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Fotografia: Mickael Viegas
Publicado a: 27/04/2024

Um outro tipo de situação.

Kristóman: “Posso dizer que pensei mesmo em desistir do rap”

Fotografia: Mickael Viegas
Publicado a: 27/04/2024

“É só fazer as contas, 8 bolas como o argentino” rapidamente nos leva a pensar no pequeno genial introvertido que é Lionel Messi, mas quem canta isto é o gigante genial nada introvertido que é Kristóman. Apesar da comparação a “La Pulga”, o MC algarvio está longe da reforma e resolveu voltar a mostrar o porquê de ser um dos rappers mais ferozes do país, com o seu regresso aos longas-durações, desta vez em Another Situation. Lançado a 1 de abril, este disco até parecia mentira, já que é o número 8 do seu portfólio, que demorou igualmente o mesmo número de anos até ver a luz do dia, depois do último, Remédio Santo.

Este veterano do rap mais a sul do país passou por uma fase algo conturbada na sua carreira, já que revelou nos últimos meses ter pensado mesmo em distanciar-se da música face às circunstâncias que passam pela vida de qualquer comum mortal. Reconsiderou essa possibilidade depois de uma conversa com Valete, onde se apercebeu que jamais pode ser carta fora do baralho se o assunto for rimas. Por tudo isso, assinalamos este regresso de Kristóman aos álbuns a solo no Rimas e Batidas com uma conversa pessoal, em que o artista nos conta tudo sobre o seu ressurgimento com o novo álbum Another Situation



8 anos depois do último álbum, o Remédio Santo, estás de volta com este Another Situation. É um álbum que até surge de uma premissa algo negativa para ti. 

Sim, a vida leva-nos para outras coisas e posso dizer que pensei mesmo em afastar-me da música, mas houve aqui um flash de criatividade na minha vida que me levou a questionar isso, o rap não tem culpa, foi arranjar um tempinho para o fazer. Num mês tive um rasgo de criatividade e escrevi o álbum todo nesse espaço de tempo, sem forçar muito, tinha mesmo criatividade à noite. Fiz uma seleção de instrumentais e gravei o álbum todo em 2 meses. Comecei em Setembro do ano passado, e em Dezembro estava tudo feito. É inexplicável, mas quem é artista sabe que isto é verdade, às vezes acontece. Ainda bem que me aconteceu a mim, porque vê-se que está um projeto sobretudo maduro, nota-se que são muitos anos sem estar a escrever e a coisas fluíram bem mesmo por isso.

Para quem esteja mais desatento, o nome do álbum faz bastante sentido, tem uma explicação engraçada.

Sim, sim. O Another Situation vem do meu Instagram, apareço em vários stories a dizer “aqui estamos outra vez, outro dia, another situation“, até porque tenho várias vertentes na minha vida: cozinha, futebol, barbearia. Às vezes andamos a forçar com nomes que achamos que vão revolucionar isto tudo, mas não, normalmente as respostas estão ali perto de ti — se eu digo Another Situation todos os dias, vai ser o nome certo. Não precisa de inventar, não há necessidade.

E a capa do álbum está cheia de “situations“.

Várias situations mesmo, a ideia foi do YoCliché, eu trabalho sempre com ele nessa parte, o gajo é um génio nisto, tem sempre ideias fora-da-caixa, e nesta capa aconteceu exatamente isso. Sugeriu-me que fosse como um jornal, em que existem várias situações, e para além da capa, dentro do álbum é como se estivesses a desfolhar um jornal — e lá dentro, na página 2, diz “toda a reportagem na página 3”, que é o CD. Pronto, e de resto tem lá várias fotografias, várias situações. Podia ter posto muitas mais, mas a capa não dava para tudo, então selecionei algumas que acho que foram importantes na minha vida. Portanto já sabem, quem quiser comprar um CD é só mandarem-me mensagem.

Para além da capa também há mais um brinde, escondido diga-se.

