[TEXTO] Miguel Santos
Os Brockhampton fazem música de reacção. A boy band norte-americana liderada pelo entusiástico Kevin Abstract — e que conta com mais de uma dezena de colaboradores entre os quais rappers, produtores e designers — cria canções que reagem às mudanças bruscas nas vidas dos seus membros, numa constante procura de identidade e de aceitação de quem são. O que os destaca dos restantes é a facilidade com que produzem doses magistrais de batidas e refrões que dificilmente nos saem da cabeça, acompanhados por letras sinceras e carregadas de sentimento. Depois de uma primeira mixtape que passou despercebida, a boy band lançou, em 2017, uma trilogia de álbuns de progressiva qualidade intitulada SATURATION, em que refinaram o seu som de álbum para álbum sem nunca descurarem a sua cativante identidade musical.
Tanta música e talento não passaram despercebidos: em Março de 2018 assinaram um contrato no valor de 15 milhões de dólares com a gigante RCA Records. Mas nem tudo são boas notícias: depois de um ano de sonho, Ameer Vann foi expulso do grupo após terem surgido acusações de abuso sexual e emocional. Em iridescence, o trabalho que lançam agora e que é o primeiro capítulo de uma nova trilogia intitulada the best year of our lives, Brockhampton reagem a esse acontecimento e a outras mudanças trazidas por esta nova etapa das suas vidas. “TONYA”, o primeiro single que mostraram, é um dos momentos mais introspectivos do disco e um relato sincero sobre as dificuldades da fama, com algumas indirectas a Ameer e ao escândalo que abalou o grupo. Em “HONEY” questionam o mundo e o futuro, numa das transições mais curiosas entre instrumentais do álbum:
“Wish I could call every successful rapper for advice
How the fuck do I make this shit last my whole life?
What if they don’t want to come to the concert tonight?”
O título do álbum alude às cores do arco-íris, mas, ao longo do projecto, verifica-se uma maior abundância de cores frias na sonoridade e temas abordados. Canções como “FABRIC” ou “WEIGHT”, a música mais poderosa do disco, são desabafos profundos sobre os problemas que assolam a boy band e provas de que a produção do grupo está mais complexa e caminha numa direcção mais expansiva. Ao longo de iridescence ouvem-se arranjos de cordas que incutem mais seriedade na música dos Brockhampton e são um palco digno para as emoções do grupo, que se mostram especialmente vulneráveis depois de uma etapa conturbada. Mas isso não significa que não tenham bangers com pujança prontos a disparar: “NEW ORLEANS” introduz o álbum com uma batida possante permeada por um barulho agudo incessante, que acompanha os versos de confronto dos vários membros, e transita suavemente para “THUG LIFE”, uma espécie de outra face da moeda, um ponderar do que a precedeu com um verso emocional de Dom McLennon, uma conclusão digna para “NEW ORLEANS”, que certamente beneficiaria da inclusão deste outro pensativo em vez de ser uma música à parte.
A própria energia dos bangers é mais furiosa, como o verso gritado de JOBA em “J’OUVERT”, uma música de beat imponente e sonoridade industrial. Ao longo do álbum é claro que os Brockhampton adoptaram uma solução algo extrema: trocar o seu som mais convidativo por algo mais abrasivo e menos amigável. A atitude sugere um mecanismo de auto-defesa contra um mundo cruel que os magoou vezes sem conta e no qual nem sempre o melhor das pessoas é o que é espelhado pelas suas acções. O som da boy band é uma protecção contra aqueles que se querem aproveitar deles e que os querem ver falhar. Há uma desconfiança inerente a iridescence, uma atitude de um grupo fragilizado pela mentira e consequente partida de um dos seus e pela incapacidade de desabafar com os outros, como mostram em “TAPE”:
“I’m afraid to share the bed, what if she want money later?
Like she got laid off, uh, hit my lawyer for some paper
I’m afraid to speak my pains like, ‘You lucky where you at’
‘You cool but quit complaining ‘bout all that'”
Há uma dessintonia dos Brockhampton com o que os rodeia e isso é algo que infelizmente também transparece na sua música. Notam-se que ainda não estão confortáveis nesta nova etapa, há uma desorganização de ideias e de conteúdos que acaba por ofuscar o seu talento. Músicas como “VIVID” ou “SOMETHING ABOUT HIM” — um bonito e carinhoso interlúdio que apesar de uma boa produção não tem muito que se lhe diga — mostram que ainda há pormenores por afinar e uma certa impaciência em trabalhar as ideias até ao seu apogeu, algo também demonstrado pelas constantes mudanças de instrumental dentro da mesma música. E apesar de membros como Dom McLennon, Matt Champion ou Kevin Abstract mostrarem que as suas barras continuam com a sua habitual cadência e qualidade, nota-se que bearface ainda está à procura da sua voz e do caminho certo.
Em iridescence transparece alguma da mágoa e emoção que os rapazes experienciaram ao longo deste ano de altos e baixos. Mas o resultado final fica aquém de toda a turbulência que está na sua origem. É mais contido do que o que o precedeu, mas é, sem dúvida, o projecto que o grupo precisava de fazer, para poder seguir em frente e desbravar novos e aventurosos terrenos com a sua música. No final de “SAN MARCOS”, uma faixa de produção característica da banda e que lembra outras canções da boy band como “SUNNY” de SATURATION II, ouvimos um coro esperançoso cantar “I want more out of life than this”. A ambição está lá mas ainda está para vir a derradeira catarse musical, a digna explosão sonora que mostrará que os Brockhampton estão para durar.