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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/04/2023

Ideias com pernas para andar.

Westway Lab’23 – Dia 2: conversas informais e uma nova montra para a criação a pares

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/04/2023

Depois de um dia inteiro fechados num quarto de hotel a tentar manter a máquina do ReB bem oleada (e a escrever a reportagem do primeiro dia do Westway Lab), foi já perto da hora do Sol se pôr que nos deslocámos até à Tasquinha do Tio Júlio para assistir a uma conversa entre os vários intervenientes das residências artísticas que pautam a edição deste ano do festival vimaranense. No programa que podemos consultar quer em papel quer em digital, a proposta é-nos apresentada como uma “talk” e a escolha do termo em inglês levava-nos sempre imaginar algo mais formal, que seguisse um certo guião e que decorresse num espaço amplo para abrigar o máximo de curiosos possível. Mas não foi nada disso com que nos deparámos.

Ao final da tarde, a Tasquinha do Tio Júlio estava a rebentar pelas costuras (e para isso bastaram umas poucas dezenas de corpos) para escutar os artistas que ficaram responsáveis pelos concertos dos dois primeiros dias do certame. O local escolhido para esta conversa informal, contam-nos, é uma espécie de ponto-de-encontro entre músicos e demais amantes da cultura que anima as noites da cidade, um sítio que mata a fome e a sede a muita gente quando a hora já se encontra bem avançada. A aura que este estabelecimento tem — onde snacks e bebidas a preços bem convidativos contracenam com uma decoração que não acompanhou a evolução dos tempos e que exibe todo o seu amor pelo clube desportivo da terra, o Vitória Sport Clube — garantia-nos que tínhamos pela frente um par de horas de pura descontração e galhofa.

Um a um, os músicos foram fazendo uma espécie de discurso, tocando nas motivações que os levaram a candiatarem-se ao programa de residências artísticas do Westway Lab, um tipo de trabalho que não e visto da mesma forma por todos os militantes da cultura. Cálculo, por exemplo, explicou que esta era uma ideia completamente colocada de lado numa fase mais permatura da sua carreira, mas que lhe faz mais sentido que nunca agora que cresceu enquanto artista e está muito mais apto a lidar com outro tipo de desafios (e até sonoridades). Independentemente do grau de risco que cada um está disposto a correr ou do quão confortáveis estão neste processo de cumprir com deadlines e decisões a dois, a música sai sempre a ganhar quando mentes diferentes se cruzam e isso tem sido bem patente ao longo desta primeira metade da edição que assinala o 10º aniversário do festival.



Há sempre pontos positivos a retirar deste tipo de iniciativas, até mesmo quando as coisas não parecem soar tão afinadas quanto gostaríamos. A primeira dupla a assumir o protagonismo no Café-Concerto do Centro Cultural Vila Flor era composta pela portuguesa Isa Leen e o basco Ghau, que delinearam um espectáculo tão dinâmico quanto os que tínhamos testemunhado na noite anterior — a primeira deambulava entre voz e teclado Nord, o segundo entre voz, guitarra eléctrica e respectivos pedais de efeitos.

A combinação dos sons de ambos, no entanto, nem sempre pareceu tão certeira e minuciosamente esculpida quanto a dos seus antecessores. Ainda assim, notou-se uma grande cumplicidade entre o par, algo que certamente terá ajudado a alcançar alguns momentos de maior intimidade musical — as cordas vocais de Isa Leen conseguem alcançar notas que nos tocam directamente na alma, embrulhando fraseados num misto entre pop e fado; já as cantorias de Ghau não estavam a conseguir convencer-nos da mesma forma, mas deixaram-nos completamente rendidos quando, a dado momento, começaram a ser filtradas por intermédio de um auto-tune para preencher uma das batidas mais ousadas daquele serão. Não ficando totalmente convencidos com o concerto na sua totalidade, temos a certeza de que algum daquele material original pode gerar êxitos depois de limadas todas as arestas em estúdio para uma posterior edição.

A grande surpresa do segundo dia do Westway Lab estava resevada para o par seguinte, que fez colidir em palco dois verdadeiros tornados: Larie, multi-instrumentista brasileira e a residir em Portugal que nos temos habituado a escutar nas actuações ao vivo de Fado Bicha, fez-nos crer que o seu papel na música portuguesa é merecedor de um destaque muito maior do que aquele que aufere de momento, detentora de uma voz deveras impressionante que consegue veicular palavras sobre batidas como se ornamentos de seda se tratassem; ao seu lado estava La Furia, uma MC espanhola de louvável entrega e atitude, a quem conseguimos detectar influências não apenas do hip hop, mas também do punk ou do reggaeton, atribuindo-lhe uma essência única — a de uma Motomami ainda mais endiabrada e sem filtros do que aquela que por aí anda a esgotar salas pelo mundo inteiro.

A parte da produção talvez tenha sido o “calcanhar de Aquiles” destas duas artistas, mas a performance vocal de ambas ajudou a colmatar qualquer lacuna que pudesse existir. No seu cocktail de diferentes sonoridades também houve espaço para baile funk, bem como alguns momentos de maior crueza em que a voz era a única arma, em jeito acapella. Alem dos cantos, Larie esteve ainda a operar as máquinas que fabricavam a tapeçaria musical que ambas tinham como pano de fundo, mostrando versatilidade e muita emoção — quase verteu uma lágrima quando se debruçou nos agradecimentos a toda a equipa e artistas que integram este Westway Lab. La Furia fez justiça ao nome e gritou palavras de ordem no combate anti-sistema, ergueu o punho contra a discriminação e deu força a todas as “lobas” que lutam para vingar num mundo ainda manchado pelo machismo e que se rege pelo patriarcado. Antes de sairem de cena, convidaram todos os músicos com quem partilharam a residência artística a subir ao palco para uma dança conjunta e um grande abraço final.


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