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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/09/2023

A transdisciplinaridade artistica como modo de vida.

Tristany Mundu: “Os formatos são só formatos. O que me interessa é aquilo que posso criar dentro de uma linha”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/09/2023

Há três anos atrás, Tristany Mundu dava-se a conhecer ao mundo através do álbum MEIA RIBA KALXA, um marco da maturidade que alcançou enquanto artista de música nas vertentes de MC/cantor e produtor, após uma série de primeras experiências assumidamente hip hop, enquanto Tristany TomeOld ou no grupo Monte Real. Desde esse momento em que lançou o seu mais ambicioso disco, o artista de Mem Martins desdobrou-se em vários concertos, mas aproveitou também as portas que lhe foram abertas noutros segmentos da cultura, da pintura e representação à curadoria e à performance, trabalhando sempre lado a lado com o colectivo Unidigrazz, que co-fundou e onde coabita com Diogo “Gazella” CarvalhoNuno “Onun” Trigueiros e Bruno “Sepher AWK” Teixeira.

Depois de ter colocado em pausa as apresentações musicais ao vivo, Tristany volta a subir a um palco nesse âmbito já amanhã, dia 8 de Setembro, como parte do ciclo Manta no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e num formato completamente novo, conforme nos revela numa recente entrevista.



Da última vez que falámos tinhas acabado de editar o teu álbum de estreia. Já passaram três anos desde esse momento e o nome Tristany hoje é algo que transcende (e muito) a música, tendo em conta que te tens desdobrado em várias frentes, como a arte performativa ou visual. Isto era algo que estava nos planos logo à partida ou foram paixões que se foram desenvolvendo dentro de ti consoante as oportunidade apareciam?

É verdade. Já passaram três anos desde a última vez que falámos e muita coisa mudou. O álbum saiu, aconteceram exposições, concertos, e muitas coisas nas nossas vidas mudaram e se transformaram. Retiro grandes aprendizagens sobre isso. É curioso, porque estivemos juntos nas gravações do single que viria a sair, em Janeiro de 2020, do “Mô Kassula” em live, e foi um dia especial que recordo com carinho. Dá uma certa nostalgia, pois foi algo que faz (e fez) sentido, mas agora é algo que simboliza um passado, um marco na minha vida e na minha história como músico e artista. Respondendo mesmo à pergunta, eu sinto que sempre foi algo intencional e bastante específico naquilo que quis apresentar como artista e como músico, que era essa multidisciplinaridade, ou transdisciplinaridade, que me possibilita eu poder experimenta e conseguir introduzir na minha criação, nas obras e peças que produzo e apresento, toda uma possibilidade de existir em vários espaços. Agora, o que eu sinto que foi um pouco mais através do processo, das coisas que foram acontecendo assim e dos trabalhos que acabaram por aparecer, foi o intencionar algo que, se calhar, não conhecia muito bem. Acabei por conhecer outras frentes e outras maneiras de produzir, de falar ou comunicar a criação e a arte. Acabo por conhecer novas pessoas, pessoas incríveis. Trabalhei com pessoas que admiro. Algumas delas não conhecia e passei a admirar pelo tipo de trabalho e pelo tipo de aprendizagem que me têm introduzido, porque eu sinto que tem isto também tem sido uma partilha.

Fala-me um pouco, de forma mais específica, aquilo que tens andado a fazer. Ainda há dias te vi pintar um mural no MEO Kalorama, sei que tens trabalhado em exposições e curadorias e volta e meia integras alguns programas artísticos menos ligados à música. Que tipo de iniciativas mais tens gostado de desenvolver além da arte do som?

