilizados tanto nos seus vídeos, como em concertos ao vivo, o tema desta obra é gritante, mas nem por um momento se torna monótono; há muito que o puto divertido de Loiter Squad e Odd Future cresceu e faz rap de gente grande, acompanhado de nomes enormes — como é o caso de The Alchemist, produtor de 2 das 10 faixas deste álbum –, no entanto, a jovialidade aliada à mestria deste artista, sempre de mão dada com a sua atitude nonchalant e um tom de voz dificilmente reproduzível, funcionam como um cocktail molotov para rebentar crateras nesse subsolo. 

Para além da tão bem recebida “2010”, destaco as faixas “Old Friend”, um exorcismo de todo o distúrbio emocional dentro do artista, que age como um violento pontapé de boas-vindas a abrir o álbum, “Tabula Rasa”, com um instrumental incrível e participação de Armand Hammer, e ainda “Vision”, em colaboração com Zelooperz, uma daquelas músicas agressivas que carregam no bass e dão vontade de fazer peões na estrada.



LUÍS CARVALHO

[Bandua] Bandua

A ideia de recuperar a tradição, trabalhar com ela a modernidade e, nesse processo, encontrar não só o novo como ressuscitar as boas memórias de uma cultura que não se quer perder, é uma procura e uma arte que se tem revelado muito inspiradora na música contemporânea nacional. Um dos casos mais interessantes desta exploração reside entre a Beira Baixa e Berlim, entre as esquinas antigas das aldeias, e as caves dos clubes citadinos. Vai dos avós aos netos, das palavras dos primeiros, aos beats dos últimos, e tudo de uma forma tão bela, tão magistral. Edgar Valente canta as raízes da música popular, enquanto Tempura, leva essas letras até as nossas ancas, e no fim dançamos a tradição, num disco de Bandua que é um encontro, não só daquele já referido, mas também com a natureza, com o nosso interior. Um disco, urgente, cheio de amor, respeito e frescura. 

[Black Country, New Road] Ants From Up There

A estreia deixou-nos claramente empolgados e boquiabertos com estes sete jovens de Cambridge, e o seu sucessor cedo fazia prometer não ficar atrás. A cada entrevista, ou vídeo partilhado, maiores eram as esperanças do que aí vinha, mas a verdade é que mesmo assim, a coesão, a evolução, o critério que ouvimos em Ants From Up There, mesmo assim supera tudo o era prometido. Os Black Country, New Road deixaram para trás alguma loucura jovial e com isso a energia, a vontade de mostrar-se, as ansiedades cantadas, os medos escritos. Se o primeiro disco era uma procura pelo encontro, este é uma tentativa de não se perder o norte. Isaac Woods, vocalista e letrista da banda, abandonou o projecto por motivos de saúde mental e quem ouve o disco acaba por perceber a realidade das palavras ali escritas. Um disco maior, mais real, mais emocional, ainda mais catártico e pesado. Um verdadeiro épico destes tempos. 

[Bonobo] Fragments

Como boa tradição moderna, álbum novo do Bonobo não reproduz grandes novidades em relação aos seus antecessores, mas de alguma maneira, como se de um poder muito próprio Sam Green possuísse, cada disco soa melhor, mais fresco, mais essencial.  Assim tem sido na última década e quem somos nós depois de ouvir Fragments, para dizer que se deve mexer em algo tão bonito, tão profundo, tão orgânico. Para este trabalho, o músico abandonou a banda em tour, e viajou sozinho mas não solitário. Consigo, iam as vistas, a natureza, a paz, o sol, o tempo. Nasceu a inspiração para um mapa desses percursos, para um mapa do seu eu. Bonobo sabe quem é, apenas re-aprendeu e, normalmente, quando se faz isso, ficamos melhores.

[FKA twigs] Caprisongs

No seu novo trabalho, a carismática inglesa muda de rumo, reconstrói-se e sobretudo reencontra-se. Nesta mixtape, FKA twigs deixa que cores que estavam escondidas despertem e ganhem brilho — e para isso esconde a Björk que corria na sua pop, numa manta de sons que encontramos no topo dos charts. E não, isso não é mau, daí nasce uma twigs mais directa ao assunto, rejuvenescida, onde pisca o olho aos sons latinos e tropicais — de Porto Rico ao Brasil –, busca amores antigos na ópera e despe-se perante o ouvinte, dando a conhecer sem vergonhas o seu “ego”. Em Caprisongs (uma referência ao seu signo), contam-se histórias, discutem-se amores e desamores, o feminismo, as fragilidades, as vitórias. Caprisongs é um interessante caminho à parte. Ficamos curiosos para ver onde ele nos leva. 

[Yawn Society] Soma

Tal como tem acontecido nos últimos anos, o jazz feito em terras lusas continua a ser boa água para moinhos. Um dos bons destaques desta primeira metade encontra-se na obra de estreia do trio Yawn Society. Em Soma, há glitch, drum’n’bass, dubstep, e algum hip hop a conversar com um jazz que não quer ser nem banal nem quadrado. A ideia é aprender, misturar, e criar algo novo neste diálogo, expandir as barreiras, diluir as diferenças e o resultado é um distópico e denso EP, que tanto percorre os caminhos do jazz de Chicago como passeia, sem vergonha, pelo catálogo da Brainfeeder. Uma refrescante novidade. 



VASCO COMPLETO

[Wake Up Sleep] Im Sorry

Música instrumental na mais pura das acepções. Im Sorry é o mais recente álbum de Wake Up Sleep, figura ao leme da slow habits. É mesmo pela sua label que Cláudio faz o seu álbum com mais personalidade. Em todos os aspectos – capa, instrumentais de um hip hop cada vez mais incategorizável, uso da voz pontuado com precisão para maior humanização dos beats híbridos, ricos em harmonias inesperadas e variações rítmicas de aguçar o apetite –, Im Sorry é sentido como uma lufada de ar fresco entre o que se faz na beat culture portuguesa. Para alguém muito dado à introspecção, Wake Up Sleep acorda-nos tranquila, mas assertivamente. Im Sorry não: muito obrigado!

[redoma] parte

O esventrar das emoções humanas tem banda sonora e chama-se parte. O duo redoma, constituído Carolina Viana e Joana Rodrigues, é responsável por isso.

O piano, aliado aos sopros ecoados pela galáxia enevoada do EP, tem qualquer coisa de jazzístico nos seus acordes, mas os instrumentais de Joana desfragmentam-se, como se separássemos e analisássemos cada pequena parte do que é o ser humano. Composições electrónicas que acenam sem vergonha nenhuma àquela corrente que brotou em Bristol e que tanto marcou a década de 90 pelo mundo. Aí entra Carolina, num registo entre o rap e o spoken word, numa epopeia que orbita o tema da saúde mental, na redoma que pertence a cada um de nós. O rap do Porto está sempre numa forma particular, e redoma é a prova disso mesmo.

[Silvestre] Sossegado

Disco para ouvir Sossegado ou no êxtase da pista? Para os headphones ou para conduzir mais rápido? O próprio afirma que é um disco “influenciado por breaks, electro, uk drill e sons de jogos de arcade”. Mais parece fruto de criatividade fértil e claro ecletismo electrónico. Não são novidades na produção do português, na qual o sampling e os sintetizadores coabitam sem discussões, mas em Sossegado todas as valências de Silvestre estão em maior evidência. Mais longe dos holofotes da pista de dança pura e dura – sem nunca lhe virar as costas, claro –, este é um dos discos de electrónica mais arrojados e interessantes da primeira metade do ano. 

[XEXA] Calendário Sonoro 2021

O calendário é de 2021, o destino é o futuro, mas a música é do presente. A estreia de XEXA em longa-duração dá-se com Calendário Sonoro 2021, a mixtape que emana algum do afrofuturismo que ouvimos também em contemporâneos como Tristany ou Nazar, numa ligação muito especial entre a música tradicional africana com ambient e electroacústica. A categorização pouco importa, por isso colmatamos com as palavras da artista no seu Bandcamp, que afirma que estamos perante “um híbrido entre ritmos do folclore tradicional e tribalismo africano com tecnologias”. O ritmo apresenta-se tímido, embora essencial, numa arquictetura sonora que vive muito mais da síntese sonora, da beleza harmónica, de field recordings e da forma como a voz guia toda a composição.

Em entrevista com Alexandre Ribeiro para o Rimas e Batidas, XEXA falava do “facto de ancestralmente a peça de joalharia passar de família para família, todo o valor sentimental que tu consegues ter numa coisa tão pequenina”. Poderíamos argumentar que a ourivesaria, tal como Calendário Sonoro 2021, é o valor desse objecto do passado, amplificado no presente e com os olhos postos no futuro. Olhos postos no que aí vem de XEXA.

[Croatian Amor] Remember Rainbow Bridge

Techno ambient é um termo que ganha muito valor quando manejado pelas mãos de Loke Rahbek, um dos cabecilhas da movimentada e muito apelativa Posh Isolation. Croatian Amor explora muito bem a sensibilidade harmónica que ecoa na sua música, o que vem a calhar: em Remember Rainbow Bridge, o produtor dinamarquês não hesita em abraçar a nostalgia, a melancolia e até por vezes um tom jovial, inocente. Conta-nos o processo da metamorfose humana, desde a infância à maioridade, em composições electrónicas, ritmicamente densas e de texturas sedosas, que jogam muito com a catarse emotiva que habita nas várias camadas da sua música. Não é o seu disco mais único (Isa talvez tenha esse título), mas é possível que Remember Rainbow Bridge seja um dos trabalhos a solo mais memoráveis de Croatian Amor. O futuro o dirá. Até lá, vislumbramos como o passado constrói o nosso presente.



GONÇALO OLIVEIRA

[Saya Gray] 19 MASTERS

Veja-se onde estava Saya Gray em 2016 ou em 2018. Editado a 9 de Junho, 19 MASTERS é um statement por parte da artista canadiana, que se mostrou completamente fora do casulo logo ao primeiro single, um par de anos antes — mesmo não integrando o disco, aquele “Something’s in the weed, my friend/ I’m seeing mother Mary” ainda faz questão de nos assombrar com frequência.

