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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/06/2021

Noção musical geográfica e sem etiquetas.

VULTO.: “É muito difícil produzir tantos anos dentro de uma sonoridade e sair completamente desse registo”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/06/2021

NOVA saiu na semana passada e é o mais recente EP de VULTO., composto por seis temas que nos mostram o lado mais necrófago da música portuguesa.

Sem rótulos mas sempre escurecido: é este o ambiente que rodeia o produtor que lidera a turma COLÓNIA CALÚNIA e que no ano passado assinou o tão esperado segundo volume de AS IRMÃS REÚNEM, uma espécie de encontro entre alguns dos melhores liricistas do circuito alternativo do hip hop nacional.

Foi através dele que nos chegaram aos ouvidos alguns dos versos mais venenosos de L-ALI, Tilt, Jota ou Secta, e o sentimento de “dever cumprido” dentro da cena rap fê-lo querer partir para uma outra aventura, a da composição de canções. Menos carregado nos samples e mais ágil ao leme de um teclado MIDI, esta nova “pele” de VULTO. teve, até à chegada de NOVA, o seu ponto alto com “LOGO #05“, quando guiou Pedro Mafama por um dos seus melhores refrões até ao momento.

Depois de, este ano, ter já dividido várias faixas com o guitarrista tomaz e um EP com Caronte (tudo edições que foram parar ao Bandcamp que mantém como PEDRO, O MAU), o produtor voltou a convocar os dois colegas para o seu mais recente curta-duração, para o qual participaram também xtinto e BADAN.

Ao Rimas e Batidas, VULTO. falou sobre a mutação que as suas criações têm vindo a sofrer e abordou a concepção desta sua NOVA abordagem à música portuguesa.



Este é provavelmente o teu projecto enquanto VULTO. que mais se descola da estética hip hop e é algo que poderíamos facilmente imaginar como uma peça do catálogo de PEDRO, O MAU. Sentes que ainda há diferenças entre aquilo que fazes nestes dois alter-egos ou a linha que os separa está a tornar-se cada vez mais ténue?

A linha que os separa já foi mais ténue e também já foi menos. Não sei bem qual é a linha, na verdade. VULTO. mantém sempre um negrume mais especial, acho eu.

Pegando no meu raciocínio anterior, sinto que estás a aproximar-te mais daquele formato de “canção”, algo que vive por si só e se desapega quase por completo de quaisquer géneros ou rótulos. Há dias até largaste um “deixei o rap” no Twitter antes da edição do NOVA. Como descreverias o resultado sonoro que alcançaste neste novo EP?

Acho que, acima de tudo, de há uns anos para cá que quero muito fazer música portuguesa. A falta de rótulo ou definição directa é exactamente o objectivo. É muito difícil produzir tantos anos dentro de uma sonoridade e sair completamente desse registo. Por isso decidi começar a procurar maneiras de “ir saindo”. “Deixar o rap” era algo que já queria há algum tempo. Nada contra o rap, muito pelo contrário. Mas já estava na altura.

Ao nível da metodologia, seja ela mais prática ou num espectro mais mental, mudou alguma coisa no teu processo de compor e produzir nos últimos tempos?

Sim. Há cerca de dois anos meti na cabeça que o meu objectivo seria deixar de usar sampling o máximo possível e investir o tempo do digging a desenvolver melodias e harmonias em piano. Ou seja, neste momento o grosso do tempo gasto numa track destina-se agora a desenvolver esse mesmo instrumental de raiz e não tanto a procurar bons samples.

Juntaste aqui companheiros de outras viagens, como o Caronte e o xtinto, mas abriste também a porta a outros talentos que te são mais recentes. Começando pelo caso da BADAN, que creio ser a primeira mulher com quem trabalhas desde a Iris Rebelo em MAPAMUNDO: como é que surgiu a oportunidade de colaborarem?

Uma vez fui a um concerto/jam session num espaço perto de minha casa, o RA100, ver o tomaz a tocar, e uma das pessoas presentes na sessão era a BADAN. Era uma personagem muito peculiar. Na altura comentei com o tomaz que seria muito interessante tentar fazer algo com ela e, com o tempo, acabou por se arranjar uma oportunidade.

Há uma diferença de timbres que, por norma, nos ajuda a distinguir vozes femininas de masculinas. Isso traz-te alguns cuidados ou até mesmo ideias diferentes na hora de definir as bases do instrumental?

Sinceramente, não. Para mim é preferível fazer três bases e ir experimentando do que estar demasiado tempo focado a fazer uma “específica”. Óbvio que a intenção é que se adeque à voz com que estou a trabalhar, mas não fico muito obsesso no processo de produção.

Depois temos o tomaz, que até tem sido presença assídua no teu Bandcamp de PEDRO, O MAU nos últimos tempos. Que vantagens te trouxe poderes ter um instrumentista — guitarrista, neste caso — ao teu lado durante o processo criativo?

O tomaz foi uma coincidência muito interessante. Já nos conhecemos há imensos anos e já vínhamos a prometer um ou outro que íamos trabalhar juntos há alguns anos também. Mas acabou por nunca acontecer. Desde o segundo confinamento que decidimos pôr mãos à obra e começar a trabalhar. Trabalhar com o tomaz é incrível, porque para além do conhecimento técnico que ele tem, que na prática ajuda imenso na comunicação, na produção e desenvolvimento das músicas em si, é um gajo com a cabeça muito aberta a tudo e mais alguma coisa. E apesar de até ter um background se calhar bastante diferente do meu, foi capaz de tanto se adaptar a tudo o que eu propunha como também começou a conseguir pôr o seu próprio cunho na cena e, neste momento, no espaço de nem um ano, estamos super afinados para produzir em conjunto com o máximo de eficácia. É sempre bom termos alguém em quem confiamos a nível de gosto pessoal para não ter de interferir criativamente.

Tiveste receio de que se pudesse perder alguma da tua identidade ao começares a trabalhar com outro músico? Foi fácil “casar” os registos de ambos ou foi necessário uma aproximação/adaptação aos universos e influências que cada um de vocês tem?

Claro que um gajo como eu tem sempre esse receio. Fui sempre senhor do meu trabalho e fui trabalhando com pessoas que queriam especificamente a sonoridade em que trabalhava. Trabalhar com o tomaz foi um passo no escuro que correu lindamente. Como referi, os gostos e referências, apesar de aparentemente distantes, casam muito bem e funcionam bastante em conjunto. Acho que a diferença de influências e background acabaram por ser o motivo de junção. Consumimos muitas coisas diferentes, mas temos um interesse mútuo muito grande por música triste e por baladas, e foi por aí que começámos a entendermo-nos.


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