Digital

ProfJam & benji price

SYSTEM

Think Music / Sony Music Portugal / 2020

Texto de Alexandre Ribeiro

Publicado a: 10/11/2020

pub

Se ProfJam e benji price fossem a tribunal no final de 2020, provavelmente seriam considerados culpados… de terem hackeado o sistema que regia a música portuguesa, introduzindo o seu próprio conjunto de ideias e estéticas sem que todos os outros se apercebessem que nada seria como dantes depois dessa invasão.

Em julgamento, este SYSTEM, que “tem duas estrelas tipo a Síria”, seria uma provocação directa aos advogados de acusação, uma maneira de dizerem: “foi assim que fizemos, tintim por tintim, é por estes valores que nos regemos… o que é que vão fazer sobre isso?” E a entrada, uma espécie de herdeira espiritual (e versão menos suja) de “UAIA“, é perniciosa com o ego inchado a saltar de rima em rima: de ter “a cara no cinema” ao telemóvel para “onde todos dão o toque”, os dois artistas sabem bem qual é a sua situação actual e não têm qualquer pejo em verbalizá-la.

No blogue Passion of Weiss, Abe Beam descreve com exactidão aquilo que Young Thug é e representa num universo pós-808s & Heartbreak e Tha Carter 3, falando, entre outras coisas, daquilo que é mais importante na sua identidade: não é o que diz, é a forma como o diz. Isto aplica-se a ProfJam, que provavelmente terá caído num caldeirão de expressividade quando era mais novo. Ouça-se o seu verso em “CRÂNIO”, com especial atenção nesta parte vertiginosa: “bro hold my phone, mothafuckas never loved us/ tão a evitar-nos/ tentam etiquetar-nos/ a pensar que não somos eternos/ ainda dão pa tibetanos/ but we snap tipo Thanos/ bro tou muito rijo, titânio/ oh! matar beats é um tique que tenho”.

Neste momento, não é espanto para ninguém aquilo que Mário Cotrim consegue fazer quando está à frente do microfone (e o que executa em SYSTEM é, para o mal e para o bem, um exercício de se manter em forma e não perder a pedalada — e sempre a pensar de uma maneira obsessiva em Deus e no game), por isso o mais importante seria perceber onde é que é João Ferreira ficava nesta parceria, apesar de já termos tido uma pequena antecipação do resultado final em “badman ting“.



Cada vez menos escondido em efeitos vocais (que no início serviram de desculpa para que os mais fechados não o considerassem), aquele que era o faz-tudo da Think Music confirmou os bons apontamentos que deixou nos singles soltos que foi soltando desde “40 oz. freestyle” (2017), passando de obcecado pelos esquemas rimáticos a focado em servir canções. Basta escutar “comer” ou os refrões que deu a xtinto (em “Marfim, por exemplo) para se entender que as prioridades do “cérebro desta merda tipo cão de guarda” foram para outro lado, algo que se nota claramente em “TRIBUNAL”, outra daquelas malhas de um Verão que não aconteceu, “CRÂNIO”, a irmã afastada desta “Havana“, ou “IMORTAIS”, a despedida que ainda não sabíamos que o era em Junho.

Em termos de duplas, é mais fácil localizar estes dois ao lado de projectos internacionais como Drake & Future (What a Time To Be Alive), Kanye West & Jay-Z (Watch The Throne) ou Quavo & Travis Scott (Huncho Jack, Jack Huncho) do que compará-los com Mundo Segundo & Sam The Kid ou Blasph & Beware Jack. No entanto, existe uma maneira de dividirmos o produto nacional em três grupos. Enquanto os primeiros são uma proposta para os mais velhos e os mais novos que ainda procuram ensinamentos numa certa escola mais clássica e os segundos representam um tipo de escrita que vive de neologismos e detalhes visuais que são tão vívidos e reais quanto as suas histórias, ProfJam e benji preocuparam-se em fazer algo que se pode considerar um disco quase perfeito de pop-rap da era moderna: os refrões agarram-se quase todos à primeira (no máximo à segunda…); as múltiplas referências a basquetebol, videojogos, animes e outros elementos da cultura popular e as constantes mudanças de flows e métricas tornam a escuta num exercício lúdico-didático; a selecção requintada de beats é digna de qualquer DaBaby, Jack Harlow, Drake e outros que ocupam normalmente o topo da Billboard Hot 100. E até há música funcional: alguém que arranje o contacto do supervisor musical do NBA 2K22 para metermos a “#24” na banda sonora.

“O nosso objectivo é trazer a cultura hip hop portuguesa para novas dimensões”, dizia-nos benji há três anos, uma frase que acaba por ecoar com mais força quando se pensa neste trabalho enquanto último na discografia da Think Music. Missão cumprida com apresentação de novas maneiras de se fazer em bom português e a estatelar portas para mexer com os antigos costumes do rap ao mesmo tempo que metiam um pé na pop nacional — e foi toda a gente apanhada no seu caminho, desde Pedro Abrunhosa a Ana Malhoa.

Este “sistema” demorou quatro anos a ser pensado, construído e instalado. Se bem conhecemos estas cabeças, a próxima actualização não tardará a chegar…


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos