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Fotografia: Maxwell Grainger
Publicado a: 25/02/2021

Pela primeira vez.

Black Country, New Road: “Queríamos trabalhar com a Ninja Tune porque não é uma editora de rock”

Fotografia: Maxwell Grainger
Publicado a: 25/02/2021

Referindo-se ao grupo de sete jovens que davam ainda os seus primeiros e envergonhados passos no icónico Windmill, em Londres, a The Quietus aponta, sem qualquer pejo, que são a melhor banda do mundo. Pouco depois, a gigante Mojo junta-se a essa poderosa afirmação e assim nasce um culto à volta de uma banda que ainda só tinha dois temas no bolso. Seguiram-se as comparações com os Slint, com quem os Black Country, New Road até brincam em For the first time, o seu primeiro e muito elogiado longa-duração que tomou de assalto a frente de um “novo rock” que anda a conquistar não só as terras de sua majestade, como o mundo.

Por cá, temos já os concertos na ZDB e em Paredes de Coura à espreita, mas enquanto esperamos para sermos presenteados com um banho de rock musculado, catártico e carregado de crescendos, fomos conversar com Lewis Evans (saxofone), Luke Mark (guitarra) e Tyler Hyde (baixista), para nos explicarem a origem e a forma como chegaram a um som que mistura pós-punk, pós-rock, slowcore, jazz e até klezmer (música tradicional judaica), o que pensam sobre a popularidade actual do “novo rock britânico” e a sua evolução enquanto banda neste último ano. No fim, ficamos até a saber influências de um segundo álbum já quase concluído e do motivo pelo qual escolheram trabalhar com uma editora que não está associada ao rock.



For the first time foi editado no início do mês e tem tido uma excelente recepção, críticas muito boas e um destaque constante. Deve estar a ser um pouco frustrante não poder levar o álbum aos palcos e sobretudo não saber quando será possível fazê-lo.

[Lewis Evans] É um bocado irritante, na verdade, mas neste momento há muitas coisas importantes para serem resolvidas, especialmente aqui no Reino Unido. A situação não é muito boa, não há nada a fazer… Assim que toda esta situação do Covid passar, nós estaremos prontos para andar por aí a dar concertos.

Vocês têm marcado, no nosso país, um concerto em Novembro na ZDB e, ainda que não reconfirmado, uma passagem pelo festival Vodafone Paredes de Coura. Vocês são amigos dos Black Midi, que tocaram recentemente nesses dois palcos. Eles confidenciaram-vos alguma coisa sobre como foram esses concertos, sobre Portugal ou o nosso público?

[Luke Mark levanta, do nada, um cachecol dos Black Midi, que manteve durante o resto da entrevista.]

[LE] Eles disseram que é mesmo bonito. Não sei se é o mesmo festival onde eles tocaram, mas lembro-me deles dizerem que foi mesmo cool, que é um festival incrível.

[Tyler Hyde] Sim, eu lembro-me deles dizerem isso, mas eles são pessoas super humildes, raramente falam sobre a banda ou coisas ligadas à banda.

Vocês são tão jovens, mesmo enquanto banda são um projeto recente, e já foram catalogados como a melhor banda do momento pela The Quietus e pela Mojo. Isso mexeu convosco? Ainda por cima, sendo tão jovens, acham que acabou por gerar uma responsabilidade e uma pressão extra?

[TH] Eu vi! [Risos] São grandes declarações que não podes levar de todo a sério. É apenas estúpido! [Risos] Na próxima semana vai haver outra banda qualquer a quem vão chamar isso. Ser a melhor banda do mundo não tem qualquer significado. É bom, mas tens de te distanciar desses comentários.

[LE]  Não tomamos qualquer responsabilidade. No fim do dia, o que eles disseram não importa nada. Se nós lançarmos um álbum de treta, ninguém quer saber disso. [Risos] Não tem qualquer importância na realidade. Não devemos nada a ninguém.

[TH] As únicas pessoas a quem devemos algo é a nós próprios porque somos amigos e foi por isso que começámos isto, para fazermos música juntos, a música que queríamos. A minha responsabilidade é ser o melhor que consigo ser para com as outras seis pessoas da banda.

Quando pensamos na vossa banda, invariavelmente acabamos a trazer à memória um grupo de bandas, desde os Black Midi, os Squid, Fontaines D.C., entre outros que estão a aparecer neste momento, a ter uma visibilidade enorme enquanto mudam um pouco a linha do rock que é ouvido hoje em dia, misturando elementos de pós-punk, new wave, jazz e math-rock com um rock mais tradicional. Lembro-me que, ainda há poucos anos, se dizia que o rock inglês feito com guitarras estava morto e que todos criavam com sintetizadores, com influências electrónicas e pop. E agora temos esta vanguarda de bandas a nascer! O que sentem que influenciou essa busca e este apetite por bandas como a vossa, com este tipo de sonoridades, voltar às guitarras, a um som mais musculado, a uma visão mais experimental do rock?

