Embora sejam caras conhecidas para os leitores do Rimas e Batidas, L-ALI e VULTO. (também conhecido por Pedro, o Mau) são dois artistas com muitas histórias para contar. Da mesma forma, a década de carreira que L-ALI celebra (pelo menos com esse seu alter ego) e o percurso de VULTO., que conta com outros tantos anos e mais alguns, também parecem continuar a ser fontes de inovação e diferença. Porém, eles serão também os primeiros a rejeitar o valor em “fazer diferente por fazer diferente”: mais do que isso, o seu objetivo é contextualizar novas maneiras de criar. Esse sentimento, que fica claro nesta conversa, é onde reside a sua influência.
Não haverá, então, melhor altura para conversar com os dois músicos: o rapper anunciou a sua celebração deste percurso que o precede, a 11 de janeiro do próximo ano, no Musicbox, e lançou dois singles em 2024 que continuam a demonstrar proficiência no seu trabalho, “FERRO Freestyle” e “olhos nos olhos”. Já o produtor, como Pedro, o Mau, lançou em maio deste ano um EP que se destacou no paradigma musical português, quatro partos, com zé menos. É preciso relembrar, de qualquer forma, que aquilo que junta os dois artistas, inicialmente, é uma perspetiva e linha artística drasticamente diferente daquilo que vemos no seu trabalho atual, não sendo por isso menos valiosa.
A sua colaboração, que começa com SURREALISMO XPTO e que ainda passou por trabalhos que retêm influência atualmente, como o clássico LISTA DE REPRODUÇÃO, através do moniker COLÓNIA CALÚNIA, carrega uma relevância que torna imperativa a análise. Caminhando agora por estradas diferentes, por mão da maturidade, os seus trabalhos ainda se intersetam, e cada um é produto do outro, por mais espontâneo e desprovido de intenção à priori que o seu trabalho seja. Foi com esse objetivo que o ReB se sentou com os dois artistas: para celebrar a sua história e descortinar aquilo que ainda os une, depois destes 10 anos.
Para começar, qual é a música do SURREALISMO XPTO para a qual vocês os dois ainda olham com orgulho? Se é que há alguma.
[VULTO.] O “(Miradouros)”. E havia uma versão ao vivo que era melhor ainda.
[L-ALI] Já nem me lembro com que beat é que era, mas sim.
[VULTO.] Era o mesmo beat, mas era diferente.
[L-ALI] Ah sim, tinha um drop…
[VULTO.] Eu também gosto muito da do… não me lembro dos nomes [risos].
[L-ALI] A “Intro”?
“Intro Verte”.
[VULTO.] Qual é a “Intro Verte”? Ah, sim, também é boa…
A “Tarolo” também gosto imenso.
[VULTO.] “Pintopalavra”. Também gosto bué.
Mas, de alguma forma, é a que eu sinto que destoa mais do resto.
[VULTO.] Sim, é mais boom bap… Mas acho que a “(Miradouros)” é a que, mesmo na altura, era mais estranha, se calhar não foi a que envelheceu melhor, mas…
Desenvolvendo um bocadinho mais pelo SURREALISMO XPTO, é um álbum que, ainda hoje, não é muito comparável a outros projetos, especialmente no paradigma nacional, e por isso queria perceber quais é que eram as vossas referências na altura, que vos levaram a criar aquilo.
[VULTO.] Para te ser honesto, eu nem me lembro do que é que eu andava a ouvir na altura. Mas acho que não houve assim nenhuma referência muito direta. Se calhar ele (L-ALI) andava a ouvir cenas mais de rap do que eu. Eu também andava a ouvir mais cenas de rap na altura, mas acho que não há assim nada muito concreto que eu possa ir buscar. Eu tinha mais ou menos dois ou três beats feitos, o resto foi tudo feito um bocado de propósito. Foi muito espontâneo, o que aconteceu na altura foi o que aconteceu. Se tu te lembrares (L-ALI) de cenas que eu não me lembre podes ajudar-me.
[L-ALI] Epá, eu sei o que é que eu andava a ouvir na altura, mais ou menos, coisas que me podem ter influenciado de alguma maneira. Mas não sinto que isso tenha sido transmitido no som em si, porque o universo que ele (VULTO.) me ‘tava a pôr à frente não tinha nada a ver com o que eu ‘tava a ouvir na altura. Eu ouvia Rejjie Snow, eu ouvia Earl Sweatshirt, Tyler, the Creator, e carregava-os comigo, na minha música. Tinha influências desse rap que estava a surgir na altura.
[VULTO.] Mas é o que eu ‘tou a dizer, acho só que não há muito referências diretas naquilo que se estava a fazer. Eu provavelmente também andava a ouvir coisas desse género. Eu nunca fui muito dos Odd Future no geral. Gostava mais do Tyler e do Earl, o resto nunca foi uma cena que me tenha batido grande coisa.
Sim, a diferença de qualidade era notória, de qualquer maneira.
[VULTO.] Eu, na verdade, até era mais do Earl mesmo, nem era assim tanto do Tyler. Eu gostei muito do Doris e, na verdade, quando vou a pensar, eu gosto muito dos beats do Earl, e no Tyler o que eu gostava eram as cenas mais pesadas…
Tipo Goblin…
[VULTO.] Ya, essas ondas mais agressivas.
[L-ALI] Eu depois também tenho assim uns rasgos de coisas que surgiram naquela altura, e de que nunca mais ouvi nada. Blue Daisy… nunca mais vi nada desse mano. Mais… o álbum do Mac Miller, o Delusional Thomas, estava muito fixe…
[VULTO.] Mas estás a ver, é muito essas sonoridades, eu gostava mais desse lado da cena.
[L-ALI] Depois apareceu, um bocadinho mais tarde, a malta do UK, que tinham uma cena que parecia que ia ser fixe, Cult Mountain, e depois foi só aquele projeto.
[VULTO.] Ficou ali para sempre no mesmo sítio… é chato quando isso acontece.
Queria trazer-vos de volta a um concerto vosso, em 2019, no Festival Iminente, que marca bem o meio das vossas carreiras até agora. Foi no ano em que tu (L-ALI) lançaste o “SIRI”, o ano a seguir foi o “Ciclo”, que é um som que divide um pouco a tua carreira…
[L-ALI] Consigo perceber o que queres dizer, sim.
Se calhar não consegues olhar para o teu próprio percurso nesse sentido, mas acho que para o público geral foi um marco.
[L-ALI] Não, também senti que… Não é que tenha descoberto isso com esse som, mas percebi que já estava a chegar a alguma coisa, não melhor ou pior, mas diferente do que tinha feito até ali.
E também no teu (VULTO.) caso, isso foi na altura, ou talvez um pouco mais tarde, em que sai o NOVA, em 2021, aquele primeiro projeto com o Lodo (aka Caronte), O Pedro e o Lodo, sai também nesse ano.
[VULTO.] Sim, e quando o “Ciclo” sai já se estavam a fazer essas coisas.
Por isso a minha pergunta é, nestes três pontos no tempo, 2014, 2019 e atualmente, quais é que são as diferenças na forma como trabalhavam e trabalham, no vosso approach, em que posição é que estavam nesses três lugares no tempo.
[VULTO.] Uma coisa sobre o que foi saindo, pelo menos da minha parte, é que as coisas saem sempre com muito atraso. Ou seja, por exemplo, o NOVA, quando saiu, a música com o xtinto já estava feita sei lá eu desde quando…
Sim, disseste ao Rimas e Batidas, na altura, que tinhas já vários sons desde 2017, 2018. O teu caso é diferente, por exemplo, o MAPAMUNDO é de 2013…
[VULTO.] Não, eu pus isso na net em 2013 — isso é de 2008. Ainda nem me tinha mudado para Lisboa, eu estava a fazer isso com a Iris no Porto.
Mas isto para dizer que tu também sempre tiveste esse lado.
[VULTO.] Sim, mas a cena é, eu acho que esse ponto de viragem acontece no fim da LISTA DE REPRODUÇÃO (COLÓNIA CALÚNIA), que foi quando eu comecei a fazer instrumentais muito mais baseados naquilo que eu tocava do que em cenas sampled. Depois existe o YARIKATA (COLÓNIA CALÚNIA), que também foi bué importante, tanto a nível de sonoridade como a nível de ter mudado o rumo daquilo que estava a fazer. O NOVA foi uma fase mais… eu tinha uns 3 sons feitos e depois os outros 3 foram feitos um bocado mais juntos uns dos outros, para aproveitar uma fase em que eu ‘tava a usar muito pianos acústicos, e estava a gostar de explorar esse tipo de sonoridades. A partir daí, COLÓNIA começou a morrer um bocadinho, e eu estava com vontade de procurar coisas para fazer. Na altura eu estava a trabalhar com o Caronte. Mas lá está, na minha cabeça é tudo muito misturado, porque quando saiu o MONRÓVIA (COLÓNIA CALÚNIA), no final já estávamos a trabalhar no Pedro e o Lodo, no final do Pedro e o Lodo já estávamos a fazer os primeiros sons de ALMA ATA, aqueles que ainda não tinham o Tomaz a tocar guitarra. E depois, aí sim, vem o Tomaz e muda tudo completamente, porque foi também a altura da pandemia, eu fiquei a curtir o fundo de desemprego durante um ano e meio, e só estive a fazer ALMA ATA durante esse período. Nós fazíamos três ou quatro sessões por semana, e fizemos muitos sons de ALMA ATA, perto de 80 sons.
No teu caso (L-ALI), como é que vês as coisas? Mais separado?
[L-ALI] Eu não vejo as cenas como se tivesse havido ali um ponto em que eu descobri uma coisa nova. A LISTA DE REPRODUÇÃO se calhar abriu um bocado a porta de eu passar a não ser tão monocórdico, mesmo continuando a ser monocórdico [risos], mas a explorar outras coisas. E depois, nessa fase a seguir da, LISTA sai o “SIRI”, que ainda era do género: “Ok, deixa lá mostrar que eu consigo fazer isto”, tipo Superbad e tal, mas logo a seguir a isso já estava a explorar outras coisas. No Raramente Satisfeito já estava a testar coisas em casa, com o Lunn, a tentar sair mais da outra “fórmula”, da outra forma de fazer as coisas. Por isso, sinto que isso foi só fazer muito som, e os que resistiram, saíram.
Sim, não estava à espera de que me dissessem “este momento mudou tudo”, as coisas não funcionam assim.
[VULTO.] Mas olha que a verdade é que, para mim, foi muito no LISTA, na produção mudou muita coisa para mim. Foi quando me comecei a sentir mais à vontade no piano, mudou muita cena.
E a tua associação com o Lunn (L-ALI), também é dessa altura?
[L-ALI] Foi nessa altura que eu o conheci, nós tivemos uma ou duas sessões, conhecemo-nos por causa do Kidonov, fomos beber um copo. Depois fomos combinando esporadicamente sessões, mas com nada em mente. Até que isso começa a acontecer mais frequentemente e chegámos a um conjunto de malhas, algumas delas saíram no Raramente Satisfeito, outras ficaram pelo caminho, e a partir daí trabalhar com ele foi uma cena constante. Eu vou sempre ponderado, mas sem filtro quando estou a fazer as coisas. Sinto que a coisa com mais intenção que eu já fiz, no sentido de ter uma linha e segui-la a partir do momento em que se começou, foi o último projeto (o EP Balanço). Foi o único que eu sinto que eu fiz para estar naquele enquadramento, porque tudo o resto é só… não é que não me apetecesse fazer o Balanço, era o que me apetecia quando estava a fazê-lo, mas não houve nenhuma malha desse projeto, que foi feito de maio a julho, um período muito curto, que não tenha saído.
O Lunn elogiou, numa entrevista sobre o Balanço ao ReB, a tua capacidade de adaptação (L-ALI), sabendo deixar os beats respirar, ou atacá-los nos momentos certos. E isso nota-se no SURREALISMO XPTO, não são propriamente instrumentais fáceis de se rimar por cima…
[L-ALI] Sabes que, nessa altura, grande parte das decisões, do género “agora calavas-te aqui”, era em conjunto. Ele (VULTO.) deu-me escola nesse sentido.
Não te foram largados os beats em cima, tomando tu as decisões sobre o que fazias com eles.
