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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/02/2021

De Chino Amobi a R+R=NOW.

#ReBPlaylist: Janeiro 2021

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/02/2021

O propósito de uma canção pode variar: pode existir a pertinência da actualidade, a divagação/improvisação sem objectivo óbvio ou, entre muitas outras coisas, o simples acto de retratar um tempo, um sentimento ou um acontecimento que se viveu, imaginou ou experienciou (através de uma leitura ou de um visionamento, por exemplo). E temos as recontextualizações, claro, momentos em que artistas olham para algo já feito e consolidado e dão-lhe o seu twist, como acontece na escolha mais inusitada desta lista, a versão de King Krule para “Imagine” de John Lennon.

Actualmente, no meio de eventos que nos abalam (e aos pilares da nossa sociedade) em todos os sentidos, a música terá sempre de ser olhada por esse prisma e, mesmo que não tenham indicadores disso, a verdade é que nós vamos ouvi-la condicionados pelo ambiente de incerteza que nos envolve.


[Chino Amobi] “Кино (I Dont Want You Anymore)”

Desde 2017, ano em que Chino Amobi libertou o seu catastrófico (em 2021 a palavra certa poderia ser “profético”) Paradiso, que há um selo de qualidade associado ao produtor baseado em Richmond, no Virgínia — de resto, uma cidade com uma cena musical cada vez mais vibrante, seja pelas incursões electrónicas, ou pelas extravagâncias punk. Este mês começou, e bem, com um novo tento do norte-americano. Sucessor de um EP mais ambiental lançado em Outubro, esta edição recupera a energia caótica, de sons saturados e samples de emissões radiofónicas do LP de há quatro anos para narrar uma vida circunspecta a Darling Street, onde as balas que se ouvem nesta faixa marcam o ambiente deste local sonoro que criou. Duas certezas: ninguém está a salvo e Chino Amobi continua muito recomendável. Não pode ser tudo más notícias.

– André Forte


[King Krule] “Imagine By John Lennon”

Os sonhos utópicos cantados por John Lennon ecoaram, anos mais tarde, em Archy Marshall. Podem dizer que o falecido beatle era um sonhador, mas não era o único, e a esperança do hino que compôs parece invadir aos poucos a alma desassossegada de King Krule, que já havia dado luzes dessa esperança em Man Alive! (como se vê, desde logo, pelo título do seu mais recente LP, editado em 2020), e em particular no single do disco, “Alone Omen 3”, escondida em versos como “but don’t forget you’re not alone…”. 

Imaginem que “Imagine” tinha sido escrita por e à medida de Krule. E agora oiçam a versão deste tema que o Zoo Kid interpretou – a realidade supera a ficção. Os desejos distantes de uma figura enigmática e fora deste tempo ganharam contornos reais; passaram dos campos idílicos cheios de flores, das paredes brancas minimalistas, às divisões sujas e apertadas dos prédios da metrópole que moldou Archy. O desconforto na harmonia, plena e pacífica, foi substituído pelo conforto da confusão sonora. Os sonhos misturaram-se com os pesadelos. 

O hino de John Lennon era demasiado perfeito para ser real. E é na imperfeição que King Krule nos acolhe, com uma versão verdadeiramente sua, concretizando, mais do que sonhos, o impossível: dar uma nova e autónoma vida a uma canção universalmente estabelecida. Archy Marshall, o sonhador. Quem diria…

– Paulo Pena


[Roke] “Anno Domini”

Não há como negar: Roke é um dos claros destaques deste início de ano. Depois de uma conversa, uma review e de algumas aparições radiofónicas, chegou o momento de pisar a playlist mensal. A culpa dessa atenção toda é do magnífico Shaitan, EP que colocou directamente o rapper na primeira linha de artistas, não só a manter debaixo de olho, como na gaveta dos mais interessantes e refrescantes do momento. 

