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Fotografia: Elisabete Magalhães
Publicado a: 02/06/2022

A imperatriz com uma visão progressiva do kuduro.

Pongo: “A música é o lugar onde encontro o conforto e a identificação com o mundo e as pessoas”

Fotografia: Elisabete Magalhães
Publicado a: 02/06/2022

Em 2008, “Kalemba (Wegue Wegue)” dissipou qualquer dúvida que pudesse haver relativamente à importância do kuduro no mainstream musical português — e o estatuto de hino que naturalmente conquistou fez com que permanecesse uma referência fulcral deste género até aos dias de hoje. O nome que associamos automaticamente a este single é o dos Buraka Som Sistema, mas Engrácia Domingues, a voz da então adolescente e estreante no meio que guia “Wegue Wegue” como Pongolove, é também a sua compositora.

Seguiu-se a sua desvinculação dos BSS e esporádicas colaborações com outrxs artistas. 10 anos após iniciar a sua viagem artística com um êxito indiscutivelmente magnânimo, Domingues renasceu como Pongo e editou o seu EP de estreia, Baia, redireccionando a sua carreira em colaboração com músicxs e produtorxs de França, onde viu o seu trabalho a ser especialmente acarinhado. 

Com a edição de mais um EP, UWA (2020), uma intensa apresentação do single “Bruxos” na incontornável plataforma A Colours Show e a interpretação conjunta com Tristany do tema “DÉGRÁ.DÊ” (de DJ Marfox) a valer o 6º lugar do Festival da Canção de 2022, a altura é mais do que indicada para Pongo mostrar ao mundo Sakidila, o seu primeiro testemunho de longa-duração. Em conversa com o Rimas e Batidas, a artista luso-angolana descreve-nos aquilo que é claramente uma jornada de uma pessoa com espírito guerreiro e que, contra todos os obstáculos que se possam apresentar à sua frente, possui um sentido de determinação, ambição, criatividade e honestidade que tornam a sua obra inquebrável. 



A estreia da tua carreira a nível nacional e internacional foi tudo menos discreta: com apenas 15 anos protagonizaste um dos temas mais emblemáticos de um projecto que colocou o kuduro no mapa nacional. Como se deu o teu contacto com os Buraka Som Sistema e como olhas hoje para o impacto criado por essa colaboração?

O meu encontro com Buraka foi um pouco inesperado, porque eu comecei a dançar com um grupo chamado Denon Squad, que conheci na estação de comboios de Queluz [onde eles dançavam] enquanto eu fazia o meu caminho para a fisioterapia na altura. Eles tinham ligações com os membros de Buraka, para quem enviavam habitualmente as suas músicas, e gravei um tema com eles em estúdio assim numa brincadeira, porque faltou a vocalista do grupo, pelo que me pediram para fazer o coro – foi essa música que chegou aos ouvidos dos Buraka, que me contactam porque os Denon Squad lhes deram o meu contacto sem eu saber de nada [risos]. Isto foi por volta de 2007, quando tavam a romper com a vocalista anterior, a Petty, e tinham os shows todos da tournée nacional para terminar o resto do ano e precisavam de uma vocalista substituta. Contactaram-me, disseram-me que ouviram a minha música e que gostaram muito da minha voz, marcámos o primeiro encontro na Amadora [onde ainda vivia na altura] e depois em estúdio, onde me pediram para cantar o que eu quisesse. Uma das músicas que lhes apresentei foi o “Wegue Wegue”, em que já tinha a composição da música, remetendo para as memórias da minha infância e para uma das brincadeiras que a gente fazia enquanto crianças em Angola. Eu tinha ganho o bichinho de compor música após essa primeira gravação com Denon Squad, então quando me encontrei com Buraka já tinha algumas músicas a apresentar, o que foi o caso não só deste tema como também do “IC19”, também presente no Black Diamond.

Bom, os Buraka gostaram do “Wegue Wegue” e comecei a trabalhar com eles, a tocar o seu repertório na altura, e quando lançámos esse single em 2008 foi o boom que foi [risos]. Mas, para ser muito sincera, e olhando para o sucesso desse tema, não tive acesso ao mérito devido. Foi uma luta de mais de 10 anos para rever os meus direitos sobre a música, porque depois disso Buraka não precisou mais de mim, seguiram sem mim e não me deram nenhum tipo de satisfação e lá ‘tive eu esses anos todos a lutar pelo reconhecimento e pelos meus direitos. E hoje estou aqui com o meu primeiro álbum, depois de dois EPs lançados.

Após esse boom inicial, a tua actividade em estúdio fez-se sentir na forma de outras participações em registo bastante pontual, até ao lançamento dos teus primeiros discos em nome próprio a partir de 2018. Este período de relativa reclusão corresponderá a uma fase de maturação do teu percurso artístico?

Foi sim. Foi e continua a ser uma luta que cada dia me torna mais forte e motivada para fazer música e continuar a partilhar os meus sentimentos. Porque, no final do dia, todos partilhamos do mesmo sentimento, independentemente das áreas profissionais ou vivências. A música acaba por ser o lugar onde encontro esse conforto e essa identificação com o mundo e as pessoas, e que me ajuda também a ultrapassar todas as outras dificuldades — e a indústria da música às vezes é bem macabra.

O meu contacto com Buraka foi como foi e… bom, há muitos anos que estou a olhar para o futuro, e isso é o que não me faz desistir, então estamos aqui com força e esperança. 2018 foi o ano em que eu consegui lançar o meu primeiro EP, visto que já era uma luta para tentar que fosse o álbum, porque enquanto estava nos Buraka já me encontrava a preparar o álbum. E agora que saiu o Sakidila, a recepção foi bastante positiva desde o início porque também senti o carinho das pessoas, a reconhecerem-me a partir do “Wegue Wegue” e a estarem felizes com o meu regresso. Isso acaba também por me motivar e continuar aqui com força. É importante.

Se, por um lado, Pongolove partiu para a conquista do seu público ao embarcar numa carruagem que partia de Lisboa para todo o globo, por outro lado, Pongo recolheu os frutos do seu labor primeiramente no estrangeiro, desde actuações em diversas localidades e festivais franceses até menções pela NME, The Fader ou a BBC Radio 6 Music. Terá o resto do mundo mantido o teu nome mais próximo do radar ao longo destes anos?

Sim, porque a minha relação com Buraka, a maneira como romperam comigo sem me dizerem nada, também acabou por afectar esse aspecto, tanto que eles apagaram o meu nome da apresentação do título da música. E, além disso, sempre que eu tentei arrancar com o meu projecto a solo, muitas portas foram fechadas em termos de rádio, TV, tudo…

Apagaram? Como assim?

Depois de um tempo, o “Wegue Wegue” passou a ser apresentado só por “Buraka Som Sistema”. Eles próprios não faziam questão nenhuma de eu ser apresentada como a compositora do tema, tanto que dizem que eu dei a voz e, no entanto, essa música é a minha história e é tudo sobre mim, sobre a minha terra, sobre tudo. Toda a composição é feita por mim e Buraka foi bastante, como é que hei de dizer, já nem sei se é egoísmo, whatever: é o mundo do business. Bom, aproveitaram o que tinham de aproveitar. Além de eu ser bastante ingénua, nova e inexperiente na altura, calhei [estar] nas mãos de pessoas erradas que tiraram proveito disso. Por isso é que também foi complicado poder ter alguma força ou reconhecimento na minha carreira a partir de Portugal, até porque as pessoas sabiam de Pongolove mas depois não reconheciam a pessoa, a imagem, estavam mais pelo nome e não tinham a imagem associada a mim. Mas também não foi isso que me parou, porque ainda assim tentei, em 2018, iniciar o projecto do primeiro EP cá em Portugal. Ainda fiz o Sumol Summer Fest como abertura do lançamento do EP, fiz um monte de coisas aqui, mas que não foram exploradas nem recebi a atenção devida, ainda que houvesse bastante trabalho por trás. 

Virei-me para o mercado de França, uma vez que ‘tava a trabalhar com um produtor francês, e ainda que ele acreditasse [fazer] comigo o projecto a partir de Portugal, não deu em nada, as portas não se abriam por mais que batêssemos – sempre apresentámos o trabalho com bastante qualidade, e não foi suficiente, e não havia razão para que entendêssemos o porquê. Então, segui a partir de França, posso-te contar que não foi fácil, porque, estava a um mês e meio de começar uma tour em 2019, com uma banda constituída por músicos que eu arranjei aqui – algo pelo qual lutei muito, demorei dois anos a fazer questão que tivesse uma equipa a partir de Portugal – e, no final, só nos comeram o dinheiro, como nós dizemos [risos]. Fomos enganados, duplamente enganados, perdemos muito dinheiro, e estivemos à última da hora a procurar músicos a partir de França com disponibilidade para terminar uma tour de um ano com mais de 50 e tal datas, e foi assim que eu fui parar a França. A princípio ‘tava muito triste, muito em baixo, porque existe aquele conforto de nós podermos fazer tudo a partir de casa, né? Mas como dizem, há males que vêm por bem e foi um pouco assim que as coisas aconteceram — fui recebida pelo mercado e público francês com bastante carinho e isso ajudou-me a partir daí. E, olha, fui pela Europa e voltei a Portugal.