Sim, para quem comprar o CD vai encontrar lá uma faixa escondida. Acho que esses fatores têm contribuído para a venda dos discos, já vendi uma caixa completa e agora chegou outra. Isto é uma espécie de um rebuçadozinho que tens ali, portanto faz todo o sentido a malta guardar para si. Tive malta a perguntar-me isso, “então e se houver algum chico esperto que te mete esse som escondido na net?”. Eu fiz questão de referir isso nas minhas redes, quem compra o CD tem esse direito, a faixa é sua. Além disso a faixa está mesmo escondida, tens que a procurar. Até há um texto na parte de trás da capa que te diz mais ou menos onde ela está, depois tens que pesquisar como vais fazer. Tive pessoas a comprar-me discos mesmo com essa curiosidade, com o intuito de descobrir a tal faixa escondida. Até tenho uma ideia para outro álbum no futuro, também fazer dentro desse formato algo escondido. Mas atenção: isto fazia-se antigamente.

Sim, no Rapresentação até me falaste de uma do género do Boss AC

O AC tinha uma, não sei se os Mind Da Gap ou os Da Weasel também tinha algo do género. O Boss AC tinha uma faixa escondida antes da zero. Há várias maneiras de as esconder. Se adquirirem o Another Situation também vão ter uma nesse registo. Esta é uma faixa agressiva, não dá mesmo para pôr no YouTube, se calhar foi por isso que ainda não a meteram por lá [risos]. Quem quiser já sabe, também os vou levar a concertos, há sempre maneira de fazermos isso acontecer.

Descobri uma curiosidade entre os teus dois últimos álbuns, ambos têm 12 faixas. Gostas dessa duração?

Por acaso não tinha feito essa estatística, são 12 porque calhou serem 12. Acabou por não ficar nada de fora, só mesmo a faixa escondida. Acho que é um número aceitável para duração de álbum. Fazer um álbum com 18, 19, 20 faixas já é outro patamar artístico, é uma logística diferente, tem que ter um acompanhamento visual adequado e isso já é outro nível.

A meio do álbum, tens um momento hilariante com o skit dos “Dislikes”. Para quem não esteja a par, foste alvo de uma onda de dislikes no mínimo suspeita quando lançaste o teu tema “Carapaus”. Suponho que tenha servido de inspiração.

Foi, claramente. Tinha acabado de lançar o som e já tinha mais dislikes que visualizações, fiquei mesmo escandalizado. Na altura fiz uma live para me tentar defender, porque há empresas que vendem esse serviço, podes comprar likes/dislikes/views, e alguém pagou para me atingir no arranque do lançamento. Até tive malta a questionar-me se não tinha sido eu a fazer isso para ajudar no marketing e tal… Mas alguma vez eu ia dar um tiro em mim próprio? Isso era mau. Então o que é que me lembrei neste disco? Ainda estou à procura do gajo que fez isso, que nunca vou saber quem é, como é óbvio. Então pensei fazer ali uma comediazinha, criámos aquilo tudo em estúdio com o Fonseca, com barulhinhos dos carros, vidros a abrir, de fundo está a tocar um clássico do rap tuga, “Escola da Rua” do Kacetado, quem é old school sabe o que está ali. Isto fazia-se muito antigamente, estes skits trabalhados. Eu senti muito que neste álbum não fui para estúdio só para fazer música, fui para estúdio viver um pouco a música, o álbum que estava a fazer. Lembrei-me que ali a meio tinha de haver qualquer coisa, another situation, e saiu este skit, ficou porreiro.

Tens saudades de ouvir esse tipo de formatos em álbuns?

Tenho, tenho. Muitos desses skits são de alguns ídolos meus, faziam muito isso. Tens um do Sam [The Kid] na mixtape Lisa Chu do Regula, em que ele diz “já chega, o boy tá a chorar…” [risos]. Eu adorava estes skits, hoje em dia ainda estão na cabeça de muita gente.

O próprio Regula também tem vários, no Tira Teimas, na mixtape Kara Davis… muitos deles vivem mais que próprias faixas.

