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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/02/2023

Cultura até à última gota.

SUMO (de Sam The Kid) no Lux Frágil: pôr a alma no que sentes

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/02/2023

“Triste fim tipo Marvin Gaye/Tanto aparato e não vinguei”, cantava Blasph em 2013, na faixa “Chipalas”, tema inaugural de Frankie Diluvio, Vol.1, último longa-duração (considerando Stracciatella & Braggadocio um EP) do rapper da Margem Sul a solo. Dez anos depois, o Blasphemia viria a vingar — e com vislumbre de um Marvin Gaye de “Let’s Get It On” em palco na mesma noite de 24 de Fevereiro.

SUMO, a estreia de Samuel Mira na curadoria de noites com carimbo TV Chelas (confirmadas pelo embaixador da Chelas É O Sítio com uma cadência anual daqui para a frente), traz-nos ao Lux Frágil bem mais cedo do que uma sexta-feira pede. Antes das 23 horas, já a procissão vai para lá do adro, Santa Apolónia fora. Esta noite, o dress code ou o rácio entre boémios, boémias e boémies não são factores determinantes à entrada; mas o que é facto é que a lotação do piso subterrâneo não é larga o suficiente para tanta gente. Os últimos a chegar terão de se contentar com os turnos revezados entre a tríade de DJs escolhida para o durante e o pós-sessão, também ela tripla, no piso bar: MÃODOBRA, VLUDO e CLASSE CRUA, para começar. Na dúvida, tudo em garrafais, que os respectivos elementos — e as respectivas criações — não são para menos, como o mestre de cerimónias Sir Scratch faz questão de assinalar.

Em Sam The Kid está o elo de ligação que une os três actos. O rapper e produtor de Chelas protagoniza um triplo-duplo de actuações escaladas por três duos que ele próprio encabeça. O primeiro será o último a apresentar trabalho editado, depois de o desvendar aqui: sobe Nel’Assassin a palco, já com a cave do Lux cheia até mais não, ele que, sob o alter ego Sr. Alfaiate, aparece vestido a rigor qual anfitrião — de gorro e uma espécie de robe listado (agora sim, feliz início tipo Marvin Gaye) —, e arranca com o lançamento do “calhau” (do “padragulho”, mesmo) numa sessão de riscos em “beats de fazer cara feia”. Palavra de Samuel Mira. 

Honras feitas à frequência por excelência do subsolo de um dos mais célebres espaços nocturnos da capital, chega a hora de dar rimas às batidas saídas da mesa do DJ. Termina uma estreia, começa um clássico. Sai o primeiro DJ, entra o segundo. Desce a dupla inaugural, sobe uma dupla ao quadrado. Sam deixa-se ficar no seu lugar, DJ Maddruga prepara o posto que lhe é deixado vago, AMAURA enquadra-se na sua posição, e entra Beware Jack por último, com sorriso reguila e olhar traquina — expressão que havia de o acompanhar ao longo da sua sumarenta performance. 

A receita só Fábio Timas sabe. Mas vê-lo num espírito tão bem alinhado com a própria importância da noite em questão revela-se especialmente contagiante. Luva negra ao alto (com o devido par calçado na primeira fila), microfone em pega espirituosa, olhos num abre-e-fecha intermitente, piruetas em câmara lenta, refrões de joelho ao chão… e sempre o mesmo sorriso, tão danado quanto rasgado, como quem sabe que está, constantemente, na iminência de sacar um full house da mesma luva.

Casa cheia e ao rubro com estes quatro trunfos de diferentes naipes, que passam a pente fino o alinhamento delineado à volta do homónimo CLASSE CRUA. E a finura introduzida no segundo acto — o mais longo — chegara para ficar para o terceiro e último. Com a tinta de DEDOS FINOS ainda fresquíssima, a primeira amostra ao vivo de VLUDO fora agendada para um par de dias a seguir à edição do disco que junta outro Fábio (que já havia feito parceria com o anterior n’OPROCESSO) a Samuel. 

Blasphemia, Frankie Balázio, Frankie D., Diluva e tantos outros aka quantas referências a icónicos jogadores de futebol espalhadas no trabalho em maior evidência nesta noite. SUMO pode bem ser o bolo, mas todos viemos, sobretudo, pela cereja: ver o recém-nascido fruto da união entre Blasph e STK (“Pacinos e De Niros”…) concretizado em palco, com a expectativa de ver um MC que transpira carisma e coolness sempre que pega num microfone — e, mais ainda, ver em primeira mão mais um estonteante verso do autor de Pratica(mente), desta vez em “PATRIMÓNIO”. E é isso que nos deixam: um espólio imaculado, sacado do disco para o palco, exposto já com o terceiro artesão dos pratos, DJ Kronic, presente — infelizmente, sem Jay Fella; felizmente, com AMAURA e TOM.

De uma ponta à outra, Blasph percorre, de forma irrepreensível, o guião traçado em fita aveludada. A estrela é como Karel Poborský em ’96, Gianfranco Zola com pormenores deliciosos, Nakata no Parma, Radamel na área, Zidane no meio-campo, Simão Sabrosa versus Liverpool; most valuable player numa noite de “Champions e Libertadores”, a jogar, confortável, em casa — garante Sam —, rodeado pela nata do hip hop nacional — garante Sir Sratch. “Onde o Diluva joga argila, ninguém barra como ‘ele barra’”. Faz “Ondulação”, e abandona o barco.


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