[Luke Mark] É difícil de dizer, na realidade. A questão é que estas coisas ultrapassam sempre os limites da popularidade, para mim. Isso acaba por me fazer sempre confusão. Quer dizer, obviamente que, para nós, é amável pensarmos que isso acontece porque as bandas dos nossos amigos são realmente boas, mas não sei. Talvez as pessoas pensem que ouvir este tipo de música faz com que fiquem melhor com os seus amigos. A verdade é que, se formos a ver, toda esta cena de rockstar até acabou por influenciar as pessoas a fazerem também mais música pop. Acho que é tudo muito pessoal. Penso que é apenas um período em que somos populares.

Mas não sentem que isso pode ser uma consequência de, agora, as pessoas em Inglaterra se sentirem mais zangadas com o presente e a situação sociopolítica do país?

[LE]  Sim! [Risos] Eu creio que sim. Os ingleses estão um pouco irritados, mais do que zangados até. Somos pessoas irritadas por natureza, e irritantes, e acho que isso acaba por se transparecer na música britânica. Acho que nunca houve um período de tempo em que os britânicos estiveram 100% satisfeitos com o que se passa, fosse em que altura fosse. [risos] As únicas pessoas que consigo imaginar que nunca estiveram irritadas são os Spandau Ballet. Uma grande banda, são super relaxados.

Há um pequeno bar em Londres, o Windmill, que ganhou um certo culto por ser uma espécie de lar para esta nova vaga de bandas, inclusivamente a vossa. Como é que esse espaço teve influência no vosso crescimento enquanto banda, na vossa sonoridade e, já agora, na formação de todo este movimento?

[TH] Não sinto que tenha tido influência no nosso som, para ser honesto. Penso que é um espaço que permite que se toque qualquer tipo de som, que aceita isso, que convida e deixa fazer o que queres fazer. Eles têm essa cultura e esse ambiente de apoio que é muito importante, mas não creio que influenciaram directamente o som de qualquer banda.

Uma das coisas que adorei no vosso álbum foi a mistura de géneros, desde o jazz, o pós-punk, o new-wave, o pós-rock sem que isso pareça forçado ou contranatura, o que, para uma banda tão jovem com tantos elementos, é sempre complicado. Como é que conseguiram essa mistura perfeita sem pisarem nos dedos uns dos outros? Sem falharem na mistura, nos volumes, até porque o vosso som é bastante intenso. Qual o processo e o que aprenderam para conseguirem chegar até esse resultado?

[LE]  A razão pela qual temos essa mistura de estilos tão presente é porque todos nós temos uma educação musical muito distinta, e trazemos isso para o nosso processo de composição, o que não é possível se houver apenas um responsável pela construção das canções. Nós permitimos que todos tenham a sua voz e é por isso que surgem todas estas misturas de tipos de música. Esse balanço e dinâmica que falaste entre os instrumentos, esse não pisar nos pés dos outros, conseguimos porque trabalhamos com um incrível produtor, o Andy Savours. Fizemos questão que tudo fosse gravado o melhor que conseguimos e no fim foi tudo extremamente bem misturado, assim como produzido, portanto, sim, ele teve um peso muito importante nisso. E também nos ouvimos uns aos outros enquanto tocamos, por exemplo, se eu e a Georgia Ellery (violinista) vamos tocar alto, para sermos ouvidos, temos de ter a certeza que os restantes não estão na sua máxima capacidade em termos de volume, por isso temos de ser sensíveis uns com os outros.

[TH] Foi preciso uma grande quantidade de tempo para aprendermos a dar espaço uns aos outros e a ouvirmos mais cuidadosamente.



Vocês diriam que são uma banda mais de construção ou de destruição? Diriam que com a vossa mistura queriam mais construir novas barreiras ou destruir essas barreiras?

[TH] Diria que somos mais de construção.

[LM] Talvez os dois, como um lego ou algo assim. Construtivos, mas não permanentemente.

[TH] Sim! Nós não tentamos destruir uma parede de legos em blocos, e depois voltamos a montar aquilo da mesma forma.

[LM] Eu nem diria que os colocamos juntos como estavam sequer.

[TH] Não, definitivamente tentamos juntar e isso é tramado. É como se estivesses potencialmente a construir outra coisa, mas com os mesmos blocos.

