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Fotografia: Daniel Serra
Publicado a: 23/01/2023

Abram caminho.

Ana Lua Caiano no Musicbox: Um regabofe a cargo de uma one-woman band (e estrela em ascensão)

Fotografia: Daniel Serra
Publicado a: 23/01/2023

No refrão de “Sai Da Frente, Vou Passar”, faixa retirada do seu curta-duração de estreia, Cheguei Tarde A Ontem, editado pela Chinfrim Discos, Ana Lua Caiano canta: “Sai da frente vou passar/Que tenho de montar/Um futuro para mim”. Em parte, a afirmação é pura delinquência zoomer, canção de protesto disfarçada de eletrónica neogótica. Por outro lado, a asserção é um statement, uma nota deixada pela jovem de 23 anos da sua intenção: desbravar caminhos, singrar no seio da música portuguesa (e, quiçá, além-fronteiras) e, com isso, construir o seu futuro – artístico e não só.

Para quem tem andado atento à esfera da música emergente portuguesa, o nome de Ana Lua Caiano é um que certamente não pode passar despercebido. No espaço de menos de um ano, e com apenas Cheguei Tarde A Ontem lançado, Ana Lua passou de abrir para Rossana (com quem divide “Lobo Rouco”) na Casa do Alentejo para, na passada noite de sábado (21 de Janeiro), ter praticamente esgotado o Musicbox, em Lisboa. 

Há razões para que Ana Lua Caiano esteja a captar corações e ouvintes por aí fora. A sua música, uma conjugação de loops divididos entre o universo da música tradicional portuguesa – bombo, reco-reco, brinquinhos, uma caixa de feijões – e a eletrónica contemporânea (onde já ouvimos esta descrição…?), carrega em si uma jovialidade (e ansiedade…) que capta a imaginação de públicos mais jovens e a audácia para agarrar os ouvidos de um público mais maduro que cresceu a admirar o trabalho de João Aguardela e que volta a ser relembrado porque é que o adufe é um instrumento fixe. Além disso, Ana Lua Caiano emana um certo tipo específico de ser fixe. Não é particularmente misteriosa, mas há uma aura de que é afável e de que queremos ser amigos dela para descobrir mais. Por sorte, tem as cantigas certas para conferir banda sonora a essa viagem – há coisas que não vêm por acaso.

A audácia de Ana Lua Caiano é uma que se nota ao vivo. As suas canções, trabalhadas em palco desde 2021 (da sua presença nas SDB Sessions), surgem já bastante consumadas, e mesmo que não atinjam a total definição do que se escuta nas versões de estúdio presentes no EP, conseguem fazer a festa. Se Ana Lua Caiano entrou em cena com uma pequena timidez a ser demonstrada, os primeiros instantes do concerto rapidamente a retiraram da equação, com os loops de “Olha Maria” e a belíssima voz da artista a encherem a sala lisboeta. Não era preciso mais do que isso – esta one-woman band consegue animar o regabofe sozinha.

O espetáculo de Ana Lua Caiano no Musicbox funcionou como carta de apresentação de Cheguei Tarde A Ontem (tocado na íntegra) e, simultaneamente, para revelar um pouco daquilo que se segue (há um novo EP ao virar da esquina, a ser lançado no próximo mês de Maio). “Que O Sangue Circule” arrasta-se por uma certa sinistralidade espiritual, marcada por uma certa influência do trip hop, “Nem Mal Me Queres” rebola por um certo romantismo que fica (bem) no ouvido, “Um Menos Um” faz-nos querer partir o chão (é uma excelente faixa de dança escondida!) e “Cheguei Tarde A Ontem” surge acompanhada de coros por parte do público já perto do final do concerto, numa altura em que a audiência já estava totalmente na mão da artista. 

Pelo meio da interpretação ao vivo das faixas de Cheguei Tarde A Ontem, surgiu “Ando Em Círculos”, com pedido de coro ao público para o refrão, e mais quatro malhas novas – “Vou Ficar Neste Quadrado”, “Adormeço Sem Dizer” (ambas cantadas em harmonia com Margarida Campelo, convidada especial deste concerto), “Casa Abandonada” (uma faixa que queremos muito ouvir a versão de estúdio, pela sua qualidade fantasmagórica a la Serra de Sintra) e “Mão na Mão”, cantada numa espécie de encore improvisado (em que o bombo de Ana Lua foi parar ao chão, tal era a excitação do momento), surgido após pedidos de “só mais uma” e “one more”, esbracejados em simultâneo (provando que, no seu quê de exótico, a música de Ana Lua Caiano e de outros camaradas que fazem a junção entre tradicional e contemporâneo, quebra barreiras existentes entre noções de “campo” e “cidade”, “passado”, “presente” e “futuro” e tem pernas para andar além do território nacional).

Findados os procedimentos, e perante muitas palmas vindas do público, fica a sensação no ar de que poderá ter sido uma das últimas oportunidades que temos de ver Ana Lua Caiano numa sala do tamanho de um Musicbox. A noite de sábado foi mais um passo dado pela jovem artista em direção a consagrar-se como uma das vozes emergentes (que já o começa a deixar de ser…) mais interessantes a florescer no universo da música portuguesa. Portanto, fica a dica: que se escute Ana Lua Caiano. Um bem-haja a quem o fizer.


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