Hoje, a cantora, multi-instrumentista e compositora, de 26 anos, tem um conjunto de 19 faixas que lhe atestam todas credenciais necessárias para poder sonhar em ter a sua própria carreira, ela que, ao longo de mais de 10 anos, andou constantemente à volta do mundo a servir os propósitos de outros artistas, fossem em estúdio ou nos palcos. É dessa falta de uma referência geográfica que emergem as dores que Gray expressa nos seus temas, todos eles compostos por uma instrumentação muito bem captada, apresentadas sob a forma de composições minimais, tântricas, e que ganham asas através de várias camadas de efeitos. 19 MASTERS é um álbum pop, mas é produto de um jogo de sombras muito distintas, entre as quais se sobressaem contornos de um passado mais ligado ao cancioneiro afro-americano, das inquietações para as quais só a folk serve de confessionário ou até de uma certa electrónica, que entra em cena só para adensar ainda mais a neblina de um tipo de música que é psicadélica por natureza.

No capítulo das curiosidades, Hodgy é convidado não creditado em “S.H.T.” e, nas “mãos” de Saya, mostra-se numa versão claramente superior a Entitled, o EP que, também este ano, o trouxe de volta aos lançamentos. Do ponto-de-vista editorial, 19 MASTERS é mais um selo de qualidade para o catálogo da Dirty Hit, eles que já contavam com as presenças de outros novos talentos, como Rina Sawayama ou beabadoobee, debaixo do seu teto.

[Wugori] Juice Manuva

Se dúvidas existiam, desfizeram-se em Juice Manuva: Wugori não é homem de se comprometer com um registo musical apenas. O rapper e produtor da Amadora recuperou a “personagem” que inventou para o SoundCloud, na recta final da década passada, e dedicou-lhe um disco inteiro, onde agora residem clássicos como “Vlad Drakul” (“Pussy dela, Tech Deck” é um one-liner de rara espécie), a balada lowlifer de “Manter Rotação” (“Pernas no ar? Isso é esquema em pirâmide e eu sou o patrão” pintam bem a vida de um lobo que não conseguiu ingressar em Wall Street) ou ainda o tema que serve para ostentar as jóias do “Candy Crush”.

Snootiechainz acompanha Wugori em quase toda a viagem que é Juice Manuva, um trabalho muito prático e, acima de tudo, lúdico. O homem que tinha feito a caneta chorar em Mal Passado Bem Pensado passou a apanhar-nos o riso desprevenido com algumas das suas tiradas mais fora-da-caixa, ao mesmo tempo que recria, sempre com a estética do lo-fi bem presente na equação, fórmulas de outros registos electrónicos aos quais o seu nome não era frequentemente associado, como o trap, o drill ou até mesmo o kuduro.

[Leikeli47] Shape Up

Quem conhece, sabe: Leikeli47 é bem capaz de ser a melhor amiga dos DJs de hip hop dos últimos, vá lá, 10 anos. A sua carreira foi construída banger atrás de banger, através de faixas como “Heard Em Say”, “Money”, “Miss Me”, “Attitude”, “Look”, “Girl Blunt” ou “Tic Boom”. Por cá, vemo-la enquanto a imagem mais fiel daquela que imaginaríamos como sendo a representação de Missy Elliot para toda uma nova geração.

Ao quarto longa-duração, Shape Up, a MC de Brooklyn dá seguimento à tradição de nos manter entretidos, com letras sugestivas e uma chuva de bombos e tarolas que nos bofeteiam as ventas, em especial aquelas que se fazem sentir em “Carry Anne”, “BITM”, “Zoom”, “Chitty Bang”, “New Money”, “Get The Riches” ou “LL Cool J”. Em suma, há aqui muito sumo, quando o rótulo que se procura é hip hop de cariz festivo ou música de club.

[Jeshi] Universal Credit

Há uns anos, o algoritmo do YouTube empurrava-nos a todo o custo na direcção de “Ponta de Lança (Verso Livre)”, tema que haveria de catapultar a carreira do brasileiro Rincon Sapiência a uma escala internacional. Mais recentemente, a “inteligência artificial” da mesma plataforma parece estar a prever um futuro semelhante a Jeshi, já que foi através do mesmo tipo de insistência que acabámos por nos cruzar com os vídeos de “Another Cigarette” ou “3210”, precisamente antes da carreira do artista inglês descolar de forma mais séria.

Universal Credit é o primeiro álbum do rapper londrino e chegou-nos durante o mês de Maio, após uma longa jornada de lançamentos dedicada apenas aos formatos de single e EP, que pelo meio incluiu ainda algumas parcerias curiosas, já que a voz de Jeshi já se fez escutar em projectos de gente como Celeste ou Vegyn. Agora com o factor “experiência” do seu lado, é notório o salto que o artista consegue, num trabalho que pode muito bem fazê-lo alcançar patamares inéditos. Kelvin Krash (já produziu para A$AP Rocky e slowthai), Cadenza (Jorja Smith, Bad Gyal), Earbuds (slowthai, Greentea Peng) e JEAN BLEU (Drake, J. Cole) são os principais arquitectos sónicos que contribuíram para a feitura deste disco, que regista ainda aparições de Obongjayar ou Fredwave e é indicado para quem segue uma dieta musical à base de nomes como Injury Reserve, clipping., Leikeli47 ou slowthai.

