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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/03/2022

Em transformação e em constante movimento.

ROSALÍA: “Quando te sentes livre, esse é um sítio onde estás. Para mim, a liberdade é um destino”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/03/2022

Para uma das grandes estrelas pop que temos nos dias de hoje, a agenda só tem uma maneira de existir: totalmente preenchida. Nas proximidades do lançamento do seu terceiro álbum, o primeiro depois de conquistar o mundo, isso torna-se mais evidente para ROSALÍA: conversa com Jimmy Fallon aqui, actuação no Saturday Night Live acolá, um contigente de pessoas de todos os continentes a quererem um pedacinho do seu precioso tempo. No início desta semana, no meio deste turbilhão, e enquanto se encontrava no México, a cantora espanhola “arranjou” (também podia ser “inventou”) cerca de 15 minutos para se colocar frente a uma câmara e, pelo Zoom, conversar com o Rimas e Batidas sobre o sucessor de El Mal Querer (2018), um disco em que compromete a imagem que se podia ter dela para arriscar e esticar os limites do que é isso de se ser uma artista popular em 2022.

Com pouco tempo, a arte de fazer uma curta entrevista sem que se faça as mesmas perguntas que os outros todos fizeram passa pelo estudo, mas também pelo alinhamento das perguntas — não teremos muito tempo e não dará para divagações profundas, mas precisamos de tentar sacar (no bom sentido) informação que complemente o que já sabemos.

Porém, e contrariando esse impulso, fomos pelo sítio onde todos começaram para procurar uma resposta diferente, sempre com a consciência de que estávamos mais perante um conceito em aberto do que algo fechado em si mesmo — e os tweets que a própria foi publicando à volta disso deixavam essa ideia no ar. Ah, e o interlúdio de “Ni**as In Paris“, principalmente a parte do “No one knows what it means, but it’s provocative”, não nos saía da cabeça. Mas o que é, afinal de contas, uma MOTOMAMI? “Eu acho que sempre fui uma MOTOMAMI. A minha mãe era uma MOTOMAMI, a minha avó era uma MOTOMAMI. Eu sou uma MOTOMAMI desde que nasci. Agora, enquanto fazia este projecto, percebi que esta palavra tem essa energia. E que a música deste trabalho se pode resumir apenas com essa palavra”, declarou num bamboleio entre o inglês e o espanhol, um registo bilingue que manteria até ao fim.



Para tentar perceber melhor o som deste novo longa-duração, a próxima questão teria de passar por geografia. Estranho? Bem, talvez um pouco, mas tinha uma justificação simples: havia muito mais de América Latina do que nos seus antecessores. Mas não nos percamos. A conjectura foi posta da seguinte forma: se o Los Ángeles poderia ser localizado na Andaluzia (e mais perto do tradicional) e o El Mal Querer em Barcelona (e mais próximo de uma certo pensamento cosmopolita), o MOTOMAMI era reflexo de uma vida entre Porto Rico e Miami e de uma proximidade cada vez maior com o seu lado latino? “O Los Ángeles e o El Mal Querer vão buscar bastante influência ao flamenco. E o flamenco começou, obviamente, no sul de Espanha, e está bastante presente lá, mais do que em qualquer lugar, mas existe muito flamenco em Barcelona também. E existe muito flamenco no centro de Espanha — como em Madrid, por exemplo. Esses dois álbuns foram feitos em Barcelona. Por isso, a grande diferença do MOTOMAMI para esses é que eu estava a viajar bastante enquanto o fazia. Podemos localizar o MOTOMAMI em Porto Rico (eu gravei lá), na República Dominicana (eu gravei lá), em Nova Iorque, Miami, Los Angeles e Barcelona. Portanto, o som do MOTOMAMI deve a todos esses lugares”, explicou.

Na preparação para este momento, um documentário (assinado pela Billboard e pela Honda) abria uma nova porta. Lá, ROSALÍA dizia o quão bem se sentia quando conseguia dançar, cantar e usar livremente o seu corpo em palco. Se assim o era ao vivo, como seria em estúdio? As canções vinham da liberdade ou do desconforto?

“Eu penso que pode vir dos dois. Dependendo da intenção ou daquilo que pede — provavelmente será diferente em cada canção. Existem canções que vêm da fome de liberdade e outras vêm do desconforto de certa situação. Qualquer coisa pode servir de desculpa para fazer uma canção desde que seja honesta. Desde que mexa contigo. Desde que desperte algo. Isso é o principal. Neste projecto andei a reflectir muito sobre aquilo que é considerado subversivo. Reflecti bastante sobre isso enquanto escrevia, reflecti muito sobre o quanto se espera que as mulheres sejam apenas femininas. Só podemos ser femininas. E isso é algo sobre o qual alguém que admiro muitíssimo, a Björk, tem falado melhor do que ninguém ao longo dos anos. E é algo que ainda precisa de ser conversado e do qual ainda faz sentido se falar. Tudo isso esteve presente na feitura do álbum. E eu creio que fui atrás, sobretudo, do desejo de ser o mais livre possível no estúdio, no meu dia-a-dia e em todos os momentos. Tentei que não existisse alvoroço nem antes nem durante a criação. E nem depois das coisas já estarem criadas também. De realmente poder dizer, ‘isto é o que se está a passar, vou abordá-lo com amor e depois partilho-o’. Isso é liberdade.”