[L-ALI] Não, as coisas eram por tentativa e erro, e depois acabava-se por criar ali o esqueleto vaidoso. Foi quando eu comecei a trocar mais ideias com o Pedro (VULTO.), que comecei a dar mais espaço às coisas.
[VULTO.] Sim, a cena também foi sempre muito espontânea, mesmo olhando para trás, e quando me perguntam sobre o processo das coisas, nós ‘távamos só lá a fumar e a ouvir música, fazendo.
[L-ALI] E era sempre muito gradual, não era assim tão planeado.
[VULTO.] Não havia a studio session, era muito, ou ‘távamos a jogar…
[L-ALI] Ou a ver vídeos no YouTube…
[VULTO.] Era um bocado por aí.
Não havia uma intenção de terem um período para fazer coisa tal.
[VULTO.] Não, não.
[L-ALI] Não, mas havia esse vício.
[VULTO.] Na altura, quando começámos a trabalhar nem foi com a intenção de fazermos algo propriamente dito. É uma história engraçada, porque o Revo-T, ele era de um grupo ali da zona de Setúbal, de Pinhal Novo, e o que aconteceu foi… Íamos falando às vezes no Facebook, e houve uma vez que ele veio ter comigo, porque tinha percebido que eu ‘tava a fazer beats, e perguntou-me se eu tinha beats para lhe mandar. E ele depois fez aquele som que era do… que eu não sei onde é que está esse som, porque não ‘tá em lado nenhum, e esse som ‘tava online. Eu não me consigo lembrar do som, do nome do som [risos]. Foi um som que eu fiz com ele. O beat era incrível, era uma cena com guitarra elétrica, que não parecia uma guitarra elétrica, samplei aquilo. Já procurei em todo o lado, no Soundcloud, nas omitidas. Eu nem sei sequer se aquilo foi lançado como VULTO.. Mas pronto, fizemos esse som. Eu lembro-me que na altura ele ficou um bocado na dúvida, porque aquilo era um bocado esquisito para ele [risos], ele rimava muito em cenas mais clássicas, de boom bap. Na cabeça dele, eu era um produtor muito esquisito, e então ele vem ter comigo dizer: “Há um gajo que eu conheço, que faz umas rimas, e ele é assim também meio fora, acho que devias conhecê-lo”. E ele (L-ALI) foi lá uma vez, e depois pegou. Começámos só a fazer coisas todas as semanas. Eu acho que não sabíamos muito bem se aquilo era para ser um álbum, um EP, fomos só fazendo. Até porque, no entretanto, fomos fazendo outras coisas que nem sequer entraram no SURREALISMO, e saíram à parte. O “Pneumáticos” foi mais ou menos na mesma altura também, os freestyles todos.
[L-ALI] Não havia uma também que era o “Cloro”?
[VULTO.] O “Cloro” era o…
[L-ALI] É que eu também estou a fazer este exercício, por causa dos beats que eu vou querer tocar (no concerto dos 10 anos), porque eu não me lembro do nome do beat, que era uma coisa estúpida que nós fazíamos: o título do projeto do Ableton é o nome inicial do projeto, e nunca do som.
[VULTO.] Não, o nome do som é muitas vezes o nome do ficheiro do Ableton.
[L-ALI] Sim, mas também há outras, quando trocamos o nome as coisas complicam. Porque o nome é tão aleatório, e o nome da música, ou é tão aleatório como o primeiro, ou é super poético, então não…
Nunca mais encontram o ficheiro.
[L-ALI] Eu não me lembro, por exemplo… o “Julles”, eu acho que essa não tem o mesmo nome do beat. E é um nome que também não é assim tão sugestivo quanto isso…
[VULTO.] Mas acho que é o “Julles” mesmo.
[L-ALI] É? Ok.
[VULTO.] O “Puim”, o “Pneumáticos”…
[L-ALI] “Lúcido Safari”. Claramente o nome do beat [risos]. “Puim” também é o nome do beat. “Pneumáticos” não, é o “colossal”, lembrei-me agora.
[VULTO.] O nome do beat?
[L-ALI] Ya. O nome do beat não, o nome do projeto, que é a parte chata disto. Acho que é “colossal”. Ou o export já tem o nome de “Pneumáticos”, o beat? Ou “colosso”! “Colosso”.
[VULTO.] “Colosso” parece-me melhor. “A sombra daquele colosso”?
[L-ALI] Não sei, tens aí um “colosso” e um “a sombra daquele colosso” [risos].
[VULTO.] “The shadow of ‘coloss’”. Yes, very clever [abre o beat]. Ya, não tem nada, ‘tá tudo estragado [risos].
Algo que eu também queria mencionar é uma entrevista que deste ao Rimas e Batidas (L-ALI) no contexto do “Ciclo”, em que também falaram um pouco do SURREALISMO XPTO, em que disseste: “Soa cliché mas foi feito com o intuito de fazer algo diferente, descomprometido e sem constrangimentos. Tentar tirar o tapete às fórmulas. No fundo, continua a ser o ‘lema’ que trago até hoje.”. Ainda sentes o mesmo? Ainda concordas com essas palavras?
[L-ALI] Sim, concordo…
[VULTO.] [Em tom de gozo] Discordo totalmente dessas palavras, e quem diz isso devia ser preso [risos].
Eu não me surpreenderia se discordasses.
[L-ALI] Não, mas, como é que eu hei de dizer isto, eu concordo com essas palavras, mas eu agora vejo que isso, pelo menos da minha parte, se está a fazer de maneira diferente. Para já, ninguém inventa nada, ponto cliché de sempre, mas eu sinto que antes, eu próprio sabia menos do que estava a fazer. Isso por um lado é libertador, mas por outro, à medida que vais adquirindo mais conhecimento… eu quero sempre fazer coisas diferentes, e acho que isso é o interessante de estar aqui a fazer estas coisas, mas eu sinto que já não tenho de provar que estou a fazer uma cena diferente. Não é que isso se passasse naquela altura, mas sentia mais aquela tusa de “ya, vamos fazer aqui uma cena mesmo WTF” [risos]. E há ali dicas que eu olho para trás e penso: “Mano, tu podias ter chillado ali um bocadinho no que ‘tavas para aí a dizer”. Eu era um puto estúpido [risos]. Não é que estivesse incorreto, mas era tudo sem filtro máximo e por impulso.
Sim, era a forma.
[L-ALI] Se calhar agora já filtro… Não tenho de filtrar porque também já não tenho essa necessidade de gatafunhar tudo e de “ah, eu é que sou o maior”, e de ser um bobo da corte. Havia essa traquinice, esses impulsos que também despoletavam uma coisa diferente.
Um bocado à Odd Future…
[L-ALI] Sim, era a altura do shock value, e depois já nem era a altura do shock value, mas pronto, eu ainda ‘tava a viver isso.
É impossível fazer uma entrevista convosco e não se falar um bocadinho de COLÓNIA CALÚNIA, da influência que teve e da influência que ainda tem, mas eu queria perguntar-vos sobre como é que vocês se sentem em relação ao que fizeram e ao que a malta está a fazer, inspirada no projeto.
[VULTO.] É fixe, fico lisonjeado, mas também gostava de ver um bocadinho a malta a sair do blueprint. Da mesma maneira que as coisas que foram feitas na altura…
Queriam fazer a diferença…
[VULTO.] Exato. Porque a cena não é fazer diferente por fazer diferente, é fazer para abrir portas, quanto mais não seja… Basicamente, é do género: as coisas não fazem muito sentido até essas coisas serem apresentadas às pessoas. E eu acho que uma coisa que sempre fiz, e o Hélder (L-ALI) não me deixa mentir nesse sentido, é criar plataformas para os que vêm a seguir, isso é uma coisa muito importante para mim…
Sim, isso vê-se muito n’As Irmãs Reúnem, tens o Raul Muta (no segundo volume), por exemplo, e acho que muita gente o descobriu com o “Limões”.
[VULTO.] Eu estou a dizer isto tudo, mas nem estou muito a par daquilo que acontece e que sai, por isso se calhar eu até ‘tou enganado e há para aí uma data de cenas brutais a acontecer, eu é que não tenho noção disso.
