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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/03/2021

Mais de uma dezena de "paragens".

#ReBPlaylist: Fevereiro 2021

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/03/2021

Angola reclama o seu devido espaço mediático na selecção deste mês através de representantes de diferentes gerações como Joãozinho Morgado e Luaty Beirão — e Pedro Coquenão a ligar as pontas invisíveis.

O resto das escolhas é uma viagem por diferentes latitudes: do r&b pouco previsível ao rap da categoria super heavyweight, passando à música experimentada pela violência, a elite americana do jazz ou a electrónica de navegação. E isso é só o começo para esta playlist farta…


[Joãozinho Morgado] “Morgadinho”

O Rei dos Tambores Joãozinho Morgado reclama o seu trono na Europa. E que não haja dúvidas sobre a ordem de sucessão neste caso: filho de homens e mulheres percussionistas, profundamente ligados à massemba, à tradição angolana e aos ritmos que Liceu Vieira Dias viria a resgatar para criar o electrizante semba, Morgado foi “descoberto” aos oito anos pelo fundador do Festival de Canção de Angola, o empresário Luiz Montez, e desde então que a sua influência na catadupa de Angola é indelével. O próprio Elias Dia Kimuezo, o monarca do semba, elevava as contribuições de Joãozinho Morgado e não escondia a sua admiração pelo percussionista.

Desde os anos 70 que Morgado impregnou a música dos mais importantes músicos angolanos com os seus batuque e dikanza, fossem eles Carlos Lamartine, Teta Lando, David Zé e, mais tarde, criando a Banda Maravilha e dando ginga aos arranjos dos incríveis Kiezos que “literalmente” varriam os musseques com os seus ritmos. Introduções feitas (e francamente curtas para a relevância deste colosso), a editora KOP decidiu abrir atividade celebrando os 45 de Angola independente — e celebremos com eles! —, assim como o aniversário de Joãozinho Morgado assinalado a 7 de Fevereiro, com um delicioso single, gravado pelo próprio e com companhia de luxo em Lisboa.

Tudo o que se possa dizer sobre “Morgadinho” será insuficiente para fazer justiça à malha aqui tecida, de uma qualidade e autenticidade absolutamente insofismáveis. Preparem as pernas, que espera-vos o exercício todo que têm vindo a adiar desde Março ido.

– André Forte


[BRENT FAIYAZ] “CIRCLES” FEAT. PURR

Ainda hipnotizados pelas batidas de DJ Dahi sobre as quais Brent Faiyaz e Tyler, The Creator – com Steve Lacy à mistura – desafiaram as leis da gravidade (viagem essa que mereceu destaque na última edição da #R&BPlaylist), vimos este estado de hipnose atingir um nível mais profundo com “Circles”, que junta o próprio Brent Faiyaz a Purr. 

Assim, o autor de Fuck The World, a gravitar num loop onírico, convida-nos a seguir a sua órbita espacial através de vozes com pitch alterado ora para baixo, ora para cima, navegando em círculos por “Did I forget who I am?” enquanto tentam puxá-lo para a enfadonha Terra: 

“They just want me to sing
It’s like everyone wants you to think how they think & do what they say & stay out the way.  
& if you don’t wanna they got a problem wit ya.” 

E aqui chegados, se a aterragem parecia estar próxima, Purr contraria essa trajectória e transporta-nos para outra galáxia; para um novo nível ainda mais profundo deste sono provocado. A queda para a realidade é amparada pela composição final, que nos permite voltar a acordar rejuvenescidos sem esquecer o sonho, que fica guardado como memória viva de algo que aconteceu realmente, mas apenas nas nossas cabeças. É o grand finale de um daqueles filmes (com traços de Sol Posto nas últimas notas triunfais…) que nos transformam completamente. Não acreditam em ficção científica misturada com psicanálise através da música? Levitem sobre este tema e tirem as vossas conclusões…

– Paulo Pena


[Jen Kutler] “Feasible”