Desta feita, mais do que o full package, vamos abordar “Anno Domini”, momento alto de um trabalho em que Roke atinge o ponto máximo daquilo que são as suas potencialidades e o seu imaginário. Dotado de uma escrita cheia de saber e amplamente criativa, este é um daqueles artistas que nos dá um enorme gozo, não só de ouvir, mas também de desvendar. Sobretudo, pela forma hábil como usa as constantes analogias como arma descritiva e, por vezes, narrativa das suas canções. Aqui, ele transforma-se em alguém que possui múltiplas vidas, um ser bom e mau, que vive das suas escolhas, e das consequências delas, positivas ou negativas. No fundo, Roke apresenta a vida como ela é, uma dualidade pura, descrita tão bem tanto pelas suas referências, como por uma produção a cargo de Lex Lucas que desconstrói o ambiente negro, sombrio e gélido de Shaitan, permitindo encontrar paz na repetição das notas do piano, esperança nas melodias e até um lado eufórico no modo como nos quer pôr a bater o pé no final. 

– Luís Carvalho


[Arlo Parks] “Black Dog”

Não é preciso ser muito iluminado para perceber que, dia sim dia não, estamos todos na merda. Que por trás das stories do Instagram ou do isolamento (auto)imposto, somos cada vez mais os que entristecem, os que têm dificuldades em adaptar-se à realidade que o COVID nos impôs lidar, a par de todas as questões geracionais com as quais, diariamente, somos confrontados. Os números aterradores da saúde mental, pré e durante a pandemia, reflectem-no bem e a forma como os artistas têm escolhido expressar-se, diria, é mais um dos muitos sinais dos tempos. Arlo Parks, a britânica de 20 anos que, em 2020, mereceu os prémios BBC Introducing Artist of The Year e AIM Independent Music Awards, é a personificação desta pop, ora triste ora feliz, em quarentena. “Black Dog”, um dos primeiros singles retirados da estreia Collapsed In Sunbeams, chega de mansinho, como quem pega numa guitarra no quarto e, lentamente, canta as dores de viver com depressão — na pele de quem ajuda um amigo — ao mesmo tempo que nos serve a empatia e a motivação que nem sabíamos que precisávamos, com uma suavidade e simplicidade monstruosas. Deste lado, “Black Dog” esteve em repeat durante uns bons dias: se a pop não nos fizer feliz, eu não sei o que faz. 

– Núria Rito Pinto


[FKA twigs, Headie One, Fred again..] “Don’t Judge Me”

Mais de oito meses depois do assassinato a sangue frio de George Floyd pelas mãos da polícia norte-americana, o ciclo noticioso renovou-se, e neste momento o que está na berra é a golpada do Zé Povinho contra os tubarões de Wall Street. Mas a luta contra a injustiça racial continua, e FKA twigs e Headie One mostram que nunca será esquecida e sempre relevante até que a situação se altere. A sua mais recente investida é com “Don’t Judge Me”, um tema dançável e de hook implorado, de curta duração e grande impacto.

O duo pega no interlúdio da mixtape mais recente do rapper britânico de drill, GANG, e transforma-o numa música combativa, de revolta e frustração. A produção de Fred again.. adequa-se à urgência da mensagem, e a estrofe de Headie One não é especialmente longa mas tem vários momentos de murro no estômago, desenhada para deixar o ouvinte desconfortável mas sem nunca o livrar de reflectir sobre o que acaba de ouvir. No videoclipe que junta o interlúdio a este novo tema, vemos FKA twigs ser puxada por forças invisíveis e dançarinos negros de movimentos presos, uma sincera metáfora visual para uma luta constante.  

A sensibilidade pop de FKA twigs transparece fielmente no seu falsete cortante do refrão mas o clamor e sinceridade transparecem fielmente na sua voz aguda. “Don’t judge me, be there for me”, ouvimo-la dizer, apelando para que se estenda a mão em vez de se apontar o dedo. Só assim é que será possível a mudança.

