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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2024

E tudo Kendrick levou...

#ReBPlaylist: Março 2024

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2024

Se em Março não ouviram o pew pew nem sentiram o cheiro a pólvora, então andaram desnorteados. Kendrick Lamar foi o nome mais “quente” do mês que passou e é o mais que óbvio destaque numa nova edição da #ReBPlaylist. Este será um dos momentos para mais tarde recordar, quando começarmos a olhar para 2024 em jeito de retrospectiva, mas há mais 5 razões pelas quais devem ir com o scroll até ao final deste artigo. Mantenham-se ligados!


[Future & Metro Boomin] “Like That” feat. Kendrick Lamar

À primeira vista, quem diria que este tema aparentemente “inofensivo” ia abanar a cultura do hip hop mundial desta forma? Março sem cedilha é marco, e é a melhor forma de descrever o último mês. As águas do hip hop mundial estavam calmas há meses, diria até há anos, muito também por culpa de uma pandemia que assolou o globo sem exceção, mas depois do último dia 22, a maré ficou bem turbulenta.

Até perto da marca dos 2 minutos, este “Like That” sobressaía, talvez, pelo instrumental algo peculiar de Metro Boomin, mas o click dá-se mal ouvimos “These n*ggas talkin’ out of they necks”. Ok, isto é quem eu acho que é? Se havia dúvidas, o resto da primeira barra rapidamente dissipou-as: é esse mesmo, Kendrick Lamar. Ao longo do próximo minuto, ouvimos bem mais que uma simples sixteen. Sem qualquer aviso ou até indícios, temos aqui K.Dot a disparar sem piedade na direção de Drake e J. Cole, para choque — e até confusão — de muitos de nós, ao ponto de já ninguém se lembrar sequer que é Future o interprete principal da faixa. Como é claro, a comunidade online ficou em alvoroço nos dias seguintes e rapidamente se dissecaram álbuns, vídeos e até entrevistas das “vítimas” deste “assalto” verbal de Lamar, que foram bastante úteis para completar o puzzle deste aparente beef entre o Mount Rushmore desta nova geração do hip hop norte-americano.

Diferenças pessoais à parte, quem ganha somos nós, os ouvintes, que podemos desfrutar destes exercícios líricos de renome, cada vez mais raros de se ouvir num patamar desta dimensão. Apesar deste choque de frente com Drake e Cole, é fácil perceber o que Kendrick quer: competitividade, espicaçar os seus pares para elevarem o nível da sua música e atacá-lo de volta da forma mais inteligente, densa e criativa possível. Para mim, isto é the real deal. Sem as contas bancárias recheadas e os bens materiais luxuosos: quando só te resta a caneta e a capacidade musical, quem és tu? Ao fim do dia, é disto que muitos de nós gostamos, skill acima de tudo. Aguardemos a resposta de Drake, porque a de J. Cole já está cá fora, e à primeira vista esfriou (e muito) toda esta competição.

— Carlos Almeida


[St. James Park] “Feitiço” feat. Isa Leen & Sónia Trópicos

É uma das melhores faixas a sair de Modern Loneliness, o disco ecléctico de St. James Park que recorreu a uma série de convidados — todos eles nomes frescos daquilo que podemos considerar música urbana nacional — para construir canções pensativas e melancólicas recheadas de texturas e óptimos detalhes de produção. Em “Feitiço”, a voz hipnótica de Isa Leen conduz-nos por cima de um instrumental multifacetado concebido a meias com Sónia Trópicos. É um embalo taciturno, uma balada tão moderna quanto mística que evoca uma certa portugalidade e a conjuga com uma electrónica sedativa e envolvente. Música para corações partidos em noites de catarse.

— Ricardo Farinha


[Yard Act] “An Illusion”

No seu mais recente longa-duração, os Yard Act convidam-nos para a escuta da sua música aguerrida com uma pergunta. Where’s My Utopia? é a questão que dá título ao projecto e parece ser esclarecida logo na primeira música do álbum: “An Illusion” é um tema que oferece uma resposta, mas como em tudo o que os Yard Act fazem, tem mais que se lhe diga.

Somos recebidos pela húbris de um sample que se ouve no início da música, arrogância que é contrastada pelo tom pouco expressivo e algo desinteressado com que o vocalista James Smith profere a sua poesia. A batida traz o universo hip hop para o rock do grupo britânico e as estrofes descrevem um homem assolado pelo alcoolismo, um misto de castigo e concretização de um fado amaldiçoado. No refrão o ambiente torna-se mais leve, seja pela euforia das faces rosadas ou pela esperança de finalmente deixar as ressacas para trás. A guitarra — saliente e marota nas estrofes — torna-se comedida e suave no refrão. “An Illusion” é um potente e vincado tema que nos oferece um duelo entre forças opostas: o reconhecer a ilusão e o perder-se nela. E fá-lo de forma eficaz e com o cunho engenhoso da banda.

— Miguel Santos


[VSP AST] “AGUARELA” (prod. Survival)

Não será preciso esperarmos pelo entediante mês de Setembro para evocar os Green Day a ouvir VSP AST, mas nem só de tons rubros e tinta fresca a escorrer da mão se preenche esta “AGUARELA”. Feita a Avenida da Igreja a sua “Boulevard of Broken Dreams”, Fernando Gariso figura em mais uma curta teen, com pé a fundo no acelerador do drama romanceado. Soa melhor do que parece, acreditem. Sobretudo para quem, por regra reticente com os cruzamentos entre o rap e o rock (para aí desde os Linkin Park, perdoem-nos o pecado capital), se deixou converter com uma actuação esmagadora na última edição do Super Bock em Stock. Kitsch? Só para quem tem repúdio em reviver memórias um tanto ou quanto embaraçosas através da música.

— Paulo Pena


[Matt Champion] “Slug”

Copiar é coisa feia, mas pegar em determinadas referências — de preferência algo muito específico e, se possível, não assim tão óbvio — e elevá-las a outros patamares é sempre merecedor de aplausos. Chama-se a isso evolução. E nos tempos frenéticos que vivemos, cada passo é dado de forma tão rápida que, por vezes, nem damos conta das várias etapas que precisaram de ser atravessadas para se chegar a um determinado ponto.

Os mais distraídos não chegaram sequer a surfar a onda de Oliver Malcolm. O artista que passou pelos quadros da Interscope Records chegou a ser uma espécie de menino de ouro da rubrica 7 Dias, 7 Vídeos, mas parece ter perdido o gás — aquele precioso pulsar da inventividade — após Are You Living In The Real World?, projecto de estreia onde residem faixas como “Switched Up”, “Helen” ou “The Jungle”. Este “Slug” poderia muito bem ser mais uma preciosidade da sua discografia, mas tem outro dono: Matt Champion surgiu em boa hora para colmatar uma lacuna na nossa dieta musical e soa a uma versão detalhadamente mais musculada — versão Arnold Schwarzenegger no auge da sua premiada carreira de bodybuilder — do MC, cantor e produtor ao qual nos rendemos particularmente durante a temporada 2020/2021.

Por mais dura que possa parecer a comparação, faz sentido se pensarmos na vantagem que o texano nascido Matthew Garrett Champion tinha à partida. Afinal de contas, fez “escola” nos BROCKHAMPTON e já leva alguns anos a mais nisto, tendo chegado no mês passado ao álbum de estreia bem no pico da sua forma. Mika’s Laundry é um daqueles raros casos em que a irreverência da juventude está bem equilibrada com a sapiência da maturidade, ponto de paragem obrigatório para quem anda à caça da melhor música que 2024 tem para oferecer.

Das 13 faixas encapsuladas no LP, “Slug” é aquela que mais faz sobressair uma veia de genialidade, e isso não se resume só ao facto de soar à tal evolução que esperaríamos de Oliver Malcolm. As referências que este “campeão” vai buscar até nos conseguem fazer recuar ainda mais no tempo, e sentem-se aqui laivos daquela irrequietude obsessiva das batidas de Jai Paul, ou até mesmo da alquimia sónica com que Phil Collins dourava as suas pistas de voz. Soma-se a isso a originalidade que é versar o amor com recurso ao viscoso e peganhento imaginário das lesmas e só dá mesmo vontade de ficar a morar eternamente nestes 3 minutos de puro deleite. Esta é daquelas que não engana, e se não vira hit global, certamente tem reservado um lugar de culto na camada mais alternativa do mainstream.

— Gonçalo Oliveira


[Shabaka] “I’ll Do Whatever You Want” feat. Floating Points & Laraaji

Quando Shabaka Hutchings diz “I’ll Do Whatever You Want” o que ele quer dizer, na verdade, é “I’ll Do Whatever I Can”. E o que ele pode fazer neste momento de tumulto global permanente é ligar-se — e ligar-nos — a um outro tipo de vibração, a uma ideia de elevação, de paz, de harmonia. Os gritos que durante alguns anos emitiu através do seu saxofone são agora substituídos por sussurros libertados através das suas flautas, o instrumento que recentemente abraçou com um propósito que é nitidamente espiritual. É verdade que essa dimensão esteve sempre presente — nos Ancestors, nos The Comet is Coming, nos Sons of Kemet —, mas é igualmente inegável que a sua entrega nesses projectos era mais visceral, mais física, mais vibrante no sentido woofer do termo. A vibração agora é harmónica e tem que ver com as foças invisíveis do universo, com ondas cósmicas e naturais. Para o single que anuncia o álbum que sai esta semana, Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace, e que tem o tal título dúbio de “I’ll Do Whatever You Want”, Shabaka chamou Laraaji — mestre de ligações directas ao espírito — e o mesmo Floating Points que criou com Pharoah Sanders um dos mais belos momentos desta década — o álbum PromisesE juntos, eles suspendem o tempo por 7 minutos e 43 segundos, esticando-o até ao infinito numa espiral harmónica que eleva, cura e transforma. Talvez, afinal de contas, Shabaka esteja a fazer o que quer que nós queiramos. E o que queremos — sejamos nós capazes de o admitir ou não — é parar e sentir o sopro da vida, perceber a sua beleza e reconhecer a sua graça. Parece simples, mas é complicado.

— Rui Miguel Abreu

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