Desde a sua aparição nos anos 50, os algoritmos de machine learning têm gradualmente evoluído em termos de precisão e poder de previsão, sendo, por isso, cada vez mais utilizados como soluções rotineiras para problemas científicos e do quotidiano. E se não faltará muito para que grande parte da música comercial que ouçamos seja baseada em padrões que foram aprendidos através de métodos de deep learning (as escolhas musicais que muitos ouvem em playlists já o são) — bem mais capacitados que o cérebro humano para fazerem emergir de quantidades astronómicas de dados os padrões sonoros que fazem com que uma música seja ou não um sucesso de vendas –, porventura uma vertente mais entusiasmante da data-driven music seja a “sonificação” de dados, abordagem na qual sequências de zeros e uns são usadas como base para a criação de trabalhos sonoros. E é exactamente essa a conduta na qual a nova-iorquina Jen Kutler apostou em Sonified Physiological Indicators Of Empathy, uma edição da Cacophonous Revival Recordings que apresenta uma colecção de paisagens sónicas criadas a partir de dados fisiológicos de resposta empática a cenários de violência. A metodologia é a seguinte: uma pessoa é exposta a clipes de áudio que representam cenas de violência; dados de actividade electrodérmica, respiração e frequência cardíaca são recolhidos durante a exposição; a informação obtida é convertida para MIDI e posteriormente usada no acto criativo aquando da composição. O resultado final é um tecido etéreo, um cíclico fluxo ondulatório representativo de vários estados emocionais, sempre na interface entre a tensão contemplativa e a reacção plácida, quais camadas de drones sem princípio nem fim, estáticas na sua essência, mas dinâmicas nos seus contornos, que guiam os ouvintes por um exercício de maiêutica que os leva a um contacto íntimo com as suas verdades constitutivas.

– João Morado


[Black Country, New Road] “Instrumental”

Numa altura em que tanto se fala da união entre jazz e hip hop e dos excelentes resultados provenientes dessa parceria, o rock parece querer recorrer à mesma fórmula, procurando não só misturar as sonoridades “jazzísticas”, como sobretudo compreender e beber da sua “fórmula”, deixando o seu género primordial ser corrompido pelo risco, pela extensão das barreiras, pela derivação ou justaposição de outras linguagem.

Se no ano passado os Black Midi já nos puseram a pensar “o que se passa aqui?”, este ano arranca, já marcado por For the first time, a brilhante estreia dos Black Country, New Road, banda que volta a deixar essa questão no ar, enquanto ouvimos uma combinação de slowcore, jazz, pós-punk, pós-rock e art-rock, tudo embebido em muito ruído, efervescência e poesia. É o “novo rock inglês” a nascer e estes sete jovens colocam-se já como um dos nomes fundamentais a ser conhecidos e ouvidos. Nada melhor que os celebrar com uma boa dança, “Instrumental” une o pós-Rock feliz dos And So I Watch You From Afar, o desejo febril de nos pôr a gingar dos Sons of Kemet e o elemento mais surpreendente de todo o álbum, o klezmer (música tradicional judaica). É para dançar este crescendo até a catarse.

– Luís Carvalho


[Lushlife] “Depaysement” feat. dälek

O arranque tem qualquer coisa de Nas mas o resultado final vai muito além do boom bap e das ideias desgastadas. Na verdade, se acompanharmos “Dépaysement” ao longo dos seus nove amplos minutos, muito facilmente nos cruzamos com três dominantes universos: hip hop, avant-pop e free jazz. A fórmula não é de todo nova, porém, o que marca a diferença é a forma como os géneros coabitam e interagem entre si, relembrando o excelente trabalho que Kassa Overall nos ofereceu em I Think I’m Good, sem dúvida uma das mais envolventes e importantes peças de arte de 2020. “Dépaysement” é o segundo avanço do próximo álbum do rapper e produtor norte-americano Lushlife e conta com a participação do também rapper dälek, líder do colectivo de hip hop experimental com o mesmo nome.

