pub

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/04/2021

A pensar é que a gente se entende.

#ReBPlaylist: Março 2021

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/04/2021

Uma, duas, três… cinco duplas a surgirem em evidência na selecção mensal da equipa Rimas e Batidas. A importância do trabalho de equipa ainda se estende a um grupo que quer deixar de ser boyband e a um quarteto de excelência do jazz britânico, mas quem causa maior mossa é mesmo um corajoso cowboy. Uma colecção para ler, ver e pensar com atenção.


[Denzel Curry & Kenny Beats] “So​.​Incredible​.​pkg (Robert Glasper Version)”

O primeiro trimestre de 2021 é dele. Depois de duas presenças consecutivas com os R+R=NOW (podem lê-las aqui e aqui), Robert Glasper volta a fazer parte de mais uma playlist mensal da Rimas e Batidas, desta vez na companhia de Smino com a remistura, ou, se preferirem, uma nova roupagem de “So​.​Incredible​.​pkg”. O original pode ser encontrado em Unlocked, o alucinante álbum que juntou Kenny Beats a Denzel Curry, e que vê agora a sua terceira vida enquanto Unlocked 1.5. No vídeo de apresentação desta nova variante, onde a dupla entrega os seus temas na mão de diversos MCs e produtores, encontra-se, ironicamente (e vamos sublinhar o ironicamente), um Denzel Curry a questionar a presença de Robert Glasper no projeto, perguntando o que uma lenda viva do jazz pode saber sobre hip hop.

A resposta é mais do que evidente. Em “So​.​Incredible​.​pkg”, Glasper mostra, como se ainda fosse preciso, que sabe tudo, não fosse ele um dos maiores responsáveis pela boa amizade que se vive entre os dois géneros. Nesta nova versão dá para encontrar uma elegância no uso do sample, um refinamento na melodia e uma delicadeza no tratamento do beat ímpar na história de Unlocked. Hip Hop a sair à rua com o seu melhor fato. Ficamos todos a admirar, pois claro.

– Luís Carvalho


[Nappy Nina & JWords] “Table Set”

Nappy Nina tem feito a estrada que liga as duas costas dos EUA com a sua lírica, não raramente pintada de possibilidades de jazz lo-fi com rimas densas, ligando duas escolas que se descrevem de costas voltadas. Não é brincadeira nova, mas é um jogo que a rapper nascida em Oakland (cidade-berço dos Black Panthers) e radicada em Brooklyn conhece bem e cujas regras sabe ignorar em proveito próprio. No seu novo tento uniu forças com uma produtora que pinta as suas quadras com cadências mais rápidas: JWords, que em 2020 tomou atenções pela sua prestação enquanto metade da dupla H31R. Em “Table Set”, a dupla recém-formada dispõe as cartas na mesa e dá um gosto intenso da palete de sabores servida no EP (que também conta com Stas Thee Boss, das Theesatisfacton): innuendos sarcásticos como ponto de partida para debitar barras em ritmo elevado. Não é para todos, mas Nappy Nina faz com que pareça fácil.

– André Forte


[David & Miguel] “Inatel”

Se um extraterreste melómano aterrasse neste planeta, saísse do seu (gira-)disco voador e fosse recebido por um “Interveniente Acidental”, será que diria “gosto, quero ouvir mais destes dois”? Talvez não seja essa a motivação para David Bruno e Mike El Nite terem unido esforços, mas independentemente da origem, qualquer coisa conjurada pelo artista nortenho e pelo rapper lisboeta tem pernas para andar. De acordo com o gaiense, David & Miguel é “uma ode aos Anjos, a Miguel & André, a Leandro & Leonardo, a Lucas & Matheus”, às duplas que talvez não descreveríamos como memoráveis mas que sem dúvida têm o seu lugar nos anais das histórias musicais de Portugal e Brasil. “Inatel” é a primeira amostra do que está para vir, e chegou mesmo a tempo dos dias mais longos e do sol mais brilhante. 

De facto, o videoclipe dá-nos vontade de declarar a época balnear aberta e ainda nem estamos em Abril. O instrumental não lhe fica nada atrás: congas dançáveis assoberbadas por um baixo a estalar dão lugar a teclas brilhantes e notas rasgadas da guitarra prodigiosa de Marcos Duarte. O sedutor timbre grave de Mike El Nite espalha magia e contrasta com o tom mais sibilado e monotónico de David Bruno, uma adição muito bem-vinda aos deveres vocais. Os dois artistas esmiuçam as regalias do Inatel Albufeira mostrando os seus dons para o marketing e a fecharem já o casting para os novos porta-vozes da ex-Fundação Nacional para Alegria no Trabalho.

“Inatel” é para bater o pé, é para não nos levarmos demasiado a sério, banda sonora para aproveitar todos os vouchers que a vida nos dá, nunca sabemos quando podem dar jeito. Terráqueos ou marcianos, fait attention: há álbum da dupla no final de Abril. E certamente que ninguém vai querer perder este primeiro capítulo da história de David & Miguel.

– Miguel Santos


[Silk Sonic] “Leave the Door Open”

Sonoridade de seda, algures entre Barry White, The Temptations e Commodores. Bruno Mars e Anderson .Paak acertam finalmente as agulhas em Silk Sonic, projecto conjunto que, a avaliar por “Leave the Door Open”, o meloso single de apresentação, visa trespassar os mais sensíveis e receptivos corações com afiadas narrativas amorosas. Ambientes românticos, cálices de vinho, corpos que se tocam em jogos de sedução, pétalas de rosa a flutuarem na morna água que enche a banheira – tudo isto cabe na letra e no imaginário desta primeira amostra. “I aint playin no games/ Every word that I say Is coming straight from the heart”, diz-nos Bruno Mars na sua primeira intervenção. Não há como não acreditar.

No vídeo da música, gravado em estúdio, o homem de 24K Magic senta-se ao piano eléctrico, secundado por .Paak na bateria e ladeado por uma banda que se divide entre percussão, guitarra e baixo. Há um vidro que separa homens e mulheres, mas esta é uma divisão saudável longe dos padrões sexistas de um Hell’s Kitchen, por exemplo. Trata-se de uma serenata intimista com a qualidade sonora e a delicadeza que o estúdio permite, como se os decibéis se transformassem repentinamente em almofadas de seda para encostar a cabeça e libertar um profundo suspiro de conforto. O primeiro capítulo de uma parceria que promete boa colheita. Uma bofetada de luva branca a quem, por altura da 24K Magic World Tour (na qual Anderson .Paak participou), defendia que não fazia sentido algum estes dois astros coabitarem o mesmo espaço. Ei-los a desmanchar essa teoria.

– Manuel Rodrigues


[Armand Hammer & The Alchemist] “Falling out the Sky” feat. Earl Sweatshirt

“Março, marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão”… noite de clarão? “Falling out the Sky” foi chuva de estrelas que caiu poucos dias depois do primeiro Equinócio do ano, com os iluminados Armand Hammer, dupla formada pelos rappers billy woods e ELUCID, e The Alchemist a contarem a história dos “dois porquinhos”, em Haram, antes de se apagarem as luzes. 

Nesta faixa do novo disco que junta o produtor da califórnia aos MCs de Nova Iorque é o convidado Earl Sweatshirt quem dita o tom ao seu jeito – “I set the mood for you, you know the vibes” – num tema em que cada um reflecte o seu brilho com a devida intensidade.

“Sometimes it collide, the black sky full of supernovas/ The stars that died, no light” – colisão de astros das rimas sobre batidas cintilantes. E aqui a canção de Boris Gardiner não podia encaixar melhor…

– Paulo Pena


[Dianna Excel] “Borboletas (lovesong)

Este é um disco carregado de reflexão e de auto-descoberta de Dianna Excel enquanto mulher trans, como nos é contado em comunicado da própria, o que torna XL num trabalho inevitavelmente emocionante, introspectivo, revelador e intenso à sua maneira. Muito próximo da música deconstructed club, com nuances de gabber e techno, mas também da pop mais melódica a fazer uso do auto-tune, podemos sentir as pegadas sónicas de SOPHIE ou Odete a influenciar Dianna Excel. Embora estas referências se destaquem, o seu passado como Baby Sura, mais próximo do universo trap, não deixa de ser uma coordenada relevante para XL.

No meio deste álbum, “Borboletas (lovesong)” destaca-se por ter uma bússola distinta dos outros temas. Ainda que embrenhada nas mesmas referências, sente-se uma influência dos novos fados de gente como Pedro Mafama, a puxar uma toada bastante emotiva. O instrumental despe-se dos kicks maximalistas e distorcidos e adorna-se de pormenores melódicos mais sedosos, com a voz a cantar sobre as reacções físicas associados ao amor. A balada também pode ser reinventada e Dianna Excel mostra-nos como fazê-lo em “Borboletas (lovesong)”.

– Vasco Completo


[Lil Nas X] “MONTERO (Call Me By Your Name)”

Em 2021, a meio de uma pandemia, precisávamos disto? De um homem negro a acompanhar um – levíssimo como uma brisa de Verão, “flamenqueado” e ribombante q.b. – tema pop com um teledisco maximalista, gabarito Hype Williams/MTV nos anos 90, em que o protagonista escorrega por um varão (como numa audição do Hustlers 2) para aterrar no colo de um Lúcifer musculado – e lhe roubar o título como majestade infernal?

Sim.

Precisávamos.