[redoma] parte

Portugal está a ficar cada vez melhor servido no que toca a mulheres que desenvolvem a sua criatividade dentro dos moldes do hip hop. E o caso das redoma é ainda mais especial, porque estão claramente a jogar num território que, logo ao primeiro lançamento, tem já traços muito próprios. parte coloca a voz de Carolina Viana em diálogo intermitente com as batidas expansivas e texturais de Joana Rodrigues, e embala-nos num etéreo e amargo sonho, já que ao final dos seus 16 minutos de duração, damos por nós com ainda mais dúvidas do que aquelas que existiam à partida — tudo dentro do foro existencial, claro, já que as seis canções compiladas neste EP parecem não deixar dúvida quanto ao potencial que a dupla pode ainda vir a alcançar no futuro.



CARLOS ALMEIDA

[Pibxis] Rei do Rap

Depois de vários anos a mirar o trono, o rapper do Porto assume a coroa do rap tuga autoproclamando-se o Rei do Rap na sua estreia em longas durações. Durante os praticamente 40 minutos de disco, Pibxis vai oferecendo temas num espectro do mais descontraído e engraçado que o definem até ao mais introspectivo e íntimo que o MC já escreveu, como é o caso de “Esquizograma” que encerra o disco. Antes disso, ainda tempo para  algumas participações de bastante qualidade: desde o jovem Maior Major, a Tácio dos ActivaSom e o graúdo Ikonoklasta.

Um disco bastante coeso sonicamente, culpa das produções de Sensei D., Keso, Minus & Mr. Dolly, entre outros, trilhando uma linha boom-bap com alguns instrumentais de uma densidade e complexidade surpreendentes, como “Psicomórficos” e “Copos a Mais”. 

A cultura hip hop mais a Norte do país atravessa um momento que merece toda a atenção dos adeptos desta cultura, com vários trabalhos de qualidade lançados, denotando-se uma linhagem mais tradicional a nível de instrumentais – em boom-bap – mas sempre salpicada por elementos bem refrescantes e inovadores que têm satisfeito o apetite dos mais curiosos por BPMs mais lentos e uma sonoridade menos electrónica caracterizadora das sonoridades mais modernas e trendy do rap a um nível global. Pibxis surge na linha da frente em 2022 deste interessante momento a Norte do país, com um dos discos que mais rotação tem tido na minha playlist.

[Benny The Butcher] Tana Talk 4

Benny The Butcher tem-se cimentado nos últimos quatro anos como um dos rappers mais interessantes do game pelos Estados Unidos e, em parte, a culpa pode-se atribuir ao disco Tana Talk 3, lançado em 2018, que colocou a fasquia bem lá em cima a nível de qualidade. Desde então, o rapper de Buffalo mal tem tido tempo para pestanejar, culpa dos inúmeros novos projectos a solo ou enquanto um terço dos ácidos e sempre obscuros Griselda. O novo ano foi sinónimo de seguimento à saga Tana Talk, e a expectativa era elevada, mas Benny não desiludiu. Abre a todo o gás com “Johnny P’s Caddy”, até ver o maior hit a nível comercial da sua carreira, onde convida nem mais nem menos que J. Cole, e o mote para o disco estava dado — o rapper de 37 anos não só quis entrar com um pé direito em 2022, como quis pisar a concorrência e demonstrar que está uns degraus acima desde a última vez que nos presenteou com um volume Tana Talk. 

Apesar da receita ser semelhante ao terceiro projecto da saga, os temperos estão mais refinados e tudo graças à arte do lendário The Alchemist, responsável por 7 dos 12 instrumentais, uma fatia considerável comparativamente aos 4 de 14 que produziu para o disco Tana Talk 3. Os restantes temas ficaram a cargo de Daringer, produtor “da casa” que já colaborou em inúmeras faixas de Griselda, e os condimentos realmente são diferentes, com sabores menos expressivos mas suficientes para uma audição sempre interessante e recheada de bons versos/hooks, fossem de Benny ou alguns dos companheiros de longa data que se sentaram à mesa, como Stove God Cooks, 38 Spesh ou Boldy James. Destaque para a homenagem ao clássico “Ten Crack Commandments” de Notorious B.I.G, desta vez transformado em “10 More Commandments”, um capítulo interessante de uma perspectiva diferente e bem experimental do drug rap a que o Butcher nos tem acostumado em grande parte da sua música. É seguro dizer que Tana Talk 4 é um sucessor digno de Tana Talk 3, num registo onde o rapper de Buffalo se sente confortável e, apesar de ser pouco inovador, explora algumas dinâmicas que deixam questões no ar para o futuro do MC. The Butcher Comin’!

[Maze & Spock] O Túnel 

Um dos discos colaborativos mais interessantes do ano (até ver) por terras lusas: de um lado spock, um dos nomes mais prolíficos e interessantes da produção musical portuguesa nos últimos anos pela sua CNTR Records e, do outro, o mais que creditado e assente Maze, um dos 5 dealemáticos, conhecido MC portuense que tem envelhecido como o famoso vinho da sua região, cada vez melhor com o tempo, e prova disso é o disco Simbiose. A própria simbiose dos protagonistas deste longa-duração foram 3 anos de lenta carburação – com uma pandemia de covid-19 pelo meio – a produzir as 20 faixas que compõem este projecto. 

