LP / CD / Cassete / Digital

Black Country, New Road

Ants From Up There

Ninja Tune / 2022

Texto de Luís Carvalho

Publicado a: 24/02/2022

pub

Mais ou menos por esta altura, no ano passado, estávamos nós a confirmar tudo aquilo que se antevia para os Black Country, New Road com o seu álbum de estreia, For The First Time

Frescos e urgentes, os sete jovens rapidamente se tornaram ponto de referência de uma muito elogiada e preponderante nova cena britânica, onde o punk e o pós-punk reflectem as ansiedades e as problemáticas sociais instauradas por um Brexit que não profetizava coisa boa. Nas páginas digitais da The Quietus gritava-se que estávamos perante “a nova melhor banda do mundo”, uma pesada frase que Tyler Hyde, Lewis Evans e Luke Mark assertivamente colocaram de parte na entrevista que nos concederam, afirmando que isso não “passavam de tretas” e deixando claro que o grupo só queria fazer a sua música. Uma representação da amizade que os unia e que não pensavam nas recepções exteriores. Se as pessoas gostassem, óptimo, caso contrário também não era problema. Nessa conversa, o trio dissecava esse álbum enquanto nos explicava o que movia a banda e as suas influências. Também abriam o livro sobre o que aí vinha: um álbum que diziam já estar bem encaminhado, que provocou mudanças na forma de compor, mas também nas sonoridades futuras, dando o exemplo de uma aproximação maior ao que tinham feito em “Track X”. Tais afirmações eram feitas com uma mão pousada no sério e outra no humorístico. Essa mistura de texturas reais e fictícias encontradas nas palavras e nas reações do grupo foram sempre gerando dúvidas se certas afirmações eram para ser levadas a sério, como por exemplo, o facto do segundo álbum ser fortemente influenciado pelos Arcade Fire.

Pois muito bem, cá estamos, em 2022, e agora temos Ants From Up There, o muito aguardado segundo álbum a confirmar tudo o que foi dito, mesmo que, por vezes, na brincadeira. Os Arcade Fire estão lá, de tal maneira que poderiam ser eles agora a serem satirizados no lugar dos Slint — relembrar o verso “world’s second best slint tribute act”, escutado em “Science Fair”. 

Com isso, o pós-punk presente em For The First Time foi significativamente diluído, ficando apenas algumas bordas nervosas do género, situadas sobretudo em poucas linhas de guitarra e alguns momentos da bateria, A bruteza e a intensidade acalmaram, concedendo o lugar a um som mais delicado, polido, refinado, mas não menos imersivo e complexo. Encontramos mais melodias e menos camadas, perdemos na dispersão e ganhamos na objectividade. É, pois, impressionante e generosamente palpável a evolução da banda em tão curto espaço de tempo. Os jovens cresceram! Ainda não perderam todo o seu fervor, mas a correria e a vontade de se exibir está mais controlada. E, por aí, talvez se tenham perdido algumas das explosões brilhantes da estreia — aqueles momentos que nos deixavam empolgados do nada –, mas vieram outras coisas, sobretudo uma sabedoria maior do que é fazer uma canção. Continuamos a ter verdadeiras epopeias sonoras, influenciadas pela destreza do jazz e pelas emoções crescentes do pós-rock, que agora são usadas em comunhão com uma sonoridade que coloca os BC,NR mais próximos dos Wolf Parade ou dos Broken Social Scene do que dos black midi ou dos Slint, e tudo isto sem perder um pingo da sua natural identidade, sem perder o feeling próprio do projecto.



Ants From Up There é, possivelmente, o álbum mais próximo que alguém fez dos Arcade Fire nos últimos anos, até mesmo colocando a banda de Win Butler na equação. É impossível não imaginar os famosos gritos colectivos dos canadianos em “The Place Where He Inserted the Blade”, o folk de tom eufórico e pronto para levantar o mundo de “Good Will Hunting”, a forma irónica de vestir palavras de “ Chaos Space Marine” ou até a forma como os sentimentos são melancolicamente expostos em “Concorde”. Se há algo de especial na pop barroca dos Black Country, New Road é a forma como eles conseguem que os temas cresçam emocionalmente com os seus instrumentais, de como as suas roupagens conseguem levantar ainda mais as palavras escritas por Isaac Wood. 

Tal como em Funeral (e aqui temos outra comparação com o “tal” grupo), este é um álbum sobre perda. Não necessariamente sobre a morte, mas sobre o acto de perder, sobre a rejeição, sobre a dor, romântica e social. Há muita confrontação, por vezes há até uma tensão exagerada, um sentimento de rasgo com o real, como se ele fosse violento demais para quem as vive.

Se no álbum anterior, Isaac escrevia-nos uma personagem carregada de ansiedade e com um desejo latente de auto-descoberta e auto-posicionamento neste mundo, agora a personagem tem as emoções à flor da pele, de tal forma que a exteriorização, sobretudo na demonstração grandiosa das mesmas, são como a solução para toda a densidade mental presente na sua cabeça. A esperança e a celebração da mesma também marcam presença e talvez tudo isso seja o que Isaac Woods, o ex-vocalista e letrista dos BC,NR esteja a vivenciar. Quatro dias antes do lançamento do álbum, houve o anúncio da sua saída do grupo, alegando motivos de saúde mental. Talvez estas letras sejam um aviso, talvez tenham muito de real nelas, mesmo que sejam, como foram no passado, feitas na base de histórias, de metáforas, de encontros com a cultura pop.

Ants From Up There é um grande trabalhar que vai marcar e veio para ficar. Não sabemos como serão os Black Country, New Road no futuro, mas foi um grande prazer ouvir o seu passado e presente. Um dos álbuns do ano de uma das bandas da década. 


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos