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Pongo

UWA

Capitaine Plouf / Jardin Rouge / Caroline International / 2020

Texto de Pedro João Santos

Publicado a: 21/05/2020

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Errata: ao escrever sobre “Quem Manda no Mic”, tema com que Pongo nos presenteou em Novembro, lamentei que fosse a introdução ao seu primeiro álbum. Mea culpa, que o álbum afinal era outro EP: UWA, irmão mais novo de Baia, essa turbina de pop fulgurante.

Na verdade, entre longa- e curta-duração, a barreira é de plasticina — o álbum-surpresa de Dino D’Santiago conta uns poupados 22 minutos —  mas continua a perturbar. Passe o tempo que passe, espera-se sempre mais do grande formato: um manifesto que completa o prólogo do EP (hoje raro não haver). A tanto se deve a ideia de guardar o melhor para depois, à espera de uma “prova dos nove” — coisa que, para Pongo, não existe. O agora é o teste.

UWA é o grito de quem escapa e um urro de vitória. Começa na polirritmia implacável da faixa-título e, quando termina na clemente “Wafu”, já escreveu a história de vida da luso-angolana. Neste sentido, como fusão diamantífera de uma e de outra vertente, “Quem Manda no Mic” acabou por ser o carro-chefe perfeito. Da costela melódica de M’Pongo Love (intérprete do Congo, uma das vozes favoritas do seu pai) aos glúteos pétreos dos Buraka Som Sistema, é como se Pongo folheasse o seu livro —  face aos contos quase adolescentes em Baia. Ouvimos o trauma sucumbir ao êxito. Até aquilo que não lhe concerne na primeira pessoa, como a auto-ajuda glorificada de “Makamba”, tem ar de diário íntimo.



Nessa música, que cedo esgota o fôlego, os desejos de “equilíbrio da vida, saúde, paz e amor” são mais Canção Nova do que BBC Radio 6 (desse porto às rádios francesas ou ao The New York Times foi uma travessia rápida). Mal-grado o seu papel na ressonância emocional, não são as palavras que lhe têm aberto portas: a mensagem está no som. É por isso que o diz em “Canto”,  “te da mucha alegria, nostalgia con harmonia”, e também por que o faz em portunhol (franglês era capaz de ser mais útil). UWA redobra o kuduro emotivo que Pongo assumiu como segunda pele. A marimba, como um feixe de luz que alumia os tambores, dá um leitmotiv que também é identidade. Cada faixa segue progressões harmónicas, em igual medida, nervosas e nostálgicas, inebriadas ou perturbadas com a vista panorâmica.

Pongo nunca dilui o seu dote para a ginga sísmica. A excepção à regra é “Canto”, um suspiro leviano à beira mar, em que se aperfeiçoa a tal autobiografia sem se levar demasiado a sério. E repleta de pequenas âncoras pop — o departamento em que o disco, no seu superavit de sangue e suor, acaba por perder para Baia. Não é a mesma amabilidade orelhuda de “Quero Mais”, nem o arrebatamento epifânico de “Kassussa” — e até se pode argumentar que “Chora” faz melhor serviço enquanto tour de force pontuada de memórias. Se a cantora desilude, só fica aquém da sua própria bitola.

UWA é a expressão mais fidedigna de Pongo, na linha da frente do kuduro omnívoro. Era 2008 quando previu essa dieta, em “Kalemba (Wegue Wegue)”; hoje, está ao volante. Por conclusivo que pareça, contudo, este é apenas um primeiro volume, de que se seguirão muitos, possivelmente maiores. Que páginas restam para o esperado manifesto? Depois de EPs como Baia e UWA, o eventual álbum pode muito bem ser um simples epílogo.


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