Como sabes — e julgo que o resto das pessoas também o sabe — sou o co-fundador do colectivo artístico Unidigrazz, de Mem Martins, Linha de Sintra. Todo o trabalho do MEIA RIBA KALXA foi produzido em conjunto com o Diogo Carvalho, o Rapeppa Bedju Tempu, o Onun Trigueiros e o Sepher AWK. Todos eles trouxeram inputs em obras e em sítios que, enquanto colectivo, pudemos estar. Mesmo como Tristany, e vindo um bocado no sentido da resposta anterior, quero ao máximo não me limitar, sabendo que quero apresentar cada vez mais aquilo que sou e o que posso ser. Quero também poder introduzir a todas as pessoas que gostam e aquelas que não conhecem, mas que irão conhecer, toda a possibilidade de poder existir em várias frentes. Mas isto sempre com uma narrativa, alinhado com uma direcção, ligada a um tempo e um espaço. Quero realçar que, enquanto artista individual, vejo-me não só em cima de um palco ou a fazer um álbum, mas também a estar em galerias, em museus, teatros. Sempre assumindo esta personalidade, que é o Tristany Mundu. Os formatos são só formatos. O que me interessa mais é aquilo que deixo, produzo e posso criar dentro de uma linha, seja ela estética, intelectual, o que tiver de ser.

Em muitas dessas iniciativas contas com o apoio do teu colectivo Unidigrazz. De que forma defines este conjunto de mentes criativas no presente e quais os seus planos que têm para o futuro?

Como disse na resposta anterior, o colectivo Unidigrazz teve sempre muita importância, porque também representa em si uma necessidade de existir enquanto conjunto de artistas. Ao mesmo tempo, queremos sempre ser melhores, trabalhar um bocadinho mais. Sinto que essas culturas alinhadas fazem-me querer todos os dias ser melhor artista. Sinto que todos eles estão alinhados com isto e isso deixa-me muito motivado. Eles continuam a estar presentes nas minhas iniciativas criativas. Aproveito para anunciar que vamos ter agora uma exposição, a partir de dia 15 de Setembro na Galeria Underdogs, em Braço de Prata, mesmo perto da estação de comboio. Deixa-me feliz poder acompanhar artistas que eu admiro. Isso é super estimulante e incentivador. Para o futuro… É claro que o futuro tem sempre muita interferência daquilo que o presente fala. Esse foi, também, dos maiores aprendizados destes últimos tempos. Posso dizer que, para o futuro, como colectivo de artistas que conseguem viver disto, é criar condições para que possamos viver ainda mais e para conseguir fazer coisas ainda mais bonitas, que ainda façam mais sentido, que sejam mais desafiadoras, que dêem mais vontade de trabalhar. Espero que consigamos cumprir com os nossos propósitos de vida, enquanto artistas, como pais, como filhos e amigos. Queremos sentir-nos realizados como seres.

Nos três anos que passaram desde o MEIA RIBA KALXA, não mais voltaste a apresentar novas composições musicais. Em que fase se encontra o Tristany músico? Tens planos para voltar a editar temas novos ou, quem sabe, um álbum ou EP?

Sim. Já passaram três anos, como referimos. Fez três anos dia 4 de Junho. O que tenho a dizer é que estou a trabalhar com vontade e com afinco, alinhado com a minha equipa, com a Ao Sul do Mundo e com todas as pessoas com quem tenho estado a trabalhar. Estou a trabalhar musicalmente e artisticamente com algumas pessoas cuja identidade não posso ainda revelar. Posso adiantar que estou a trabalhar coma Lena The Label, o Joãozinho da Costa, com o Mavá, com o colectivo artístico ARTEPÓLON, Unidigrazz… Posso dizer que vêm aí coisas incríveis. Mas como Tristany Mundo, estou a preparar um trabalho que me está a dar muito prazer de produzir. Não quero ser muito misterioso, mas também não me quero adiantar muito. Só posso dizer que temos coisas a serem ouvidas para o ano.

Creio não ver o teu nome a encabeçar cartazes de concertos há algum tempo e este convite para tocares no Manta vem romper um bocado com esse ciclo, durante o qual te tens focado noutras coisas. Esse afastamento foi propositado? E encaras esta data como uma excepção ou há por aí planos para trazer o projecto musical Tristany de volta à estrada com mais regularidade?