Os tempos que correm têm-se pautado por cada vez menos espaço para álbuns, popularizando-se cada vez mais projetos curtos, ou singles soltos, e a proposta de Maze e spock com Simbiose é de ir exactamente na direcção oposta, apostando num álbum com mais de 1 hora de duração, numa viagem bem interessante onde o MC dos Dealema partilha vivências, lições, intimidades em formatos mais convencionais de rima e não só: muito spoken-word, um registo em que o mesmo tem vindo a apostar cada vez mais nos últimos anos. A acompanhar, um leque de instrumentais carregados de elementos musicais sublimes e inovadores do produtor da Amadora, numa linha mais tradicional de boom-bap, salpicada por sonoridades muito fresh e características do som a que spock nos tem habituado.

20 faixas requerem um nível de trabalho e exigência quase ímpar na cultura hip hop portuguesa nos últimos tempos, ainda para mais quando a proposta é de atingir um patamar lírico e sónico deste grau, mas a dupla formada por Maze e Spock passa com distinção!

[Pusha T] It’s Almost Dry

“Reinvenção”: essa é a palavra que, para mim, define em parte a carreira de Terrence Thornton, mais conhecido por Pusha T. Também há, claro, a palavra “qualidade”, como é o caso do seu mais recente álbum It’s Almost Dry. Perto das três décadas de carreira, o MC dos extintos Clipse vai somando créditos atrás de créditos a solo e o seu quarto projeto é um sério candidato a álbum do ano: produções extremamente disruptivas e arrojadas de Ye (fka Kanye West) e Pharrell Williams, uma dupla de sonho para qualquer músico, cada um responsável por 6 faixas, compondo as 12 faixas deste disco que é uma verdadeira constelação de estrelas, cortesia de Jay-Z, Kid Cudi, Lil Uzi Vert, Don Toliver ou o irmão de Pusha T, a outra metade dos Clipse, MALICE.

Liricamente a bitola pouco ou nada se afasta dos antecessores, mas a caneta do rei do coke rap continua carregada de pólvora e vários são os momentos que merecem um rewind para rever a sua precisão lírica, que se demonstra cada vez mais maduro e com mais camadas neste processo, que, com o seu timbre tão característico, assentam na perfeição nas produções da dupla Ye e Pharrell. Um sucessor que, apesar de estar abaixo do clássico DAYTONA, se destaca pela sua sonoridade bem actualizada num registo que mais parece um neo-trap, numa aposta inovadora que deixa água na boca para o futuro do rapper de Virgínia, porque cada vez que diz presente faz questão que seja de forma assertiva e recheada de qualidade. Para além disso, este é o último capítulo da ligação de Pusha T à GOOD Music, portanto antevêem-se tempos interessantes por lá.

[Conway The Machine] God Don’t Make Mistakes

Lembro-me das primeiras vezes que ouvi Conway The Machine, quase como o descobrir de um novo estilo dentro do rap. A peculiaridade vocal que um infortúnio físico lhe confere -– o rapper sofre de uma paralisia facial causada pelo síndrome Bell’s Palsy – agregam-lhe uma camada na sua voz que acompanha na perfeição a sua agressividade, excelência nos flows e, sobretudo, uma delivery ao nível de poucos actualmente, numa lírica bem nua e crua que nos conta muitas das suas vivências e lifestyle. E é no capítulo da lírica que o seu novo disco God Don’t Make Mistakes mais me surpreende, com um Conway mais vulnerável, introspectivo e íntimo ao longo dos 12 temas do projeto. Vários são os momentos em que toca em assuntos bem mais pessoais do que o seu característico drug rap, algo pouco ouvido na sua já vasta discografia, seja a solo ou enquanto membro do trio Griselda. 

A acompanhar esta nova abordagem lírica, uma palete instrumental com cores variadas e sonoridades bem contrastantes: desde os instrumentais mais escuros e intensos que prometem um headbangin‘ e uma “cara feia” durante a audição, até registos bem mais leves, melancólicos e melódicos onde o MC foi cuspindo algumas das suas barras mais íntimas e pessoais, sempre com espaço para o seu rap com selo de identidade, vindo das ruas de Buffalo. É ver, aliás, ouvir para crer. A lista de convidados é larga e destaque claro para os tubarões Rick Ross, Lil Wayne e T.I, mas também houve espaço para artistas emergentes como Keisha Plum ou 7xvethegenius, numa clara aposta no feminino, uma pluralidade pouco vista na carreira de Conway The Machine, outro dado inovador desta nova etapa. A linha tanto sonora como lírica do rapper americano continua clara e bem vincada com este novo disco que se rege por algumas apostas e experiências do MC, e podemos concluir que se God Don’t Make Mistakes, Conway The Machine aqui também soma poucos ou nenhuns erros.



ANDRÉ FORTE

[Daniel Villarreal] Panamá 77

Algures entre a região cultural da América Latina e o Norte está o Panamá, onde nasceu Daniel Villarreal e onde parece que se situa o espaço musical em que se mexe, que ora é folk, ora é jazz, ora psicadélico, mas que é invariavelmente cativante. São 18 faixas de Panamá 77, e outras tantas malhonas.

[Ecko Bazz] Mmaso

Se há um disco de 2022 que podia ser descrito com um emoji, é este do ugandês Ecko Bazz, Mmaso, que de faixa em faixa pede para ser codificado com tudo o que seja sinónimo de electricidade. É um bulldozer sonoro.

[Shelley Parker] Wisteria

Nos últimos anos, Shelley Parker tem explorado tudo o que são batidas críticas e, desta feita, em Wisteria, vira-se para os quebrados e o jungle. E ainda bem. Para mentes dançantes, não há muita coisa melhor.

[FUMU] Enter The Anima

Enter The Anima, a estreia no formato longa-duração dos FUMU, é uma degeneração a acontecer, em que os géneros se diluem numa produção saturada, em dissonâncias e na urgência das batidas. Geograficamente posicionados algures entre o dancehall, o ambient e a malvadez, são mais uma edição de qualidade inquestionável da Youth, que só nos tem habituado extremamente mal.

[Brassfoot] NCA 005 TRACKS

Cacetada crítica, glitchs e melodias coloridas a irromper por um breu de má disposição — de faixa em faixa, em NCA 005 TRACKS , Brassfoot só dá tiros certeiros na sua modalidade de techno de ph negativo e experimental. É difícil dizer se isto mete um dancefloor a mexer, mas há pouco neste compêndio que não mova.



ALEXANDRE RIBEIRO

[billy woods] Aethiopes 

A capa e o título nem sempre revelam grande coisa sobre o conteúdo e a direcção de um álbum, mas billy woods quis deixar tudo claro à partida. O recorte da pintura de Rembrandt e a palavra “aethiopes” vêm do mesmo sítio: visões europeias sobre África e negritude. Ambas remontam para outras épocas e outras vivências, no entanto, o rapper de Armand Hammer sabe bem que essas condicionantes ainda são sentidas no agora, construindo narrativas com mais do que duas dimensões, muito densas em termos de vocabulário e de emoções, e transformando os cenários à sua volta com a uma caneta absolutamente cáustica. Preservation foi o companheiro constante em Aethiopes, criando os 13 beats, e nomes como El-P, Boldy James, Quelle Chris ou o parceiro de grupo E L U C I D deram outros ângulos (bem definidos, diga-se) às suas histórias.

[Yaya Bey] Remember Your North Star

É difícil não nos sentirmos próximos de Yaya Bey quando ouvimos Remember Your North Star. As palavras (e a maneira como são cantadas) chamam-nos para o seu mundo, provocam-nos sem nunca nos afastarem e conseguem reter-nos num limbo do qual é difícil sair — não no mau sentido, mais numa perspectiva de se criar uma narrativa que nos envolve de tal forma que julgamos ser possível entrar em tempo real lá dentro. Uma artista multifacetada que assume a total responsabilidade da sua música (as excepções neste disco são Aja Grant, DJ Nativesun e Dre Wilson) e consegue deambular com tremenda facilidade entre linguagens como o r&b, o jazz, o rap, a soul ou até o amapiano. No sucessor de Madison Tapes (2020), Bey entrega-nos a sua tese (palavra escolhida pela própria para descrevê-lo) sobre como o seu percurso até se dar de caras com o amor próprio (e com alguma compaixão da comunidade em que nos inserimos) foi feito de diferentes andamentos e sensações. Que ela tenha conseguido transformar essas suas vivências tão pessoais em sentimentos universais só significa que estamos perante uma grande escritora de canções. 

[Ricki Monique] GOOD SEEDS

Os grandes discos deixam marcas profundas, atravessam gerações e mudam indústrias. Nem todos são criados pelos maiores e mais conhecidos nomes, aliás, muitos são feitos por assassinos silenciosos, chamemos-lhe assim — com o tempo, e desde a base, ou aquilo a que chamamos underground, essas obras vão-se infiltrando em tudo o que está à sua volta. To Pimp a Butterfly é capaz de ser um caso paradoxal; mesmo vindo de quem vem, mesmo com os números e a recepção crítica que teve, a verdade é que o rap e os seus protagonistas não assumiram essa sonoridade como tendência, virando-se para outros lados — pode-se até dizer que talvez (e este é um grande talvez) o mundo do jazz tenha sido mais impactado por esse disco de Kendrick Lamar do que o das rimas e batidas. Esta longa introdução só para dizermos que GOOD SEEDS (de Ricki Monique) soa a algo que podia vir de uma realidade alternativa onde esse álbum de 2015 e Room 25 (2018), longa-duração de Noname, fossem as maiores referências para os artistas mais populares deste outro presente. E ainda é só o seu EP de estreia.