“Dépaysement”, que se traduz do francês para “mudança de cenário”, inicia-se com a performance verbal dos dois artistas, assente em simples cama boom bap de recorte “noventeiro”. Ao quarto minuto de audição, um saxofone rompe o instrumental e dá o mote para uma vertiginosa recta jazzística que tem ao volante elementos dos Irreversible Entanglements — o colectivo figura na lista de participações do disco que tem saída marcada para dia 12 de Março. São metais em sofrimento, aflição e ansiedade. Melodias que procuram um ponto de fuga, uma escapatória. Música que vai ao encontro do próprio vídeo que nos mostra uma floresta cinzenta de betão sem qualquer magia ou encanto. Uma pulsação industrial que sufoca, que nos impede de respirar como deve ser. “A sensação de não estarmos em casa, num sítio diferente e estrangeiro, seja esse sentimento bom ou mau”, lê-se a dada altura. Intenso.

– Manuel Rodrigues


[slowthai] “adhd”

A música é subjectiva e quem a ouve imbui o significado que lhe quer atribuir. Mas há temas que são inequivocamente aquilo que o seu autor queria mostrar, e “adhd” de slowthai é um desses casos. A dilacerante faixa encerra TYRON, a sequela maravilha de Nothing Great About Britain, mais um álbum onde o rapper britânico é, sem dúvida, fiel a si mesmo. Mas esta música é uma estreia nas confissões dilacerantes que nos deixam dolorosamente arrebatados.

Em menos de três minutos e sobre um beat  seco com cordas bêbadas que se bamboleiam pelo instrumental, Tyron Frampton faz da batida divã e desabafa na cabine de som. As suas barras convidam àqueles momentos de silêncio quando um amigo se desfaz em tristeza e não sabemos como reagir, em que um abraço faz mais sentido que qualquer palavra. Esta solidão atinge o seu auge no telefonema que ouvimos, Frampton à procura de refúgio, a mostrar-se vulnerável. Mas é sol de pouca dura, na estrofe a seguir vemo-lo fustigar a catarse e entregar-se à ignição, com um flow furioso que traz à baila outro rapper raivoso.

“adhd” é daquelas músicas que bate mesmo cá dentro, ninguém consegue ficar indiferente às suas palavras, ao desapontamento na voz de Frampton, à maneira como escorrega pelo tema partilhando a sua dor de forma tão pessoal e honesta. Ainda que a música seja subjectiva, esta música deixa-nos objectivamente preocupados, mexe connosco de uma maneira que só slowthai consegue.

– Miguel Santos


[Jessie Ware] “Remember Where You Are”

Short film o caraças. Talvez o teledisco seja só um engodo simpático para que voltemos a “Remember Where You Are” — a música, mas também o imperativo de calcarmos bem o chão quando temos a oportunidade de o pisar. É um vídeo que insta os confinados a protagonizar a sua própria alternativa: não há um passeio higiénico que valha mais do que o outro, nem que tenha uma actriz galardoada e um comité de câmaras (e só isso não faz um videoclipe). 

Para uma canção que deixa bem gizado, por florescências de coro e orquestra, de pulso amanteigado e olhar siderado, que há bençãos que não vão brotar hoje nem amanhã. Tudo bem… ainda agora surdiu o sol do cantinho da janela. Fica aqui o molde para a glória — já está nas chávenas, na calçada a escaldar, num escaldão anunciado para breve, nas bravias danças que nos esperam algures, naquele alguidar com roupa para secar. Estar, chorar, esperar, há prazer nisso tudo. E – palavra de honra – filmem o vosso próprio videoclipe.

– Pedro João Santos


[Otro] “SUBURBIA (ENTERING)”

É da importância das fronteiras que o mapa de Portuaria se desenha, algo muito natural para músicos que habitam Valência, cidade portuária espanhola voltada para o Mediterrâneo. O comunicado de imprensa rematava logo: “cada porto é uma passagem que está aberta ou fechada”. E de facto, esse lugar pode ser uma partida, uma chegada, uma despedida ou um regresso. Pode ser o que separa dois países, mas também um mero local de passagem. 

“Suburbia (Entering)” foca-se numa entrada, se nos guiarmos pelo título, mas parece bem mais uma deriva do que uma chegada a qualquer porto. A mestria do arranjo — um híbrido entre electrónica e instrumentos acústicos — está em evidência ao longo do disco, que detém uma estética singular. Essa valência é exaltada neste quarto tema do EP, no qual Otro, o artista espanhol, convida Alma Seroussi e Candlelight para o violino (além de processamento adicional do último nome), mas também Concrete Fantasies, músico que já lançou várias vezes com a portuense Eastern Nurseries, para tocar baixo. Ao fundo surge uma guitarra que liga a harmonia a todos os timbres que navegam sobre a música. Competentemente, Otro orquestra tudo para que as texturas marítimas de “Suburbia (Entering)” cheguem a bom porto, sem que lhes falte ímpeto ou a inevitável nostalgia que só ao mar diz respeito.