Encaro isto como o meu propósito, mesmo, que é viver disto e ser isto. A música está alinhada e é o grande foco. É a “mãe” de toda a minha motivação para gostar de criar. Deve-se ao facto de eu me sentir confortável para poder apresentar o resultado em palco para mim, para as pessoas que trabalham comigo e para as pessoas que irão ver. O concerto já trará uma junção desses mundos que tenho andar a viver e a vivenciar fora da música. Para além disso, foi propositado todo este tempo de pausa, depois do ano de 2022, porque senti que precisava de conectar e perceber tudo aquilo que tinha sido feito, todo o trabalho que tinha sido realizado, e também para me conhecer melhor — quem eu era e quem eu sou agora. Foi um compromisso comigo mesmo, muito… Posso chamar-lhe revolucionador, que me deu espaço para respirar, para ver-me doutras perspectivas e perceber mesmo o que é que eu quero fazer agora.

De todas as experiências que tens vivido noutros segmentos da arte, sentes que há novas formas de expressão que tenhas adquirido e que queiras implementar nos teus concertos?

Alinhado com o que disse na resposta anterior, define-se mesmo por aí. Quero ao máximo poder apresentar, em todos os palcos em que eu estiver, uma fórmula com todas as probabilidades e formas que eu possa ser enquanto artista. Quero que beba delas todas e apresente uma alternativa daquilo que eu estou a produzir para aquele momento, seja ele um concerto, uma exposição numa galeria, num espaço de teatro, uma performance… Seja o que for, mas que seja Tristany Mundu.

No que toca ao alinhamento musical propriamente dito, tens por aí alguma novidade na calha para dar um toque especial a este espectáculo no Centro Cultural Vila Flor?

Posso adiantar que vou abordar isto como um concerto performático, onde vou estar somente eu e uma pianista, que me vai acompanhar, a Lauriänn. Temos estado a trabalhar no último mês, dois meses. Fomo-nos conectando, conhecendo-nos musicalmente, para podermos chegar a um resultado que só poderá ser visto e absorvido na totalidade no dia 8, no festival Manta em Guimarães.

A última vez que te vimos ao vivo foi no Iminente, onde deste um concerto bastante arrojado e com uma banda mais completa do que em datas anteriores. Em que formato te vais apresentar agora e quais os músicos que levas contigo para Guimarães?

É engraçado, porque eu estou a responder-te pergunta a pergunta e sempre que tu me perguntas algo, eu respondo-te com o que tu me questionas na pergunta a seguir [risos]. É interessante. A nossa linha de pensamento está bué alinhada. Esse concerto do Iminente foi muito especial. Então agora que consegui o acesso às imagens do espectáculo através da RTP Play… Foi o maior formato com que alguma vez me apresentei, desde todo o cenário à preparação do concerto, com toda aquela intenção. Ao mesmo tempo também estava a curar o palco Cine-Estúdio, onde estava Unidigrazz residente com a exposição MEIA RIBA KALXA NA BOCA MUNDU, muito vinda daquilo que foi o álbum MEIA RIBA KALXA. Foi uma formação que me deixou feliz, por todas as pessoas com quem pude tocar, músicos com quem ainda tenho contacto hoje, uns mais que outros. Continuamos a ter uma relação de amizade e ninguém está mal com ninguém. Mas deixa-me contente que, à sua maneira, todos estão a seguir os seus projectos e a fazê-los bem. E como disse na resposta anterior, no Manta vou estar eu mais a Lauriänn, que é uma pianista muito, muito especial, com quem tenho vindo a fazer um trabalho de reconhecimento muito íntimo musicalmente. Deixa-me mesmo muito feliz poder apresentá-lo a toda a gente, neste caso em Guimarães.


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