[DJ Danifox] Dia Não Mata Dia

Quando o assunto é criar arte, às vezes demora-se a encontrar uma voz própria, aquela que garante sem qualquer dúvida que somos nós que ali estamos; até podem existir outras parecidas, mas aquela é singular; e não há ninguém que não o perceba quando a escuta. Em Dia Não Mata Dia, DJ Danifox soa mais autêntico do que nunca, assumindo-se naturalmente (mesmo que sem grandes pretensões disso) como natural candidato a entrar no “campeonato” em que DJ Marfox, DJ Nigga Fox ou Nídia jogam. Um dos pontos mais altos deste seu trabalho é “Criança”, a música que introduz o curta-duração e um exemplar do seu manuseamento de elevadíssimo nível do bounce e das diferentes camadas (às vezes parece uma banda a tocar) de instrumentos (e o aparelho vocal também é importante nesta conversa) que vão dialogando avidamente com a curiosidade de quem está a descobrir o ouro nesse acto. 

[Trypas Corassão] Beleza Como Vingança

Na introdução da entrevista com as Trypas Corassão, João Mineiro dizia-nos que o álbum de estreia da dupla era “todo um programa estético-político. Uma viagem sonora, íntima, ritmada e ruidosa cujo primeiro mandamento é o de que se quebrem todas as fronteiras. Desde logo as de género, desafiando as estruturas patriarcais, binárias e cisheteronormativas, que continuam a impor a sua moral dominante. Mas também as fronteiras artísticas, propondo-nos uma insurgência sonora e estética contra as regras que definem o que é belo na música, na arte e nas ruas”. Para quem já viu Cigarra e Tita Maravilha nos seus espectáculos, o impacto que sentiu foi imediato (impossível sentir indiferença, garantimos). Em teoria, o estúdio poderia retirar alguma força a esse abalo que se sente quando se é confrontado ao vivo com o seu som, mas na prática, Beleza Como Vingança, mostrou-nos o contrário: em nove faixas, esta colagem musico-subversiva transporta essas ideias do grupo com a clareza necessária para passar a mensagem que queriam sem que se perca nada. Utilizando de forma livre aquilo que canta Tita a certa altura em “Viciada em Vc”, é melhor não virem até este disco se acham que é só para tomar um café ou para assistir a algo na Netflix: a ideia é mesmo mergulhar a fundo.



RUI MIGUEL ABREU

[700 Bliss] Nothing To Declare

“Nada a declarar”, diz o título, mas não é bem assim já que dá bem para perceber que a bagagem de Moor Mother vai bem cheia: nesta ponte aérea entre Filadelfia — base de Camae Ayewa — e Nova Jérsia — rampa de lançamento de bangers de DJ Haram –, viaja-se em primeira classe, com palavras e bounces em perfeita comunhão e apresentados como matéria tão capaz de agitar corpos como consciências, com tanto de poético quanto de político. Ora leiam (e depois ouçam…): “They keep telling me to wait, they keep telling me to wait/ But I’ma bring it to they face, I’ma spit it to they face / ‘Til they feel the fucking bass, ‘til they feel the embrace”. Não há, ja deu para perceber, tempo a perder. Os beats são acelerados, feitos de esparsos elementos, com marcações rítmicas vincadas, baixos profundos, e a fórmula serve a voz de Moor Mother, muitas vezes processada e alterada, séria, nobre e ressonante. Uma arma calibrada na perfeição.

[Mary Halvorson] Belladonna/Amaryllis

Não será possível fazer as contas de 2022 sem considerar o importante contributo da guitarrista americana Mary Halvorson que lançou o ambicioso díptico Belladonna/Amaryllis, resultado de um “percurso artístico que já se estende por duas décadas – Halvorson tem agora 41 anos –, que terá a sua pré-história no momento em que pela primeira vez escutou Jimi Hendrix, quando contava apenas 11 anos e ainda estudava violino, e o momento zero no primeiro encontro com o saxofonista Anthony Braxton, referência da música mais livre que a levou a decidir trocar uma formação superior em biologia por mais avançados estudos musicais”, escrevi eu nas páginas do Expresso. E acrescentei: “E 17 anos depois da sua estreia em nome próprio num álbum em que dividiu créditos com a violista Jessica Pavone, Prairies, eis que Halvorson atinge um superior estado de concentração que não apenas a afirma como criativa compositora e sólida líder, mas, sobretudo, como inventiva criadora de uma música suspensa entre mundos. Em Amaryllis, o mais dilatado ensemble permite-lhe, nunca esquecendo o espaço para o livre improviso, explorar uma densa e muito pessoal declinação de uma angular ideia de groove animada por fanfarras plenas de êxtase e recantos harmónicos de funda complexidade. Por outro lado, Belladonna é o contraponto mais contemplativo, em que o MIVOS rodeia o seu mais reflexivo guitarrismo de exuberante moldura cromática. Duas faces de uma mesma moeda, rara e preciosa”.

[Nduduzo Makhathini] In The Spirit Of Ntu

Sobre este trabalho do grande pianista sul-africano – na linha da frente de um pelotão que tem recolocado o jazz do país de Mandela nas bocas do mundo – escreveu-se por aqui

“No seu segundo álbum para a Blue Note, In The Spirit of NtuNduduzo Makhathini, outro dos músicos dos Ancestors, efectua uma espécie de síntese de tudo o que tem vindo a explorar ao longo da sua carreira. O facto de marcar a estreia da etiqueta Blue Note Africa – sinal claríssimo de como a histórica editora reconhece a vitalidade da cena africana contemporânea – é em si mesmo significativo: identifica–se desta forma em Makhathini uma vigorosa força que tem impelido o novo jazz do continente negro em direcção ao futuro.

