Digital

Yawn Society

Soma

Edição Independente / 2022

Texto de João Spencer

Publicado a: 14/03/2022

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Com o fenómeno revitalizante do novo jazz a expandir-se cada vez mais nos últimos anos, os Yawn Society são o mais recente exemplo desta vaga que, em terras lusitanas, tem sido sublinhada nestes lados como JazzNãoJazzPT. Tendo iniciado a sua aventura através de um primeiro encontro musical há um ano e meio, o trio editou o EP Soma, a sua estreia discográfica, no passado mês de Fevereiro, cujo single de avanço, “Watching You” (apresentado no final do ano anterior) já fazia prever a sua sonoridade: a condução de linhas jazzísticas por territórios diversos da música electrónica de dança.

“Anyway” e “Garden” perfazem o arranque de Soma, e em ambas fica bastante claro quais são as duas linhas dominantes dentro das tendências electrónicas que, pelo menos agora, guiam o repertório dos Yawn Society: glitch e drum ‘n’ bass abordadas de forma relativamente Squarepusher-iana pelas mãos do programador de serviço do trio, José Veiga (aka ZZY). A contrapor inquietude sónica e rítmica assinalada pelos beats de Veiga nesta abertura está o teclista Duarte Reis, que apresenta um agradável porto de abrigo com os acordes de Rhodes por si entregues, seguindo-se, por fim, Gonçalo Diogo Morais, através do qual se sobressai um dos pontos altos do projecto: o fraseado incrivelmente fluído e astuto que faz a sua guitarra cantar. 

“Watching You”, aqui o terceiro tema do disco, retém todas as qualidades acima descritas, exaltando ao mesmo tempo a versatilidade de Veiga (alternando entre o drum’n’bass e um boom-bap mais solto e minimal) e a de Reis (dando maior espaço a synths celestiais). Chegamos ao faixa-título do curta-duração e um guloso beat trappy faz a antecipação para o único momento de participação exterior: um solo por parte do ilustre saxofonista Desidério Lázaro. “Around the Room” encerra as festividades dentro do mesmo andamento que o anterior, mostrando que os Yawn Society não precisam de recorrer unicamente a BPMs elevados para pôr o nosso corpo a dançar.

Se os dotes individuais de cada um dos elementos nos são comprovados vezes sem conta em Soma, o único factor que impede este EP de ser uma estreia infalível reside precisamente na coesão colectiva da qual aparentam carecer, o que compromete não a musicalidade do projecto, mas sim a sua identidade estética: as batidas de Veiga, ainda que concebidas de uma forma consideravelmente detalhada, falham, diversas vezes, em acompanhar os restantes instrumentos nos momentos em que se procura deixar espaço para respirar, e mesmo quando consegue cumprir esse dever – o que acontece especialmente na segunda metade do disco –, existe a sensação que estas programações soam bastante digitais ao ponto de impedir uma simbiose natural entre toda a instrumentação aqui presente. De igual modo, a tendência de Morais em assumir uma presença de guitarra maioritariamente em registo clean contribui para acentuar esta polarização entre instrumentos eléctricos e electrónicos. 

Espera-se que o próximo capítulo dos Yawn Society resolva esta lacuna, pois habilidade musical e sede de experimentação é o que não lhes falta – e Soma demonstra as duas coisas de uma forma suficientemente cativante para aguardarmos pelo seu próximo passo.


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