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Publicado a: 06/12/2016

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[TEXTO] Rui Miguel Abreu

Sam The Kid é uma certeza desde que trocou as voltas ao fado de Dulce Pontes para ilustrar a sua própria estranha forma de vida, já lá vão uns anos. Entre(tanto) marcou uma estreia que, apesar de toda a ingenuidade e imperfeições técnicas, já garantia originalidade e força a quem quisesse ouvir para lá da forma. Sobre(tudo) reafirmou as certezas e elevou a fasquia para si mesmo – melhores valores de produção, rimas mais elaboradas… E depois veio Beats Vol. 1 – Amor – um disco que ninguém esperava: nem o hip hop, nem o resto. Samuel afirmou-se artesão de sons, guardião de um certo sentir português, talvez por procurar nas velhas rodelas de vinil os pedaços significantes desse tal sentir. Sem a barreira das palavras, a sua música ofereceu-se assim mesmo, livre e aberta a todas as interpretações. Mas esse era só meio Sam. Por inteiro, com todos os ângulos cobertos, com todas as entradas e saídas bem assinaladas, com tudo no sítio, só mesmo agora. Pratica(mente).

Ao chegar ao novo álbum de Sam The Kid, a certeza que me assalta é a de que este é provavelmente o primeiro álbum de rimas e batidas de colheita nacional que foi pensado antes de ser executado, que foi projectado e ponderado antes de ser fixado em estúdio. O hip hop nacional já chegou à idade adulta há muito tempo e pelo caminho já deixou obras de valor considerável. Mas, de diferentes maneiras, são maioritariamente colecções de momentos, reuniões de ideias dispersas cuja coerência é atribuída à posteriori pela própria edição que depois obriga todos os temas a conviverem na mesma embalagem e a encaixarem-se uns nos outros. O fôlego de Pratica(mente) é diferente: em cada rima sente-se o trabalho de refinação que Sam se impôs a si mesmo – já não são apenas as rimas no final de cada estrofe e um par de rimas intermédias, mas uma autêntica escultura de sentidos em que cada palavra só é usada por ser a palavra certa naquele contexto. Um exemplo: “Eu sou/a percentagem que a sondagem nunca mostra, eu sou/a mente exausta da miragem mal composta, eu sou/a indiferença e a insatisfação/eu sou a anti-comparência/eu sou abstenção.” E quem não se identifica com o que ele diz, pode sempre maravilhar-se com a forma escolhida para o dizer…

Musicalmente? Tudo funciona. A produção foi elevada a outro nível e maximizada pelas possibilidades de estúdio e humanas (há linhas de baixo mais orgânicas, músicos que polvilham a paisagem de samples…) e nos seus melhores momentos é brilhante. O beat de “Negociantes” não destoaria em Late Registration, por exemplo.

 


 

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Texto do arquivo de RMA

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