A banda que o acompanha aqui inclui o saxofonista Linda Sikhakhane, o trompetista Robin Fassie Kock, o vibrafonista Dylan Tabisher, o baixista Stephen de Souza, o percussionista Gontse Makhene e o baterista Dane Paris, uma sólida formação capaz de insuflar vibração, urgência e sofisticação nas peças que compôs. ‘Estou a lidar com estas ideias cosmológicas como uma forma de situar o jazz no nosso contexto’, explica o pianista. ‘Editei Modes of Communication: Letters From The Underworlds usando a carta como metáfora para os sons que vêm do submundo. Anteriormente, eu tinha lançado Listening to The Ground que encorajava esta ideia da escuta como conhecimento. In The Spirit of Ntu vive nesse paradigma de ouvir as coisas que emergem do chão. Ntu é uma antiga filosofia africana da qual deriva a ideia de Ubuntu. Ubuntu diz: ‘Eu sou porque tu és’. É uma profunda invocação da colectividade”.”

[Cécile McLorin Salvant] Ghost Song

Cécile McLorin Salvant é nome fulcral para se entender o lugar da voz no moderno jazz. E nem precisou de Stranger Things para se lembrar de quão genial é Kate Bush, tendo incluído em Ghost Song uma certeira versão de “Wuthering Heights”. Sobre ela e sobre esse belíssimo álbum, escreveu-se na coluna Notas Azuis:

“Tudo em Cécile McLorin Salvant parece sustentar-se numa ideia de duplicidade e a artista tem falado abundantemente sobre isso a propósito da edição recente de Ghost Song, o seu sexto trabalho em nome próprio que é igualmente a estreia na prestigiada Nonesuch Recordings: a cantora nascida em Miami de mãe francesa e pai haitiano frequentou a New School em Manhattan, Nova Iorque, antes de se inscrever no Conservatório Darius Mihaud em Aix-em-Provence, França, para estudar canto barroco, completando graus académicos avançados antes de mudar de perspectiva: ‘Afastei-me da ideia de querer ser impressionante e aproximei-me da ideia do que posso eu aprender com uma voz não educada formalmente, de alguém que possa não se considerar cantor ou cantora. Muitos dos meus cantores favoritos actualmente’, explica ela à Jazzwise de Fevereiro último, ‘são pessoas que não se veem enquanto tal, pessoas que são talvez instrumentistas que por vezes também cantam. Portanto trata-se de aprender de outras fontes e isso também se estende a aprender expressão com coreógrafos e artistas visuais e na literatura, com actores e com fotógrafos e realmente tentar olhar para isto através de uma perspectiva mais ampla e ir alargando cada vez mais esse olhar de forma a dissipar as linhas, as categorias. E isso também tem a ver com géneros de música’. O programa artístico de Cécile McLorin Salvant parece claro no seu discurso e surge bem exposto em Ghost Song.”

[Alabaster DePlume] GOLD

Outro dos pontos altos da primeira metade de 2022 é GOLD, a mais recente criação do por vezes desconcertante Alabaster DePlume, artista com que o Rimas e Batidas já se cruzou algumas vezes (Supersonic-Jazz em Amesterdão, Tremor em São Miguel, Love Supreme em Brighton…), o que nos permitiu confirmar que o que faz em estúdio tem perfeito eco no que conjura em palco. A sua energia é real.

No Notas Azuis escreveu-se:

“Este é, portanto, um álbum profundamente emotivo. E poético. E filosófico. E até político. Em ‘I’m Good at Not Crying’, enquanto vozes harmonizadas parecem transportar a música até à ilha paradisíaca de Eden Ahbez, o poeta-saxofonista entoa ‘I’m good at not eating / Good at not sleeping, much / I’m good at not being the bad guy / The bad guy / I am good at not needing /I’m good at not crying’, num pungente e honesto auto-retrato pontuado por um saxophone que parece fazer o contrário do que diz o poeta, chorando por cima de uma cacofónica base, com diferentes vozes a soarem ultra-processadas. E na confessional ‘I Will Not be Safe’, Alabaster parece chegar-nos ao mais fundo e tocar-nos no âmago com palavras que são tão capazes de ferir como de curar: ‘I will not be safe/ Love is not safe/ Courage is not safe/ I have the greatest gift of all to give/ It’s my love/ It’s the best thing in the world/ And even though it doеsn’t need to be receivеd/ For it to be so great/ I will not be sheltered, even by this fact/ I will not choose cynicism/ Or take it up on its delicious, bitter offer/ That is so comforting and familiar/ And final and fatalistic/ I won’t need any promises nor denials/ I do not have the answer/ I won’t compose an ending to defend myself from blistering rays of hope/ And I won’t hide behind a matchstick of a sweet little word, either/ I will be naked like water/ It’s the worst place to be/ It’s the best place to be/ It’s where we are anyway/ I will be there, I am there/ I will be’. E se isto não vos cortar a respiração, por favor sintam os vossos pulsos – talvez não estejam tão vivos como possam pensar.”

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