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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/04/2023

Três duplas inéditas em destaque no arranque do certame.

Westway Lab’23 – Dia 1: Guimarães, a “cidade berço” das melhores parcerias musicais

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/04/2023

Não há comboio que nos leve directamente a Guimarães e a viagem para cá chegarmos foi demasiado longa para a importância da cidade naquilo que é a história do nosso país. O cansaço provocado pela travessia aliado à total incógnita daquilo que iriamos encontrar pelos palcos do primeiro dia do Westway Lab (dado o seu carácter inédito) não nos permitiram entrar em grandes euforias antecipadamente, algo que mudou por completo mal colocámos os pés no Teatro Jordão para assistir ao primeiro momento da programação.

A partir das 19h30, a curva do mood esteve sempre em crescendo e a maior subida registou-se logo nesse concerto de abertura da edição que assinala os 10 anos do festival. Quem nos esperava em cima do palco eram Edgar Valente (de Bandua e Criatura) e Rui Souza (de Dada Garbeck), os dois músicos desafiados pela organização para orquestrar o espectáculo inaugural com uma série de temas compostos de propósito para o efeito. Ambos estavam sentados frente-a-frente e rodeados pelos instrumentos que utilizaram para aquela sessão — em torno de Edgar haviam teclados, já a bandaca de trabalho de Rui Souza era composta por sintetizadores, sendo que ambos recorreram ainda à voz ao longo de toda a apresentação.

Em contraste com aquilo que cada um destes nomes tem vindo a fazer noutros contextos, a música que nos apresentaram enquanto dupla era quase totalmente despida de batida. Conforme descrito pelos próprios, o objectivo era o de delinear um espectáculo de “música contemplativa” — mais para a cabeça do que propriamente para o corpo — e que tem as suas bases no cancioneiro que se encontra enraizado na cultura minhota, mais precisamente aquela que se faz sentir no Vale do Ave. Durante a residência que serviu para tecer estas canções, o par visitou fábricas, tascas e capelas para se inspirar, algo que transpareceu por completo para aquilo que tivemos a oportunidade de escutar, dando um tom de ancestralidade a um conjunto de composições que não deixam de fazer justiça à modernidade musical em que ambos se inserem.

Entre mantras que falam sobre a água que corre pelo rio ou memórias de um avô que cantava à janela e de quem se sente a falta, a fusão entre tradição e presente foi perfeita e ajuda a dar outras cores a um certo revivalismo que se tem feito sentir na música porutguesa, aqui criado sem a pressão do ser “comercialmente bem sucedido” pois o propósito era outro. Essa margem de manobra permitiu que a dupla se desse ao luxo de divagar, adoptando a repetição apenas quando necessário, prolongando os temas até à “exaustão” que leva ao fade out ou aplicando inúmeras camadas até formar uma espécie de neblina sonora que dá um certo misticismo ao que se está a fazer escutar. Já na segunda metade do concerto, houve ainda uma canção que levou Edgar Valete a tocar adufe para acompanhar a viola tocada por Rui Souza, enquanto que o tema de despedida foi o único provido de batida.

À saida do Teatro Jordão, o sentimento era unânime: o momento mais cristalino da edição deste ano do Westway Lab pode muito bem ter sido aquele que assinalou o arranque dos quatro dias de festa, levando-nos até a questionar se o par terá planos para editar este material dada a sua urgência no actual contexto da música feita de dentro para dentro no nosso país.



Já jantados, estávamos a postos para os outros dois concertos do dia, também eles fruto do cruzamento entre artistas que nunca tinham colaborado juntos e que as residências artísticas do festival tão bem promovem. Dentro do Café-Concerto, no Centro Cultural Vila Flor, os primeiros a subir ao palco foram o vimaranense Mário Gonçalves e o polaco Michal Drozda, que protagonizaram o espectáculo menos electrónico que escutámos nessa noite. Com os nervos à flor da pele, como admitiram logo no início, a actuação foi bastante dinâmica, com cada um dos músicos a assumir diferentes instrumentos ao longo da performance, mas a fixarem-se essencialmente num power duo entre bateria (Mário Gonçalves) e guitarra eléctrica (Michal Drozda).

Os títulos que atribuiram às composições resultantes da semana de residência eram o menos formal possível — “Crazy Vibes” ou “New Tradition” foram alguns dos que nos ficaram na cabeça — e o seu som fixava-se sobretudo no rock. Sempre que a desbunda atingia um pico, parecia que estávamos perante a mesma névoa roxa que pairava em torno do som da The Jimi Hendrix Experience, mas com um dos músicos de Safri Duo a fazer a vez de Mitch Mitchell numa bateria apetrechadíssima de percussões várias.

Na pausa entre os dois últimos shows, dávamos por nós a pensar: “O que será que um MC/produtor de Barcelos consegue alcançar musicalmente ao lado de uma cantora de Estocolmo?” Imaginámos de tudo, mas Cálculo e Namelle, outra das duplas a surgir das residências artísticas, foram o mais práticos e certeiros possível. O autor de A Zul vestiu a pele de KAYTRANADA nas primeiras batidas que disparou, enquanto que a sueca exibia todo o seu poderio vocal à boleia de fraseados sobre o amor ou sobre a injecção de energia que o café — a sua bebida favorita, confessou — é capaz de dar.

Apesar de ser impossível ficar indiferente ao timbre de Namelle, a verdade é que Cálculo foi a grande força motriz do último espectáculo do dia. A caneta da cantora pareceu algo gasta e praticamente só serviu para escrever refrões, expressando-se quase sempre em inglês à excepção de uma das faixas, interpretada em sueco. Depois de nos meter a dançar com o seu house regado de funk, o português abriu o livro e desdobrou-se noutros registos, levando Namelle a pisar terrenos do r&b, do drum & bass ou da eurodance. Além de DJ/produtor, Cálculo também foi hype man, cantor, MC e bailarino, sempre irrequieto atrás da maquinaria a puxar pelo público ou a adornar alguns dos temas com versos seus, quer em português quer em inglês.


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