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Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 15/04/2023

A festa enrijece.

Westway Lab’23 – Dia 3: o melhor da música nacional também passa por Guimarães

Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 15/04/2023

Após dois dias dedicados à experimentação em cima dos palcos, em que vimos várias duplas inéditas a tomar conta do Teatro Jordão e do Café-Concerto (podem ler as reportagens aqui e aqui), o Westway Lab traz a azáfama até Guimarães com as apresentações ao vivo no seu formato mais “tradicional”, por parte de artistas e bandas com trabalhos editados e trajectos mais ou menos consolidados.

Foi logo às 21h30 que se fez notar a maior correria de todas, dada a demanda do público em torno da música de B Fachada, uma das vozes de maior comando dentro da cena independente que tem brotado no nosso país ao longo do presente milénio. Cantautor de mão cheia e detentor de um carisma bem singular, capaz de arrancar sorrisos da plateia a cada frase que solta entre temas na mais natural das descontracções, o homem que em 2020 assinou Rapazes e Raposas surgiu perante o público a sós, de viola braguesa na mão (instumento ao qual, aliás, dedicou um disco inteiro) e ladeado por um par de máquinas que, ao longo do espectáculo, disparavam as batidas e melodias sequenciadas que complementavam aquilo que estava a ser interpretado ao vivo.

“Namorada”, “O Anti-Fado” e “Canção de Rejeição” já se tinham feito escutar sem direito a grandes pausas quando largou um dos primeiros bitaites para explicar a “pressa”. “Disseram-me para dar tudo em 45 minutos”, desculpou-se, como quem diz algo do género: “quanto menos paragens eu fizer, mais temas vos consigo apresentar.” Agradecemos a gentileza porque o baile não pode parar e, quando chega a vez de “Padeirinha”, há mesmo até quem arrisque em levantar-se do seu lugar, no Auditório do Centro Cultural Vila Flor, para soltar um pezinho de dança. “Lambe-Cus” e “Natureza Radical” são mais duas das cantigas que geram maior entusiasmo entre o público e, ao final desta segunda, Bernardo Fachada lembra-se de tentar imitar, imagine-se, um lince, recordando uma experiência recente que o levou a escutar o rugido desse felino pela primeira vez, garantido-nos que a sua recriação ao microfone é bem menos intimidadora do que a que sai pela boca do tal animal selvagem.



No Westway Lab os concertos nunca se sobrepõem, mas começam todos uns a seguir aos outros e em diferentes salas. Por esse mesmo motivo, não nos deixámos ficar por entre a massa adepta que ficou a fazer barulho como que a pedir um encore, seguindo directos para um Café-Concerto praticamente vazio, onde as redoma já se encontravam a postos para iniciar a sua labuta. Puxando pela memória visual, não deviam de ser mais do que dez os pares de ouvidos presentes no local quando Carolina Viana (voz) e Joana Rodrigues (máquinas) puseram em prática a sua arte, um cenário meio que assustador para qualquer artista, ainda para mais quando a música que se toca não é propriamente alegre, dançável e de fácil digestão — mas nunca menos urgente do que tudo o resto que escutamos por aí. Foi perante este quadro que a dupla se atirou aos temas do seu EP de estreia — parte foi um trabalho bastante aplaudido por cá ao longo de 2022 — e só passados uns minutos é que a multidão se foi instalando à sua frente, provavelmente depois de se perceber que não valia a pena esperar mais pelo regresso de B Fachada.

Infelizmente, a adesão demorada não foi o único obstáculo que a MC/cantora e a produtora tiveram de enfrentar. A actuação das redoma foi, de longe, a mais ruidosa de todas que escutámos até ao momento no Westway Lab: uma grande parte das pessoas preferiu passar aquele momento em conversas triviais num total desrespeito quer pelas duas protagonistas quer por aqueles que, como nós, estavam a tentar prestar atenção a todo e qualquer detalhe que saía do sistema de som; ainda por cima quando esta é uma música que se manifesta mais de murmúrios e ambiências do que propriamente de batidas e fraseados acutilantes, juntando-se ainda o facto do próprio sistema de som ter vacilado ao longo da performance (houve feedbacks pontuais por parte dos microfones e, inicialmente, o volume do instrumental esteve bastante descompensado em comparação com o da voz).

Dentro dos possíveis, o par foi correspondendo com uma apresentação bastante semelhante àquela que tinhamos assistido há precisamente um ano, no Porto. parte escutou-se na íntegra e houve ainda um trunfo lançado para cima da mesa, “delírios mensais”, o primeiro tema avulso que ambas editaram desde essa primeira investida discográfica — “dica” ainda bastante fresca, diga-se de passagem. Antes do final, levaram-nos a descer ao seu “poço” e deixaram no ar a ideia de que continuam a concentrar esforços na criação de novo material. O futuro destas duas mentes que têm desafiado as leis do hip hop continua a parecer promissor, especialmente para os lados de Carolina Viana, ela que se estreou a solo enquanto Malva no passado mês de Março e é uma das artistas que vão surgir creditadas no EP de apresentação de INÊS APENAS, que sai a 5 de Maio e certamente gerará os devidos ecos por estas bandas.