Exato, exato. Ele o Sam também têm um num restaurante indiano, a jantar e tal. Vês, essas coisas são boas, porque que estamos aqui a falar disso, são uma interligação entre as faixas nos álbuns, não é fazer música só por fazer. Isso tem que ser o teu lado artístico a vir ao de cima.

Agora lembrei-me de um muito engraçado também, e teu, em Tribruto! Do RealPunch no “Atribrutos”. 

Exatamente! Em Tribruto fazíamos isso muitas vezes, tínhamos quase faixas extra dentro de faixas. 

Sim! Tens o “Cabeçada nas manas”…

Sim, sim… pediram-nos muitas vezes para tocar isso ao vivo, acho que chegámos a fazê-lo uma vez. 

Já falamos mais dos Tribruto… Como dizias tens Kacetado no skit, uma grande inspiração?

Sim, esse álbum do “Escola da rua”, o Ontem, Hoje & Amanhã é top 3 de sempre para mim, mesmo. Todas as faixas desse álbum estão raw, os beats estavam muito à frente, o Kacetado estava forte, escrevia bem, há muita produção também do Sam, e acho que na altura o próprio Kacetado também produzia, era bom nisso. Mas sim, esse trabalho é top 3 para mim.

O que é feito dele, sabes?

Não sei dele. Há muita malta dessa geração que segue outras vidas, outros caminhos. Olha, há pouco tempo, por acaso, recebi uma mensagem de uma grande figura dessa altura, do Erre aka Digripenny, que está por África, e deu-me o props. Disse-lhe que foi ele começou cá isto, e ele disse que temos de ser nós a manter o legado. Está fora deste mundo ele, com outras vidas.



Olhando à tua carreira, quando penso em Kristóman penso em barras, punchlines, aquele egotripping cheio de trocadilhos que tanto te definem. Neste novo álbum vemos um registo ligeiramente diferente da tua parte, com outros tópicos que normalmente não abordas muito, como temas mais motivacionais como o “Faz e Vence”, o “Bem Assim”, etc.

Estás totalmente certo, isso é uma área que o futebol me ensinou bastante. Sempre fui uma pessoa que gosta de motivar os outros com o meu trabalho, mas no meu futebol precisava de o fazer com as minhas palavras, porque preciso de motivar os homens que estão ali a jogar, para ganharem e serem campeões. E isso transportou-se para este lado, o hip hop também é isso, motivar o próximo, mostrar que mesmo nos dias nublados, tens que ultrapassar as dificuldades. A idade e a experiência levaram-me para essa maturação na minha música. Acho que esse lado é dos motivos pelos quais o álbum está a fluir bem, a malta perceber que o Kristoman tem um lado versátil. Ainda não explorei a arte política, tenho malta a puxar por mim nesse lado, não é bem a área que queira falar, não é o que não o saiba fazer, mas no futuro pode acontecer. Mas é isso, no Another Situation precisava de explorar sonoridades e outros temas diferentes que ainda não tinha feito. Tens, por exemplo, o “Bem Assim”, que é o acordares de manhã e olhares só para os raios de sol, esquecer se está nublado, “vamos para a frente”. O “Faz e Vence” é uma música motivacional em que quis entrar no registo do “O Próprio” que foi o que carimbou um bocadinho essa minha parte mais introspetiva. 

Senti-te acima de tudo mais maduro, apesar de teres faixas num registo mais “normal”, recorrendo às punchlines, como no “Me’ma Nota” com o Uzzy

Sim, mas esse tema é acima de tudo, também, uma lição de vida, a mostrar que estamos todos atrás da mesma nota, cada um da sua forma. 

Sim, sim. Também tens o “Sarcástico”, que é um tema sonicamente bastante interessante.

Esse é um som que tem ali muita coisa fresh. É um beat assim mais afro, com uns contra-tempos que fogem um bocado disso, mas encaixa nesse registo. Aquilo é inspirado no Pa Salieu, um rapper do UK que é mesmo pro nesse estilo. Aquilo é um instrumental que a malta por cá não faz, até acham wack, é bastante diferente, e encaixei lá o meu punchline. Futuramente vai ter videoclipe também.

Já são vários, achei curioso o conceito do vídeo do “Bangkok”, naquele estilo mais one take.

Sim, sou fã desse género de vídeo, desde que haja alguma ideia por trás. Lembrei-me de convidar uns amigos e fazer em São Brás de Alportel, lá num spot. De referenciar que quase todos os meus vídeos são feitos pelo Mickael Viegas — ele está forte. Não era bem a área dele, ele foca-se mais no ramo imobiliário. É mesmo pro no que faz, está com ideias e tem todo o material para trabalhar, ajudou-me muito nessa parte visual.

Outra parte interessante desse lado mais visual do álbum acabam por ser aqueles vídeos com as tuas lyrics que acompanham todos os sons do álbum, na tua barbearia, certo?

Sim, sim. Pensei em muitas coisas nessa parte, hoje em dia faz sentido terem um acompanhamento visual com a música, e surgiu-me essa ideia… A barbearia faz parte da minha vida, é uma another situation, porque não fazer daqui alguns vídeos dessas situações? É o que realmente faço no meu dia-a-dia.

Há algum que mereça destaque?

O do “Bem Assim”, é um vídeo em que estou sempre bem-disposto como se estivesse a receber mensagens e a falar com alguém do outro lado, o que não estava a acontecer [risos]. Foi o meu lado de ator a trabalhar… ficou fixe! O pessoal está-me a dar bom feedback disso, ficou original acima de tudo. A ideia era dar um destaque a cada uma das faixas. 

Falando dessa parte mais humana da tua arte, depois de uma fase mais turbulenta da tua carreira, o que estás a preparar? 

Sim, entretanto saiu uma cypher com uma participação minha pela DRUGS 27, no Passa o Mic, com Biex, Domi, RealPunch, Perigo Público e Gijoe, que está pesadíssima. Tenho também mais alguns vídeos deste álbum já feitos — e essa tem sido a diferença neste trabalho, tenho comigo uma equipa muito profissional e disponível a 100% que tem organizado isso tudo, estamos a trabalhar com uma estratégia, está tudo planeado. Agora sai o vídeo de “Very Light”, a seguir “Sarcástico” e depois um vídeo para o projeto ArtMusa, uma faixa que também está bonita. Depois disso, tenho concertos, já estão alguns agendados. No dia 5 de maio temos a apresentação oficial no Cineteatro de São Brás de Alportel, com os ArtMusa por um valor simbólico. Tenho também concerto marcado para dia 25 de maio na “casa catedrática” do Algarve, no Bafo de Baco, onde gravei o vídeo do “Malabarista”. Para mim é obrigatório passar por lá, foi lá que comecei a minha carreira, passei a minha adolescência toda em Loulé e por isso mesmo tinha que ser. Tenho essas 2 datas marcadas, com certeza, com a Faded. Vou ter muitas mais para apresentar este Another Situation

Estás mesmo numa onda de muita fome e energia… e pelo que sei não é só no projeto Kristóman, ouvi dizer que teremos novidades de Tribruto. 

É verdade, 2024 talvez tenha o regresso do grupo. As nossas vidas são complicadas, mas nada é desculpa, né? Surgiu a possibilidade de voltar a tocar ao vivo e se isso acontecer não queremos chegar lá com coisas de há 10 anos, queremos levar alguma música nova, está em cima da mesa esse regresso. Mas isto está tipo Da Weasel, se querem Tribruto têm que se chegar à frente [risos]. Querem os dinossauros? Têm de se chegar a frente [risos]. Nunca fechámos essa panela de Tribruto, fizemos uma pausa para seguir as nossas carreiras, mas há sempre possibilidade de voltarmos a comer do mesmo tacho, essa hipótese nunca está fechada.


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