pub

Publicado a: 17/10/2016

Expeão sobre Máscara: “As pessoas não estavam preparadas para um álbum daqueles”

Publicado a: 17/10/2016

[TEXTO] Ricardo Farinha [FOTO] Direitos Reservados 

É uma quinta parte dos Dealema e um dos rappers mais antigos do país ainda no activo. Expeão (Infiltrado — na sociedade capitalista —, mas também um antigo — ex — “peão” do sistema) estreou-se a solo há dez anos, com Máscara, um disco icónico que tem agora direito a uma série de concertos especiais de celebração. O primeiro aconteceu no último fim-de-semana na Póvoa do Varzim, e o segundo acontece esta sexta-feira, 21 de outubro, na sua cidade, o Porto, no clube Gare.

Uma década antes da edição de Máscara, era lançado o primeiro trabalho do pentágono dealemático, Expresso do Submundo. Expeão é o rebelde do grupo, o mais activista e aquele que está mais ligado, desde cedo, a outras subculturas artísticas como o hardcore punk ou a música electrónica.

Por isso mesmo, Máscara “foi um disco à frente do seu tempo” — nas palavras do próprio Expeão, em entrevista ao Rimas e Batidas — porque reunia todas estas influências diferentes. “Quando tens um primeiro álbum, queres pôr todas as tuas experiências lá, queres criar um disco muito rico.”

Foi o rapper que tratou da produção e da gravação de todo o trabalho. “Foi feito com muito poucos recursos e com material muito caseiro.” A ideia, naturalmente, já vinha de há mais tempo. Expeão já tinha dez anos de carreira e, além da primeira maquete (1996) e do primeiro álbum oficial dos Dealema (2003), tinha feito em 2001, com o companheiro de grupo Mundo Segundo, 1º Assalto, o primeiro álbum do projecto paralelo a que chamaram Terrorismo Sónico. Como Expeão, também foi em 2006 que Mundo editou o primeiro disco a solo, Sólida Oportunidade de Mudança. Antes, só Fuse se tinha emancipado do colectivo com os lançamentos de Informação ao Núcleo (2001) e Sintoniza (2003), além do disco de instrumentais de 2004.

Esta timeline permite-nos perceber que Expeão já tinha ideias para um trabalho seu há muitos anos. “Sempre compus muitas músicas, tinha coisas escritas em papel e ideias gravadas em cassete.” Mas só começou a trabalhar a sério no seu projecto quando comprou o primeiro computador, “aos 23 ou 24 anos”, ou seja, entre 2001 e 2002, já que Expeão nasceu em 1978, com o nome Rui Pina. “Mal arranjei o computador, comecei logo a gravar músicas.” E confessa que, apesar dos atrasos, a maturidade que já tinha quando lançou o álbum foi positiva. “Acabou por ser na altura certa.”

 


https://youtu.be/60faEeyyB8I


UM ÁLBUM À FRENTE DO SEU TEMPO

É assim que Expeão descreve Máscara, um disco “muito feito com a onda do it yourself, mas, surpreendentemente, com um som de qualidade para a altura”. Mas era diferente. O álbum incluía guitarras, baixos pesados e sintetizadores, algo que “não era usual” no hip-hop de então feito em Portugal, no mesmo ano em que foram editados discos como Pratica(mente), de Sam The Kid, Serviço Público, de Valete, ou Project Mary Witch, de Allen Halloween.

“Foi recebido com espanto, as pessoas estavam habituadas ao boom-bap”, diz o autor de Máscara, dez anos depois. “Na altura, a ligação do hip-hop com a musica electrónica que se vê hoje em dia não estava na moda cá em Portugal.” E Máscara “quebrava a lógica” do boom-bap clássico. “Só agora é que acho que as pessoas estão a compreender o disco.”

Expeão recorda-se que a música com mais sucesso do álbum, “Bairro” — tema carregado de sintetizadores que vai buscar parte do ritmo e melodia do refrão ao clássico “Cairo”, dos Táxi — não foi bem recebida no início. “Na altura ninguém gostava, mas lembro-me de que mandei para amigos em Londres e o pessoal adorou, estava habituado ao grime. Só passados tantos anos é que o grime está a começar a bater aqui e eu já fazia cenas desse género no Máscara. Vendo dessa perspectiva, as pessoas não estavam preparadas para receber um álbum daqueles, era muito esquisito.”