Sakidila deixa claro que o kuduro continua a ser o teu género musical base, mesmo que ande de mão dada com diversas outras linguagens ao longo do disco, tais como o baile funk, o house ou até mesmo a cumbia. Embora a tua música tenha sido sempre definida pela vertente do “kuduro progressivo” – não apenas através do teu envolvimento com BSS, como também no repertório presente em Baia e UWA –, este é um registo particularmente ecléctico. Poderá esse aspecto ter sido influenciado por teres trabalhado em conjunto com diversos produtores/compositores na concepção dos temas em questão, ou já imaginavas a priori um conceito mais ambicioso? 

Como eu te disse, a luta para lançar o álbum já vinha de há muitos anos e eu já tinha músicas e temas que tavam na gaveta; claro que foram aperfeiçoadas com o encontro e conexão com os produtores e toda a equipa que fez parte do álbum, mas, sim, já tinha uma ideia do que é que eu queria apresentar neste disco. Queria apresentar todas as minhas facetas enquanto artista e a team com quem trabalhei ajudou-me imenso a colocar todas essas minhas ideias da forma como estão colocadas, desde os produtores até aos artistas que colaboraram e que fizeram featuring comigo – foram uma conexões cruciais. Como já te tinha dito, o álbum devia ter surgido antes dos EPs, há muitos anos, e, pela caminhada tomada, senti que finalmente era o momento certo, porque já tinha passado por muitas outras coisas, outros produtores, mas agora tinha encontrado os produtores certos, onde houve a comunicação e a linguagem musical imediata entre nós, então, foi bastante importante. Eu acho que é um pouco de tudo, né? 

Cada vez mais vemos o cenário mundial da música pop a heterogeneizar-se através de uma vaga de artistas que procuram como influências as expressões culturais relacionadas com as suas respectivas origens geográficas e/ou étnicas: Conan Osiris, Pedro Mafama, Ana Moura, Rosalía, C. Tangana, entre muitos outros casos… Dada a crescente aclamação que tens recebido tanto em termos de público como a nível mediático, como encaras este fenómeno que, certamente, não te será alheio?

Primeiro, encaro com uma grande responsabilidade e motivação, também porque, resumindo e concluindo, é para isso que a gente trabalha, né? Para isso é que a gente ’tá aqui deste lado, a fazer a nossa parte… Eu gosto e encaro de uma forma positiva. Motiva-me imenso fazer parte desse tipo de fenómeno, de trazer algo de novo e poder projectar um futuro em relação à música, aos estilos e tudo. Eu sempre gostei de fusões e se com a minha música puder fazer isso — estar nessa representação de cenas futurísticas… encaro isso duma forma bastante positiva.

Como imaginas o futuro deste cenário, mesmo dentro do teu próprio trabalho?

Consigo imaginá-lo de uma forma bastante positiva em vários sentidos: para a nova geração poder ter um encontro, não digo com o passado, mas… ou seja, tanto para mim, na minha geração, como em todas as gerações, é importante termos conhecimento das nossas origens, de onde viemos, para a gente as poder entender até ao presente e ver o que é que buscamos para o futuro, não é? Então, eu sinto que, no futuro, é essa mais-valia que vai marcar a música na vida das pessoas — é assim, pelo menos, que eu imagino e quero ver a minha música no futuro, a ajudar as pessoas e a elas se encontrarem de uma forma ou de outra, porque todas as minhas músicas são sentimentos, histórias, experiências e mensagens o tempo todo. Quero que as pessoas entendam isso e que, no futuro, todo esse entendimento se faça valer nas suas próprias vidas.

Irás apresentar Sakidila em Lisboa, no B.Leza, no dia 2 de Junho. Tens algo a dizer sobre esse evento?

Vai ser fogo, energia, positividade e nostalgia. E o mais importante será estarmos juntos e em família. Um grande beijinho, espero por vocês! 


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