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Publicado a: 15/06/2015

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[TEXTO] Marco Rodrigues

 

Andreas Gehm é (para além do autor de posts de Facebook mais cómico de sempre) um dos artistas mais prolíficos e respeitados da vaga de produtores de electro e house mais ácido que, no início dos 2000s, se começou a alinhar com a Chicago e Detroit dos 1980s para recuperar a crueza original destes géneros e homenagear o legado de DJs como Ron Hardy – e o seu Music Box – e produtores de culto como Drexciya ou Steve Poindexter.

Através dos primeiros lançamentos enquanto Elec Pt1 e Manager 111, o alemão surge primeiro no mapa, em meados dos 00s, associado à cena holandesa de The Hague, que consagrou também artistas como Legowelt ou I-F através de plataformas como a Crème Organization, Clone, Viewlexx e, sobretudo, a visceral Bunker Records. Foi, de facto, a cena musical desta cidade da zona Oeste da Holanda – a par do jakbeat de Michigan e Chicago, concretizado por Jamal Moss, Traxx, JTC ou D’Marc Cantu – que ajudou a que a dance scene global sentisse um renovado interesse nas raízes do techno e house nas suas vertentes mais escuras e mentais.

Essa redescoberta seria, depois, o ponto de ruptura perfeito com o presente – o de então – para novas aventuras sónicas nestes estilos. Chegados a 2015, podemos ver a sua esmagadora influência no underground manifestada num dos triângulos editoriais mais celebrados da música de dança actual: L.I.E.S., Berceuse Heroique e Lobster Theremin.

Voltando a Gehm, que através das suas inúmeras faces – Trajical Bitch, The Minister, Pukemaster Ghem, The Manager, etc – desenhou um percurso fortíssimo de maquinação do acid e electro executados na sua iteração mais pura e difícil – ao ponto de muita da sua música ter existido durante vários anos à margem, de forma quase hermética, de tudo o que consideramos ser música de pista convencional – avança agora, desde o ano passado, pelo outro lado da aventura editorial, com o seu próprio selo: a Cologne Underground Records.

No primeiro lançamento da CUR, o seu Second Coming EP, Andreas deixou claro aquilo que devemos esperar da editora: apenas e somente mais do mesmo. Mais do melhor e do mais puro, do mais comprometido com o propósito experiencial desta música – transe comunal pela sugestão tribal dos ritmos despidos e das linhas melódicas ectoplásmicas em escalas menores (se não completamente atonais). Música de step-sequencer Roland; 16 casas em loop e o rodar do filtro chegam e sobram para tentar a transcendência.

Já para este follow up, e sem qualquer intenção de comprometer a deliciosa não-novidade a que se propõe, Gehm recruta quatro outros ex-párias da causa JAK e electro de culto – chegou a cavalaria. A abrir as hostilidades temos a sua colaboração com Marco Bendig, que não destoa nada do acid despido mas robusto que tem lançado a solo, nos últimos tempos, em labels como a Solar One Music ou a Suspected. Um banger. Ekman, por sua vez, em consonância com a estética que explora na sua nova casa-mãe, a Berceuse Heroique, avança saturação adentro, alavancando num beat quebrado mas urgente o pull emocional de uma linha escura de 303 e, ao fazê-lo, consegue um efeito Rave completamente febril e demolidor. Em “Beat On A1”, Jared Wilson, um nativo de Detroit com flavour marcadamente Chicago, cria talvez o único momento do EP capaz de nos fazer pensar “eu ainda nunca tinha ouvido esta linha de ácido”; uma melodia de curva mais exuberante – não necessariamente mais magnética – que inspira um ambiente de emergência e crise iminente que é quase contrastante com a síncope mais divertida e bouncy do beat que a sustenta. Por fim, The Exaltics acaba (com) tudo em “About Time”, a composição mais densa do EP. Temos a 303, claro, com pedal de distorção a la Hardfloor (mas sem as layers), montada num beat rápido e contido, que repousa ocasionalmente em abertas onde apenas se agrava o pesar emocional da faixa, continuando, em modo safari distópico, sem esperanças nem medos, pelas ruínas da presente civilização – aqui dada como perdida.

 

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