“Instrumental” começa com um ritmo particular, que volta a ser ouvido em “Opus” que é a última faixa. A particularidade de no início e no fim do álbum apresentar o mesmo ritmo, aquela influência klezmer acaba por fazer deste álbum uma espécie de jornada?

[TH] Não.

[LE]  Isso foi apenas sorte. Elas acabaram por ser, de certa forma, similares, porque foram feitas mais ou menos no mesmo período. Este álbum, para nós, não foi feito com esse intuito, não é um álbum com um conceito, não há temas intencionais na sua concepção, são apenas as músicas que escrevemos desde que somos uma banda, e nem foi escrito para ser um álbum, foi pensado apenas para ser tocado ao vivo. Mas realmente acabou por ser algo que soa bastante bem.

[LM] Acho que, no fundo, está como nós achávamos que devia estar, estruturado da maneira que queríamos, mas não foi pensado para ser isso. Da mesma maneira que uma música tem de ser dinâmica, nós queríamos que fosse assim enquanto álbum. 

De onde surgiu essa ideia de apostar no klezmer? É algo totalmente fresco, não me lembro de ninguém a fazer isso na atualidade.

[LE]  É incrivelmente energética, é empolgante, é uma música brilhante. É algo que a Georgia e eu temos em comum musicalmente. Ambos chegamos a tocar um pouco dela quando erámos mais novos e acabou por estar presente na nossa linguagem musical. Acaba por ser um pouco natural para nós tocar e usar esses ritmos. Não sei, é um som que te enche com alegria.  Até foi algo que teve bastante atenção em 2012, penso, quando saiu a “Talk Dirty” do Jason Darulo. Parecia haver uma atenção qualquer sobre aquele ritmo klezmer para o saxofone nessa altura.

[LM] Apenas para ti. [risos]

[LE]  [Risos] Eu achei, mas sim é uma coisa nova. O que é incrível, devia ser mais feito porque soa mesmo bem e é um tipo de música brilhante que as pessoas deviam estar muito mais por dentro, especialmente aqui em Inglaterra.

Vocês falaram sobre estas músicas terem sido feitas ao mesmo tempo, mas todas elas são bastante distintas entre si. Sentem que desde que começaram a banda até ao momento sofreram muitas mudanças?

[TH] Sim, somos tão diferentes, totalmente diferentes! Somos um bocado mais inteligentes agora e estamos a fazer as coisas um bocado melhores nesta altura, quase nem precisamos de nos ouvirmos uns aos outros. A maneira como abordamos a composição é completamente distinta. Não podemos confiar na resposta dos outros para percebermos se o que fazemos é bom ou não, temos de confiar nos nossos instintos. Temos de ser um pouco mais receptivos e penso que estamos a aprender a ser um pouco mais exigentes connosco. Não podemos simplesmente parar e ter um tempo para treinar, temos de apanhar logo a música e tentar fazer algo. Temos de chegar a esse ponto por nós mesmos, não é simples, mas é algo muito bom quando se aprende.

E sentem que isso vai resultar num som mais simples ou mais complexo, no futuro?

[LM] Mais complexo.

[TH] Mais complexo para tocar, mas mais fácil para ouvir talvez. É música muito mais intuitiva, pelo menos aquela que estamos a escrever nesta altura.

[LM] Sim, absolutamente. Eu penso que o que está a acontecer, pelo menos em algumas músicas, é que elas são complexas em termos das ideias que temos, mas não tão óbvias. 

Acham que com isso vai terminar aquelas comparações com os Slint? Vocês até já brincam com isso.

[LM] Eu até gosto.

[LE] É bom ser comparado com eles, mas já não somos nada como eles. Agora somos muito mais Arcade Fire. Spandau Ballet e Arcade Fire.

Para terminar, estou curioso como é que apareceu a vossa ligação com a Ninja Tune? É interessante porque eles não são, de todo, uma editora de rock.

[LE] Nós queríamos trabalhar com eles porque não são uma editora de rock. Foi um bocado por isso, penso eu. Queríamos ter essa liberdade e não queríamos chocar com outros artistas da editora em termos de quando queremos lançar coisas e assim. Sabíamos que não íamos ter isso na editora, sabíamos que eles estavam a tentar algo novo e que estavam a sacrificar imenso para trabalhar connosco. Está a ser tudo um pouco excitante e a nossa relação com eles tem sido fantástica. Estamos a trabalhar mesmo bem. Temos sido uma família feliz todos os dias com a Ninja Tune.

[TH] Tudo o que pretendíamos deles é que facilitassem algo que queríamos fazer. E eles estavam tão abertos a fazer isso. Eles não se apoiam num legado, é tudo relacionado com o presente, com o momento actual, connosco, da melhor maneira que conseguem, e isso é incrível.


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