 



A INTEMPORALIDADE DA MÚSICA

Celebrar um disco, dez anos depois, pressupõe que haja uma longevidade numa obra de arte que faz parte de um “mercado” ou de uma “indústria” que parece cada vez produzir mais e mais rapidamente. Expeão diz que faz música para o futuro, sem pensar no presente. “Não gosto de estar ligado àquilo que as pessoas estão a ouvir no momento e que tem que ser música para agradar às tendências, eu gosto de fazer aquilo que me apetece. Às vezes é um bocado ingrato, mas por outro lado é reconfortante porque me parece que a música dura mais tempo, tem longevidade e é mais intemporal. Quando estou a fazer música, não estou a pensar se vai bater, se as pessoas vão aceitar bem.”

“Fazer música para o momento tem a sua recompensa mais imediata, mas não sei se daqui a 10, 20, 30 ou 50 anos essa música ainda estará viva e a fazer sentido. Eu acho que o Máscara até cresceu [com os anos], e hoje em dia muita gente o considera como um dos melhores álbuns do hip-hop nacional de sempre. Está na lista dos favoritos de muitas pessoas e para mim [esse legado] é o mais importante.”

No concerto que acontece na sexta-feira, Expeão vai tocar a maioria dos temas de Máscara, além de outros êxitos da sua carreira, e vai ter vários convidados especiais: de Fuse a Berna, de Mundo Segundo a Ace, passando por Maze, DJ Guze, Deau, Marta Ren e Rato 54, entre outros. “Espera-se uma festa entre amigos, acima de tudo.”

Antes do rapper dos Dealema, Keso vai fazer um showcase e apresentar temas de KSX2016Expeão diz que é um exemplo de alguém que também faz música com a mesma perspectiva, de obras intemporais. “É um artista que eu admiro, não está a fazer música óbvia.”

 



O FUTURO

Depois de Máscara, Expeão lançou em 2009 um disco de remixes, Maskhara, e, em 2013, O Fim de Todas as Estradas. Agora, e apesar da questão da intemporalidade, Expeão quer desconstruir a maneira de fazer música e pensar menos em álbuns e mais em singles, numa retórica partilhada por pessoas próximas e da mesma geração, como Mundo Segundo e Sam The Kid.

“Estou um bocado farto deste molde de lançar álbuns, e [quero] mais lançar singles, que hoje em dia voltou ao início”, no sentido em que há 30 anos a indústria musical (e a promoção) funcionava muito à base de singles, tanto enquanto êxitos de rádio como em versões físicas. “Estou a preparar um novo trabalho mas vou lançar música a música”, e a ideia é, quando tiver várias lançadas, editar o álbum completo, com os temas restantes.

Já existe uma maquete avançada da primeira faixa — “está quase terminada” — e Expeão vai gravar em breve um vídeo para a acompanhar. O objectivo é que que chegue ao YouTube em 2017.

Entretanto, vai continuar a actuar um pouco por todo o lado, tanto a solo, enquanto Expeão ou Expawn — o seu projecto de música electrónica experimental, e uma das mentes da editora independente Faca-Monstro — ou com os Dealema, que estão “parados a nível criativo por agora”, já que estão todos com os seus próprios projectos.

Fuse prepara-se para editar brevemente o esperado Caixa de Pandora, Maze lançou este ano (finalmente) o seu disco em nome próprio, e é sabido que Mundo Segundo tem algumas dezenas de projectos na gaveta, incluindo o álbum com Sam The Kid, que também parece estar a sair tema a tema, êxito a êxito, concerto a concerto. Um facto é que tudo o que o selo Dealema cobre está vibrante e activo, e os dez anos de Máscara são um óptimo pretexto para celebrar o legado de um dos maiores colectivos do país e de um dos seus membros de sempre, Expeão.

 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos