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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Francisco Soares
Publicado a: 21/09/2023

Depois de Lisboa, a segunda apresentação acontece no Hard Club (Porto), dia 6 de Outubro.

Nelassassin sobre BORDADO: “É dos discos mais importantes que vou fazer na minha vida”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Francisco Soares
Publicado a: 21/09/2023

As melhores ideias precisam de tempo para amadurecer. Que o diga Samuel Mira, um autêntico incubador criativo que não serve timings alheios. Daí que, desde a altura em que congeminou com Nelassassin o crime perfeito, tenham passado anos (décadas, talvez?) até, juntos, o consumarem. Foi, então, a quatro mãos que puseram dedos à obra: o resultado veio em BORDADO, trabalho feito em nome de MÃODOBRA, nome pelo qual responde a parceria que cruza os beats de Sam The Kid e os cuts do Sr. Alfaiate.

Precisamente na tarde em que ambos se preparavam para, horas depois, apresentar este novo disco — que mereceu um preenchido evento na Musa de Marvila, em Lisboa, em que se falou em registo de podcast ao vivo antes da escuta colectiva do álbum e de arrancarem DJ sets dos próprios autores, com Mr. Mute também no alinhamento —, sentámo-nos à conversa com Nelson Duarte, que falou em nome da dupla recém-oficializada para desenrolar o novelo desta maratona que virou sprint criativo.

E para quem não teve a oportunidade de testemunhar a apresentação do disco em tempo real, há ainda uma nova data para assinalar este lançamento: depois da estreia do projecto em Lisboa, o par sobe ao Porto para mostrar os pontos deste BORDADO no Hard Club, a 6 de Outubro, num evento que conta com Nameless enquanto anfitrião, ReKall e by.Slice ao comando dos pratos e TOM num live act em nome próprio.



Como é que pensaram este evento de apresentação, desde o podcast ao vivo até aos DJ sets de cada um?

Isto foi pensado um bocado por mim, eu é que meto a pilha no Sam [risos]. Basicamente, o álbum estava feito e, assim que o master e o artwork foram fechados, comecei a pensar em veículos para o divulgar. E, hoje em dia, os lançamentos, por serem maioritariamente em digital, acho que acaba por ser… não direi pobre, mas não há…

Um momento solene.

Ya, sabes? Não há aquele cuidado de… isto é um disco, isto é tipo um filho. E a meu ver — e do Sam também, de certeza —, queria dar outro tratamento ao disco. Primeiro, porque este disco é bué importante para mim, por eu ser um scratcher conhecido aqui e por ter a minha linha de scratch. Depois, por ser com o Sam, e por ser uma ideia que já vem de há muitos anos, que não conseguimos concretizar por várias razões; porque nunca aconteceu. E é, realmente, dos discos mais importantes — eu tenho noção disso — que vou fazer na minha vida. Porque a fusão entre mim e o Sam sempre foi forte, e eu próprio deixei os campeonatos para poder trazer o scratch musical ao de cima. Como no Rimas e Batidas disseram — e muito bem — é uma fusão importantíssima para a cultura. Todos esses motivos fazem com que não meta [o álbum] só nas plataformas. Não, man. Main event. Quando merece, merece. E este disco, eu sei que merece isso. 

Conhecendo a própria maneira de trabalhar do Sam, os projectos em que ele se envolve são pensados durante muito tempo antes sequer de começarem a ser feitos. Quando é que começaram, então, a por mãos à obra?

Boa pergunta, porque não foi uma realidade até há muito pouco tempo — relativamente aos anos que já falávamos disto. Falávamos disto… não vou dizer desde “O Ideal”, mas…

Ainda hoje ouvi essa faixa.

A sério? Fogo… [risos]

Mas, afinal, em que momento é que começaram a criar este trabalho?

Foi numa jam session no estúdio. Eu liguei ao Sam, para irmos para estúdio, porque tinha uma compilação, a Break Ya Neck, que era para sair e não saiu, ficou em águas de bacalhau. E eu juntei as peças muito rapidamente. Comecei a lembrar-me de há quantos anos falávamos disto e disse, “É agora”.

E, depois dessa jam session, como é que foi o processo de selecção dos beats? Chegaram a produzir novos?

Chegámos a produzir novos, outros que o Sam já tinha, foi uma mistura. O “Na Missão” foi o primeiro tema a ser feito de raiz. A cena, por mais incrível que pareça, saiu tipo manteiga, mesmo. Eu já sabia, à partida, que tinha pernas para andar, porque nós vínhamos a alimentar isso há anos. Eu já faço cuts nos beats dele, mesmo sem ele saber, e isso já é MÃODOBRA para mim; já é uma preparação de há bué tempo.

Todo o conceito de MÃODOBRA e BORDADO remete para pôr as mãos na coisa, quer nos cuts, quer nos beats feitos em máquinas analógicas. Como é que chegaram a esses conceitos mais visuais?

Isso, por acaso, deixámos a cena fluir, porque a música era a prioridade. O nome é um nome, apesar de ser uma cena importantíssima. O álbum já estava quase feito, e o Sam, numa conversa do WhatsApp, escreveu “MÃODOBRA” na brincadeira. E eu até disse que não, mas passado um mês ou assim eu disse, “Este nome!”. E BORDADO foi a mesma coisa.

Quando apresentaram o projecto na noite curada pelo Sam The Kid no Lux, o álbum já estava fechado? Aquilo que vocês mostraram já era o álbum completo?

Posso dizer que sim. Depois, foram os últimos retoques. 