– Miguel Santos


[C. Tangana] “Comerte Entera” feat. Toquinho

Certified Lover Boy pode ser o título do próximo trabalho de Drake, mas C. Tangana também anda a reclamar essa designação para si há uns bons anos e a partir de Madrid. “Comerte Entera”, single do seu novo álbum, El Madrileño, é uma declaração sem filtros daquilo que o artista espanhol quer (de uma “mina” que “é um perigo”). Víctor Martínez e Alizzz deram vida a um instrumental que pica a bossa nova (com a reconfortante contribuição de Toquinho) e o funk brasileiro, apontando, a partir de Espanha, para um moderno Brasil que, curiosamente, começa a acontecer fora de portas.

– Alexandre Ribeiro


[Majestic T.K.] “Shoo Pamus”

“Shoo Pamus” tem uma letra difícil de engolir, um exercício de egotrip de um artista que tem sede de afirmação, especialmente depois do feedback aquém das expectativas do último álbum.

Sem meias medidas, Maje T.K. cospe barras que não são para burros (palavras do próprio) em cima de um beat clássico de boom bap produzido por Khronos. Com letra à altura, o tema peca pela cadência constante do início ao fim, pouco versátil, embora pare para duas seções de spoken word que interrompem a monotonia. Vale pelo pacote completo, que lembra temas com alguns anos, longe de influências de drill ou mesmo qualquer sonoridade mais recente.

No fim, o pacote completo de letra, beat e scratch deixa alguma curiosidade sobre o futuro do artista. Não se pode negar uma certa qualidade lírica, mas falta-lhe um hit. Maje parece um destes artistas que se escuda atrás do “hip-hop real”, longe (la está) das novas influências e sempre afluente às vertentes mais clássicas do género. Ficamos à espera dos próximos singles que devem sair ao longo do resto do ano.

– João Daniel Marques


[Madlib] “Loose Goose”

Os DJ sets que tive a oportunidade de ir dando nos últimos anos alteraram a forma com que a minha cabeça cataloga aquilo que estou a ouvir. Ao querer saltar fora da caixinha do hip hop, pelo menos num contexto mais tradicional, surge aquela necessidade de levarmos nessa viagem alguns dos nossos ídolos, aqueles que marcaram pela irreverência no som. Numa dimensão mais electrónica, que balança entre o experimental e o cerebral mas não dá negas à dança, colocar Madlib sem destoar não é das tarefas mais fáceis, ao contrário de outros amigos seus e também militantes dessa fervorosa beat scene, como J Dilla ou Daedelus.

A chegada de Sound Ancestors abre agora toda uma nova janela de oportunidades para que tal desejo se cumpra sem que a jogada saiba a forçada. E a coisa torna-se ainda mais bonita quando vemos que o disco colocou novamente o veterano de Oxnard a fazer grandes manchetes a título individual, certamente inundado por uma chuva de pedidos de entrevistas — deu pelo menos três em publicações de renome, tendo duas sido analisadas por cá — sem necessitar da bengala das rimas, as suas ou as de um qualquer outro colega.

Depois de termos ficado mais pobres com a notícia que abalou a comunidade hip hop no último dia de 2020, está na altura de soltar as asas, colocar este “Loose Goose” bem alto e de celebrarmos quem cá está para ouvir e ler o que de bonito lhe temos a dedicar. Ainda só passou um mês mas a sorte bateu à porta porque temos em mãos um dos álbuns mais importantes deste ano. Obrigado, Madlib.

– Gonçalo Oliveira


[Brent Faiyaz] “Gravity” feat. Tyler, The Creator

“Brent Faiyaz, DJ Dahi ft. Tyler, The Creator” é uma daquelas colaborações que não sabemos que pode existir e, quando surge, é um sonho que sempre tivemos mas não sabíamos. “Gravity” é o primeiro trabalho que junta estes três novos gigantes do r&b e do hip hop contemporâneo, e é mais uma oportunidade para Faiyaz demonstrar-se como crooner mestre de refrões memoráveis.