Em relação a este concerto de celebração de 10 anos de carreira que vais fazer (L-ALI) no Musicbox, dia 11 de janeiro, tendo em conta a forma como que te tens vindo a referir ao teu trabalho passado, é também o concerto uma forma de olhar para todo este percurso de novo, e fazer um balanço daquilo que poderás ter deixado para trás, mas que valha a pena recuperar? Achas que esta reflexão poderá ser uma fonte de inspiração para o teu trabalho futuro? Ou o concerto é puramente uma celebração destes 10 anos?
[L-ALI] Para ser sincero, é um concerto de celebração porque vou fazer 10 anos de carreira. Puro e duro, é isso [risos]. É um motivo para eu também tocar coisas que já não estão tão frequentes nos concertos que tenho dado, como o SURREALISMO XPTO, até como a LISTA DE REPRODUÇÃO, que eu estive durante muitos anos a tocá-las, e agora nos últimos concertos, por acaso, não peguei em nenhuma delas, e vou querer passar por todos os projetos, pelo menos tocar duas malhas de cada um deles. Mas não foi no sentido de “deixa agora lembrar-me daquilo que fiz, e agora podia fazer um álbum com coisas disto ou daquilo”.
It’s not that deep.
[L-ALI] Ya. Aliás, depois veio aquele sentimento de me aperceber “fogo, isto é muita música”, e há bué sons de que já não me lembro. Lembro-me da primeira dica, vou até à quarta e depois estou ali já… fez-me aperceber que vou ter de voltar a estudar as minhas malhas da LISTA para trás. É só muita coisa. E eu na altura gabava-me bué de me lembrar sempre das letras [risos]. Nos concertos, às vezes não me lembrava de algumas dicas, mas quando estava a ensaiar até ficava impressionado por me lembrar de tanta coisa. E hoje em dia, já não me lembro de muito. Tenho de estar ali mesmo a esforçar-me, e às vezes tenho de ir às notas.
Tem lógica, só levantei a pergunta porque, ao contrário de outros artistas, que não são tão vocais em relação ao seu trabalho, pelo menos da forma positiva que tu és, ou que não mudaram tão drasticamente ao longo dos anos, tu poderias querer refletir um bocado mais concretamente naquilo que fizeste.
[L-ALI] Não me deu outra perspetiva no sentido de: “O que é que eu ando a fazer agora? Isto é que era” [risos].
Também é isso que se pede, o objetivo é andar para a frente, não é estar sempre a olhar para trás.
[L-ALI] Por um lado, havia coisas que eu dizia que eu penso “como é que eu dizia aquilo…” Como há outras que eu dizia em que penso “fogo, como é que eu dizia aquilo?” [risos]. É um misto… Mas não sinto que agora, a folhear o “livro” do que está feito, que estou a descobrir o segredo do que me faltava [risos]…
[VULTO.] A ler o livro do hip hop tuga…
[L-ALI] Ya, o meu cadastro.
Lembras-te assim de alguma rima que tenhas agora olhado para trás e tido essa reação de surpresa por quão boa ainda é?
[L-ALI] Tenho algumas, e há muitas que só me lembro quando vou ouvir, e fico surpreendido. Há uma que eu digo sempre, que ‘tá no SURREALISMO, que é: “Mais nasty que um sabre usado por um samurai / A cortar o cabelo à mulher lá pa’ Timor Lorosae” (no “Intro Verte”). Mas mesmo no “LOGO #01”, a letra toda, a cadência do som… acho que são das coisas que eu mais me orgulho. De exercício, não tanto na forma, porque na forma, ao ouvir a música, eu orgulho-me de bastantes coisas, há vários que curto bué de ouvir. Mas no sentido da proeza técnica, de estar mesmo tailor-made, essa é das malhas que eu mais curto.
Para terminar, e repescando aquilo com que quase começámos, se em 2014 eram uma coisa, em 2019 outra, e agora ainda outra, em 2029, o que é que perspetivam?
[VULTO.] Em primeiro lugar quero durar até lá [risos]. Não ‘tá fácil. As coisas dão muitas voltas, em 10 anos então, tudo o que mudou e os caminhos que fiz, tão diferentes daquilo que eu alguma vez imaginei por onde pudesse estar a ir… Eu ‘tou a fazer instrumentais com cantores de ópera, por isso, sei lá para onde é que isto vai a seguir [risos].