Para cada fenómeno pop minimamente trangressivo, como nota Craig Jenkins, há uma madalena ofendida e a sua turba. Podemos passá-las em revista, que são bem giras: aquelas que, instadas por Prince e a sua “Darling Nikki”, inventaram o selo “Parental Advisory”; as forças que interditaram a venda do obsceno CD dos 2 Live Crew; os odiosos, homofóbicos (transfóbicos, islamofóbicos, antissemitas também) “católicos” da Westboro Baptist Church a boicotar um concerto de Lady Gaga; o formigueiro do canal FOX News acirrado por uma “WAP” a transbordar.

Pois que se levante a afronta conservadora contra Lil Nas X – em contrapartida, é provável que as rádios encham a barriga com este manifesto de um rapper que não tem que escolher entre o sucesso comercial e a abertura sexual. E, mesmo que a canção não seja o evangelho pop que se pudesse esperar a seguir a “Old Town Road”, este é um homem negro nos palanques a poder ser franco sobre a sua sexualidade. Basta pensarmos em como ainda só se passaram nove anos desde a carta de Frank Ocean – e os desenvolvimentos têm sido poucos. Coragem para este cowboy.

– Pedro João Santos


[BROCKHAMPTON] “BUZZCUT” feat. Danny Brown

O que esperar de um artista/banda que vai a caminho do sexto álbum? A memória lembra-nos que, por norma, essa é uma fase em que os autores já amadureceram por completo e a tendência é aproximarem-se cada vez mais de um registo formatado e não tanto arriscado. Para os BROCKHAMPTON, que contam com cinco LPs num ainda curto período de actividade, a juventude parece ser o trunfo que os leva a contornar o óbvio.

“BUZZCUT” é o primeiro avanço de ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE e é também um dos mais impressionantes singles do grupo de rap que se autodenomina de boyband, um termo que, como RZA apontou recentemente, poderá ter sido peça em falta para outros colectivos dos género, como os Odd Future ou até mesmo os seus Wu-Tang Clan. Depois desta injeção de flows psicotrópicos dissolvidos em solução electrónica alienada, que pede uns versos emprestados a um Danny Brown no topo da sua forma, à la Atrocity Exhibition, vem aí um forte candidato a disco do ano?

– Gonçalo Oliveira


[Sons Of Kemet] “Hustle” feat. Kojey Radical

É uma cena de Londres: aquele pulsar urgente e denso, pesado, mas com tracção e potência. Shabaka Hutchings usa aqui o seu chapéu mais caribenho (em The Comet Is Coming é um capacete de astronauta, quando dirige os Ancestors é uma máscara zulu…), com a tuba de Theon Cross a evocar os carnavais de Notting Hill, e convoca o amigo Kojey Radical para assumir a posição de toaster do sistema de som enquanto, discreta, por trás, Lianne La Havas oferece harmonia a uma história de orgulho e alma que menciona os barcos negreiros (foi assim, afinal, que os antepassados chegaram às Caraíbas…). Por cima de tudo, apesar da seriedade, do peso, da urgência, da cadência quase marcial, Shabaka oferece-nos um pedaço de poética melancolia, num tranquilo desfile de riffs, que se vão sobrepondo, sem chegarem a adquirir a espessura de um solo mais expansivo. A julgar pela amostra vem aí bomba, com o saxofonista a cimentar cada vez mais a sua posição como figura tutelar deste moderno sopro jazz.

– Rui Miguel Abreu


[L-ALI] “Plenitude”

A fasquia da produção artística da Superbad é, por norma, alta — e isso não mudou nem um bocadinho desde a entrada de L-ALI na editora. Raramente Satisfeito, um lema que deveria estar impregnado na alma de todo e qualquer artista, marca a estreia no formato curta-duração do (também) membro de COLÓNIA CALÚNIA pelo selo e é um poderoso concentrado de underbangers — e há poucos rappers portugueses que mereçam tanto ser associados a esse termo como ele.

Difícil mesmo é escolher uma faixa para destacar do EP mas cá vai. Dois anos depois de testemunharmos ao vivo a potência no Iminente, a versão de estúdio de “Plenitude” chega com a mesma força: um instrumental criado a meias por Joah e Here’s Johnny (ou, posto de outra forma, um preparado cuidado de diferentes frequências e balanços — destaque para a disposição dos drums) a proporcionarem o palco adequado para L-ALI trazer o melhor cantor que há em si, e provavelmente um dos refrões mais bem-conseguidos que ouvimos da sua parte. E, claro, nunca deixando de ser um quebra-cabeças (na entrega e na escrita): “Toda a vida eu vi/ Dar-me ao beat é cuidar d’ouvintes/ Mal ouviste/ Todavia eu vi (Todavia eu vi)/ Dar-me ao beat é curar-me a mim”.

Para fechar, e já que não podemos ouvir e cantar isto num club, eu começo: “Maneusópéçómuuuun-“… acabem vocês…

– Alexandre Ribeiro

pub

Últimos da categoria: #ReBPlaylist

RBTV

Últimos artigos