Liberdade é uma palavra bastante importante para se compreender este MOTOMAMI. Quando lhe perguntamos, repescando algo do documentário anteriormente mencionado, se definiu objectivos concretos antes de entrar nas canções deste projecto, a resposta partiu daí:

“Como é que posso ser mais livre? Como é que chego lá? Para mim, isso é um sítio onde tu podes estar. Quando te sentes livre, esse é um sítio onde estás. Para mim, a liberdade é um destino [risos]. Um lugar para onde podemos ir. E por isso é que escrevi, ‘Yo manejo, Dios me guía’ [em “SAOKO”]. Porque, para mim, quanto mais conectada a nível espiritual estou, mais livre me sinto.”

E acrescentou: “Acho que é por isso que também existem tantas letras a abordar a espiritualidade neste projecto. Há muitas letras que têm a ver com o mundano, mas também com sexualidade, transformação, desamor. Isso é terapêutico porque tudo faz parte da vida. Todos os temas são apresentados ao mesmo nível, não há uns melhores do que outros. Não há temáticas que eu sinta que não possa falar e outras que sinta que sim. Isso foi muito importante para mim durante este projecto. Por exemplo, se sentir que devo escrever uma carta para um amante, eu faço-o. E se isso girar à volta de sensualidade, sexualidade, seja o que for… é o que é. Eu deixei-me ir ao sabor do vento.”



Na investigação, a Wikipédia não é o primeiro sítio onde se deve ir — nem o segundo ou o terceiro –, mas nada como ir lá dar um pulo. Foi nesse malfadado lugar da Internet que encontrámos a única referência à utilização de um sample de “Archangel“, a segunda faixa de Untrue de Burial, em “CANDY”. Ousámos perguntar se isto era verdade. “Sim. É a primeira vez que a Wikipédia está certa”, confirmou entre risos. “Sempre fui fã de Burial. Enquanto escrevia letras para este disco estava a ouvi-lo muito, então tornou-se óbvio para mim que poderia fazer sentido samplá-lo numa canção com um beat de reggaeton. A ‘Archangel’ funcionou na perfeição. Hoje em dia, o sampling é uma coisa que está mais presente do que nunca. Veio da cultura rap e é por isso que o podemos encontrar ao longo do projecto — o rap é uma inspiração, tal como outros géneros. Também encontras um sample de Soulja Boy em ‘DELIRIO DE GRANDEZA’, que é um bolero. Eu comecei a pensar: ‘como é que o Soulja Boy faria um bolero e a que é que isso soaria?” Eu estava a tentar puxar os limites da produção e dos arranjos nessa canção. E acabou por funcionar dessa forma.”

Conceptualmente menos coeso do que os dois primeiros álbuns, isso pouco importa no resultado final, uma colecção de faixas que, basicamente, são explorações bem conseguidas e arrojadas de um universo musical em que SOPHIE, Pharrell Williams, Tainy e Arca coabitam com Bad Bunny, Billie Eilish e James Blake, e onde tudo é fragmentado, deslocado e reapropriado. Nesse sentido, ROSALÍA encontra-se na posição mais dominante da sua carreira, uma produtora com a visão completa daquilo que a rodeia e capaz de retirar o melhor daquilo que vê, impregnando-lhe um cunho tão seu que ninguém parará de associar o seu nome à lista de visionários que mexeram com todos os que estão à sua volta.

De volta à entrevista. Uma notificação chegou, entretanto, pela caixa de mensagens do Zoom. “Uma última pergunta, por favor”, o sinal de que já estaríamos a esticar o tempo que nos tinham cedido. Olhamos para aquilo que queríamos saber e seleccionamos, por instinto, a questão final. Depois de dois longa-durações sem featurings, existiria alguma razão mais profunda para as escolhas de The Weeknd e Tokischa para participar neste?

“Eu fiz este álbum enquanto viajava. E isso influenciou o processo criativo — estares sempre em movimento — tornando-o mais profundo e menos fechado que os anteriores. Apesar de existir muito material autobiográfico — quase com um diário pessoal — na composição, também existe um tom celebrativo. Se gosto muito do The Weeknd, porque é que não partilharia aquele momento com ele? Se admiro a Tokischa, uma mulher maravilhosa da República Dominicana que me inspira e encanta, porque não partilho esta canção com ela? No final teve tudo a ver com isso: o contexto.”

Em MOTOMAMI, ROSALÍA prova que ainda havia alguns lados seus para descobrir. Mas, mais importante, confirma algo do qual já desconfiávamos: num mundo de formatação para agradar ao algoritmo, a espanhola não cede e arrisca. Existirá algo mais MOTOMAMI do que isso?


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