DJ Dahi, conhecido pelo seu avolumado currículo — bangers atrás de bangers —, a produzir para alguns dos maiores nomes da música, tais como Drake, Kendrick Lamar ou Travis Scott, conduz este beat dentro dos limites de velocidade permitidos. Seguindo esta metáfora da vida na estrada, sobre a qual Faiyaz reflecte, o loop de guitarra é o volante, e o bombo possante o motor. A gravidade é a casa, que não larga mesmo quem quer voar. 

O contexto pandémico não ajuda a imaginação visual da situação, mas Brent e Tyler, como seres de estrada, vivem em órbita e só param em casa de tempo em tempo. O recurso ao pitch-down na voz apela a uma sensação ébria de ausência de gravidade, a que Faiyaz, e mesmo Tyler, se recusam a abraçar, pelo sentimento paradoxal de amar e não querer assentar (“It’s not that I’m over you, not over, girl (Come on)/ But I got things to do”). Nem o “superstar status” permite outra coisa…

– Vasco Completo


[Cosha] “Lapdance from Asia” (feat. Shygirl)

Ao lado de Mura Masa, em “What If I Go?”, terá sido a primeira vez que muitos terão ouvido Cosha. Ainda a irlandesa se dava pelo nome de Bonzai, vinculada nos seus primeiros EP a uma eletrónica simultaneamente estridente e sedada. A colaboração, contudo, justapunha a sua voz robusta a uma composição de harpa, marimba e o rufar de um tambor suave. Ares de paz, relativa tranquilidade que começou a agarrar quando se rebaptizou como Cosha, no certeiro e ignorado RIP Bonzai (com produção da própria em colaboração com Mura Masa, Rostam dos Vampire Weekend ou até Danny L Harle da PC Music). Quer dizer, não se deixem enganar: continua a ser caos, só que mais mapeado e refinado.

Parece que estamos perto de um álbum; os singles “No Kink in the Wire” e “Berlin Air”  assim o sugerem. A sua voz relativamente melíflua e ágil sobre material sensual e de tactear, a capitulação a um amor. Não é o caso de “Lapdance from Asia”, com participação vocal da produtora Shygirl. Esta é a memória do toque entre duas mulheres num clube de strip, onde há que salientar o respeito mútuo, a falta de jogos de poder (e, para além do nome da personagem e de uma referência dispensável ao “yen”, sem grandes sugestões de um orientalismo fetichista). 

Para um single de três minutos e meio, cheio de âncoras e respiração ofegante, tem uma boa quantidade de ar livre — e uma luxúria que ainda fica por tomar totalmente. Por entre a caixa, as palmas e os suspiros de guitarra, ficam as bases para a sedução: o espaço negativo onde ainda cabem mais uns encontros, umas tantas fantasias.

– Pedro João Santos


[R+R=NOW] “How Much A Dollar Cost (Live)”

R+R=Now. Parece uma fórmula matemática, mas é sigla que traduz Reflect + Respond = Now. Traduzindo, será algo como: Pensar + Reagir = Já. Ou seja, uma fórmula para resolver o presente, para salvar o futuro. É nisso que pensam aqui Robert Glasper, pianista, Christian Scott aTunde Adjuah, trompetista, Derrick Hodge, baixista, Taylor McFerrin, teclista, Justin Tyson, baterista, Terrace Martin, teclista e vocalista. Esta é a versão ao vivo e sem rede do tema que Martin ajudou a escrever para Kendrick Lamar, parte do alinhamento de To Pimp a Butterfly. O tema começa como um lamento, antes de ganhar o tal ímpeto urgente que anima esta música, feita por gente que se quer colocar do lado da história que traz a mudança, música feita de pensamento e de reacção, de dor e de esperança. De verdade.

– Rui Miguel Abreu

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