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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 29/03/2022

Seis anos de MIXTAKES ao vivo.

ProfJam no Coliseu de Lisboa: uma festa privada onde toda a gente foi convidada

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 29/03/2022

Ao longo dos últimos anos, oportunidades para ver ProfJam não faltaram e nós por aqui, aliás, fomos acompanhando essa evolução ano após ano, festival após festival, concerto após concerto – e podemos viajar no tempo até 2015, para Telheiras ou para o Cinema São Jorge, ou até 2019, para o Capitólio ou para a Herdade do Cabeço da Flauta. Múltiplos ângulos que se traduzem em múltiplas entradas para esse universo multicolorido de Mário Cotrim – um que parece expandir-se a cada novo momento discográfico. 

No entanto, há um túnel especial que liga directamente o evento que aconteceu no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, àquele que há seis anos teve lugar no Teatro da Comuna – e o seu nome é MIXTAKES. Nessa altura, em 2016, para a apresentação do projecto, a electricidade que pairava no ar era quase palpável – algo que tentámos pôr em palavras –, existindo aquele sentimento de que estávamos perante uma das próximas big things em Portugal – impressão que revelou não estar muito longe da verdade que o futuro entretanto confirmaria. 

Muito se passou na sua carreira desde então, com o lançamento do seu álbum de estreia, #FFFFFF, e outro colaborativo com benji price, partilhando o palco com Pedro Abrunhosa nos prémios PLAY – no mesmo ano em que até ganhou um prémio de uma maneira discreta com a sua participação na remistura de “Hear From You” –, isto enquanto dava força a uma das marcas mais impactantes do rap português, a Think Music, que findou a sua actividade em 2020. 

Tendo em conta o que se disse anteriormente, o Coliseu de Lisboa (sítio por onde passou há uns bons anos para uma batalha com 9 Miller) era um local suficientemente emblemático para receber esta celebração que voltava a um disco de culto – e fica mais fácil confirmá-lo depois de sexta-feira passada. E como se confere que é, de facto, uma obra especial? Bem, pode-se começar e acabar pela idade geral do público na sala: gente bastante jovem, grande parte entre os 16 e os 22 anos, o que significa que, apesar da passagem do tempo, existe um valor intrínseco nestas faixas que lhes permite relacionarem-se com essa faixa etária – as temáticas, gostando-se ou não do ângulo, funcionam bem para os inquietos que ainda estão a tentar resolver os problemas internos enquanto lidam com o mundo externo e, raramente, compreensivo. 

Ao contrário das últimas vezes que o vimos ao vivo – sempre acompanhado por Mike El Nite e Gui –, ProfJam decidiu levar três músicos novos para palco, RIVA (nas teclas), Gonçalo Lemos (no baixo) e Cecília Costa (na bateria), escolha acertadíssima tendo em conta a qualidade dos arranjos – uma mixtape concebida em Londres e com um carácter solífugo pedia aquela ambiência mais nocturna e jazzy (por alguma razão, III dos BADBADNOTGOOD foi a primeira referência que nos veio à cabeça). O teclista foi o mais expansivo e destacado do trio, enquanto baixista e baterista seguraram com pulsos de ferro o ritmo da máquina.

Voltando à plateia: a ansiedade era tão grande que a abertura, uma banda sonora com dedo de Osémio Boémio que ia buscar um feeling (psicadélico?) que remetia para o trabalho que artistas como os do colectivo Beast Coast propagavam com mais força há uns anos, nem teve a mais adequada das recepções – quem eles queriam mesmo era o “Mário”, a palavra mais usada nos cânticos da noite. 

Um dos melhores performers da sua geração, o rapper de Telheiras surgiu com uma energia renovada – o tempo confinado não teve efeitos devastadores, felizmente – e não só demonstrou proficiência a adaptar-se a este formato de banda como comandou os músicos como um autêntico líder, dando-lhes indicações aqui e ali – em “Hustle”, a segunda faixa do alinhamento, foi logo notória essa sua capacidade de condução. De notar ainda uma nova faceta: a de dançarino – não foram raras as vezes em que o vimos a bailar entre os instrumentistas. 

Visivelmente feliz por regressar a um disco que o marcou e que lhe deu bases para a sólida carreira que construiu, essa alegria foi largamente ampliada pelo acompanhamento em uníssono e bom som de canções como “Festa Privada”, “4 Elementos”, “Além”, “O Espectro” ou “Queq Queres” – esta última seria tocada uma segunda vez no encore. O “prof dos putos da nova gen” – uma linha que, no seu caso, nunca passa de moda e só ganha novos significados com o passar do tempo – deu a sua lição nas ocasiões em que isso se proporcionou, fazendo questão de reforçar que não existiam divisões entre alunos (leia-se público) e professores (leia-se músicos), mas também aproveitou para dedicar faixas a quem já não se encontra entre nós ou, num momento diferente, até chamou Davy Mota Hypnotic, o protagonista do memorável skit de MIXTAKES e uma das grandes surpresas da festa – e um dos momentos mais fiéis à versão de “estúdio”. 

O carácter lisérgico não foi apenas expelido através das letras como foi exponenciado em grande medida pela estrutura de um palco que se foi moldando, criando os mais diferentes tipos de efeitos: um espelho em cima a multiplicar dimensões, a alteração do espaço com uma espécie de tecto falso ou jogos de luzes para dilatar as pupilas e criar o tal efeito alucinogénico – um trabalho extra-musical que aumentou (e muito) os pontos positivos. 

Foi, como se pode perceber, uma noite sublime para celebrar um trabalho e a arte de alguém que não se tem cansado de dar novos mundos ao mundo que é o rap português. MIXTAKES fez parte dessa oferta, tal como #FFFFFF e SYSTEM – e todos acrescentaram nuances, métricas e formas de fazer que não existiam (ou estavam sub-desenvolvidas). Por isso, esta viagem na máquina do tempo valeu, claro, mas o passado já lá está, resolvido e contado; o que interessa agora é o futuro (e um novo álbum que começa com um grito de “WUOW” só poderá ser um bom prenúncio). 


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