– Vasco Completo


[R+R=NOW] “Needed You Still” feat. Omari Hardwick (Live)

Qualquer pedaço de música ao vivo é um excelente tónico para acalmar o jejum de concertos ao qual fomos impostos. E no jazz, em especial, os temas ganham toda uma nova dimensão e dinâmica quando tocados em cima de um palco e diante de uma plateia.

R+R=NOW Live chegou no momento certo, a meio de um novo e longo período de isolamento social que Portugal atravessa. Escusado será dizer que a conotação cósmica que o grupo formado por Robert Glasper, Terrace Martin, Christian Scott aTunde Adjuah, Derrick Hodge, Taylor McFerrin e Justin Tyson promove na prestação ao vivo do seu disco de estreia, Collagically Speaking, é o combustível que estávamos a necessitar para viajar dentro de portas, ainda para mais numa altura que estamos todos com os olhos postos na sonda Perseverance, que dia após dia encurta a distância que separa o Homem de Marte.

Já no final da trilha, que conta até com uma bela recriação instrumental de “How Much a Dollar Cost”, canção de Kendrick Lamar que tem Terrace Martin como co-autor, é quando surge o MC e actor, que nos habituámos a ver brilhar em Power, Omari Hardwick a mostrar toda a sua vulnerabilidade ao microfone com uma sequência de versos intimamente incríveis que nos trazem de volta à Terra, extasiados pelo carrossel de emoções provenientes deste diálogo musical que é R+R=NOW Live.

– Gonçalo Oliveira


[Gabe ‘Nandez] “Ox”

Se tem o cosign de Jeff Weiss, é certo que vai ser ouvido deste lado. O Passion of Weiss é um dos melhores blogues americanos sobre música, mas não só, albergando uma série de cativantes trabalhos no catálogo da POW Recordings, uma extensão daquilo que é pensado e escrito nas suas páginas digitais.

O mais recente lançamento da editora é Ox, projecto de Gabe ‘Nandez que chega ao cume da montanha com a faixa homónima, logo a a abrir, um autêntico passeio de pouco mais de dois minutos a apresentar-nos um rapper com voz rugosa e autoritária a exigir que atentemos a todas as palavras que diz (e como as diz). NY’s finest.

– Alexandre Ribeiro


[IKOQWE] “Bulubulu”

IKOQWE é o resultado do encontro de Batida e Ikonoklasta, ou seja Pedro Coquenão e Luaty Beirão, dois verdadeiros e valorosos agitadores que agora unem esforços, energias e talentos para The Beginning, the Medium, the End and the Infinite, um álbum que será editado já na próxima sexta-feira pela prestigiada editora belga Crammed Discs. Mas antes disso, houve “Pele”, primeiro, e este “Bulubulu”, no final do mês que há dias terminou.

Batida é, cada vez mais, uma ideia de ressonância tão magnética quanto internacional, uma voz da África projectada no futuro, da mudança que se quer presente, sintonizada com o pulsar do passado, mas sempre capaz de olhar em frente. Nesta nova aventura nomeada IKOQWE a dança volta a ser política, a palavra volta a ser urgente e a melodia volta a ser envolvente. Tudo isso se reflecte neste “Bulubulu”, tema em em que se questiona se ainda falta muito, porque já se caminhou bué. Ainda não estamos lá, respondo eu, mas também já terá faltado mais. Já estamos mais perto porque gente como Batida e Luaty tem exactamente aplicado toda a sua considerável energia criativa na mudança, na transformação e na evolução. Na resistência, portanto. E “Bulubulu” diz-nos que estas são as vozes que precisamos de escutar agora, porque IKOQWE é o princípio, o meio, o fim e o infinito. Se é para fazer, não convém deixar pela metade.

– Rui Miguel Abreu

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