E planeiam fazer mais vezes um concerto desse género?

Bem…! Isso é uma cena que eu até já falei com ele. A minha intenção era levar a cena para a estrada, a do Sam não era tanto. E chegámos ali a um acordo que até fez sentido: fazermos uma actuação em Lisboa e outra no Porto, mesmo de apresentação do disco. Lá está aquilo que eu te disse, o disco merece a presença física. 



Como é que foi o teu envolvimento para lá do scratch? A parte da produção foi feita a dois?

Não, foi muito estarmos no estúdio os dois. Não foi, “Manda-me o ficheiro…”

Para quem vê de fora, a sensação que fica é que um fez beats e o outro fez o scratch.

Mas era isso mesmo que a gente queria, só que eu também meti dedo nos beats, e o Sam também meteu dedo nos cuts. 

Então, para ti, quais foram os grandes desafios a nível criativo? Até porque estavas a dizer que esse processo fluiu facilmente.

Sim, foi muito fácil. Não foi fácil fazer, mas foi tudo muito intuitivo, sem bloqueios nenhuns. Houve faixas que ficaram de fora, umas quatro ou cinco. 

Isso aconteceu para respeitarem uma linha sonora mais acelerada?

Sim, aceleração. Bangers. Isso foi um bocado mais da minha parte. A selecção dos beats foi um bocado mais o meu trabalho.

No concerto do Lux, o Sam até lhes chamou “beats de fazer cara feia”.

É um bocado, porque normalmente os discos de cuts é uma cena muito fechada…

Muito técnica?

Técnico e fechado. There’s no funk in it, you know? Não vou falar dos Invisibl Skratch Piklz ou dos X-Ecutioners — esses são os reis do funk. Agora, assim, desta maneira, ires buscar um producer, fazeres uma triagem de beats… Porque eu sou funky, a minha cena é funky. Por mais que o beat seja hardcore, vais ter sempre groove ali. E eu quero que as pessoas oiçam o álbum e não digam que é um álbum de cuts. Não era a minha intenção fazer isso.

Não cair no excesso de scratch?

Não, não quero. Eu quero que tu cantes a cena. Não está lá um vocalista, mas eu estou a scratchar vozes, estou a dizer alguma coisa. E eu quero que tu cantes isso. A minha intenção é tu cantares como cantas os outros sons. E quero que tu dances. Para mim, a música está acima de tudo. Eu sou um veículo que está a fazer a cena. A música é tudo para mim. Tudo o resto é um bocado extra. Eu faço música em prol da própria música.

O teu processo de diggin’ foi muito diferente do que é habitual, ou seja, tinhas um foco mais definido para o que ias à procura?

Não, foi freestyle. Por isso é que eu te estou a dizer que foi jazz shit. Cuspir nos beats. E, depois, quando vejo uma cena que soe fixe, eu arranco. Isso é que me dá o arranque para eu acabar a faixa. 

Ao fim destes anos todos, é mais fácil estares a ouvir um beat e vir-te logo uma frase à cabeça?

Sim! A primeira faixa, que é o “Toque”, tem lá uma voz do Ghostface Killah que eu disse, “Tenho de scratchar uma cena do Ghostface” — e já me deu a ideia para ver aquele a capella. 

O DJ Yoke dizia há uns anos, numa entrevista ao ReB, que os DJ de hip hop em Portugal são postos na sombra. Qual é a tua perspectiva sobre o panorama actual do DJing nacional? Sentes que isso continua a ser uma realidade?

Faz sentido o que o Yoke disse. Isso realmente acontece, porque não é uma linguagem universal — é uma linguagem universal num nicho. Não sai fora do nicho e consegue tocar nos outros. Acho que ele tem razão no que disse, mas, primeiro, há mais DJs, há mais people a fazer scratch. Há 20 anos, eu não via putos a fazerem técnicas complexas. Hoje, vejo. Portanto, está aí uma evolução. Mas, para responder à questão do segundo plano, se tu fores a ver, sempre foi um bocado assim. Não sempre: tu não vais falar dos Run DMC sem falar do DJ [Jam Master Jay]. Mas ele fez questão de ser um membro da banda. Eu acho que isso é o trabalho de cada um porque, no geral, nunca vai acontecer isso — porque há uns que curtem mais a cena técnica, e isso obviamente que te fecha. E esse é um dos motivos de eu ter escolhido a música acima do scratch. Eu quero é fazer música que a minha mãe oiça, que a minha filha oiça, pessoas que se calhar nem costumam ouvir aquilo. E eu acho que é isso que falta, também. Porque se tu ficares numa cena muito técnica, tem esse lado mau: só os nerds é que… Eu, sinceramente, cheguei a um ponto que… também fui dos campeonatos e só queria ganhar, mas, primeiro, isso é uma cena de ego — não é fixe querer ser o melhor do mundo. A parte técnica, em qualquer coisa, é prática. E música não é bem assim, já mexe com feelings. A técnica não põe uma pessoa a chorar. Cria a emoção do fascínio, mas não cria várias, todas — não tem as camadas todas. A música tem. Não descredibilizando, porque eu venho daí. Mas eu escolhi. Era só técnica, técnica, técnica, e esqueci-me da música. 

Quando dizes que há mais DJs, estás a falar dos que são mais técnicos? Será que há mais gente a fazer música enquanto DJ?

Não… Isto é uma cena um bocado inédita. Há mais people a cortar em sons de rap, a fazer cuts de refrões. Mas um álbum dedicado a isso, e que consiga furar outros ouvidos, é inédito.


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