Outro nome que está mesmo aí a “rebentar” é o de Ana Lua Caiano (como já tínhamos testemunhado no início deste ano), escalada para o slot seguinte que desta vez nos fez deslocar até à Box. Na primeira vez de quem vos escreve a assistir a um espectáculo da autora de Cheguei Tarde a Ontem, as sensações foram bastante positivas. A mais recente pérola musical da Chinfrim Discos é uma das compositoras e intérpretes mais dotadas da sua geração e quase que podíamos estar na sua presença de ouvidos tapados, porque só a genica com que se divide sozinha entre os vários instrumentos, em jeito de “banda de uma mulher apenas”, é entertenimento mais do que suficiente para valer o preço de qualquer bilhete.

Tendo como base uma Loop Station (ou qualquer outro pedaço de maquinaria de funções semelhantes), a cantautora desdobrou-se entre inúmeras camadas de voz, dois ou três sintetizadores, um bombo e percussões variadas — desde uma espécie de maraca improvisada que parecia ser uma caixa de plástico com feijões dentro até ao brinquinho da Madeira. E fazendo justiça ao seu nome do meio, Ana Lua Caiano é uma artista de várias faces — tanto dá o litro a executar a sua música como, pelo meio das canções, se dirige ao público ainda com uma certa timidez nas cordas vocais, que a faz baixar bastante o volume das palavras que veicula ao microfone.

Além do material do EP de estreia que editou em Setembro último, antecipou a sua próxima inscrição discográfica à boleia dos singles que já lhe conhecemos — lançados ambos este ano, “Mão na Mão” e “Adormeço Sem Dizer Para Onde Vou” vão integrar o segundo curta-duração Se Dançar É Só Depois, com data de lançamento também prevista para o dia 5 de Maio. Em jeito de sumário do que escutámos, o concerto fez-se sobretudo com recurso a vários elementos da canção portuguesa, dos mais tradicionais aos mais modernos, capaz de fazer gerar momentos bem contrastantes — tanto podemos estar a escutá-la num registo simplista de voz e pandeireta como há certos períodos em que consegue criar um certo clima de mini-discoteca com batidas e sons bem mais vincados. Fosse qual fosse o caminho que adoptava, o público aderiu a tudo, acompanhou com palmas sempre que possível e artista agradeceu pela ligação que ali se conseguiu estabelecer entre música e corpos.



Apesar do roteiro de ontem terminar na Box com os Linda Martini, dávamos por concluída a nossa missão ao som de Azar Azar, cujo vinil de Cosmic Drops conseguimos apanhar numa das bancas de vendas que estão montadas mesmo à entrada do recinto do festival (IGOR, de Tyler, The Creator, é a outra rodela negra que vai seguir viagem connosco no regresso a Lisboa). Depois de Rui Miguel Abreu ter presenciado a primeira apresentação de sempre do álbum de estreia de Sérgio Alves, uma nova oportunidade para experienciar esse jazz cósmico do músico e compositor que integra as fileiras da Jazzego pareceu-nos demasiado irrecusável, até porque não sabemos se teremos a hipótese de o fazer mais perto de casa — promotores da capital, cheguem-se à frente!

Quando o relógio bateu as 23h45, um conjunto de cinco músicos (Helena Neto também surgiu no palco por breves momentos para juntar voz à mescla sonora) conjurou um portal mesmo à nossa frente que nos sugou para uma outras dimensões. Azar Azar (teclas), Pedro Ferreira (baixo), Ricardo Danin (bateria), Manu Idhra (percussão) e João Samuel (saxofone) fizeram-nos vislumbrar chuvas de meteoritos, corpos celestes em colisão e outros tantos fenómenos astrológicos à boleia de um conjunto de temas que ajudam a colocar Portugal no mapa desta entusiasmente nova ordem mundial do jazz.

Durante os 45 minutos de concerto, Sérgio Alves foi Houdini e fez parecer com que a sua nave espacial tanto pudesse ser o átrio de um centro comercial em Miami ou um elevador num qualquer hotel de luxo situado em Malibu com vista para o espaço, enquanto faiscas lhe saiam das pontas dos dedos a cada truque de magia que executava ao leme de um Nord Stage. Todos os outros músicos encaixaram na perfeição nesta trip de grooves e harmonias quentes, mas a nossa atenção prendeu-se especialmente na perícia demonstrada pelo veterano e versátil Manu Idhra, que nos fez recordar algumas das palavras proferidas por Alex Figueira numa entrevista ontem publicada cá, quando este desvendou ter chegado a pensar em retirar a percussão da equação dos seus shows, mas que rapidamente concluiu que esta desempenha um papel “fundamental”. Ora isto não significa que o projecto Azar Azar não se pudesse manifestar sem tal elemento, só que boa parte da ginga ficaria obrigatoriamente perdida pelo caminho. E com Idhra a assumir essa função, sendo ele um autentico compêndio de técnicas em constante labuta que consegue arrancar 1001 sons diferentes de um só metal, pele ou madeira, tudo se torna bem mais vibrante e colorido.


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