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Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 04/08/2023

Navegação em porto seguro.

Ghosted no Jazz em Agosto’23: num cruzeiro com os pais

Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 04/08/2023

Três dias. Três trios. No ocultismo dos números, ferrar âncora. The Attic, no passado dia 01 de Agosto, Zoha Amba Trio (dia 02), ontem Ghosted com Oren Ambarchi (electrónica), Johan Berthling (contrabaixo e baixo) e Andreas Werliin (precursão). Três trios, uma mulher. Jazz e a electrónica, intersecções cada vez mais frequentes.

Na edição do Jazz em Agosto do ano passado – Nicole Mitchell & Moor Mother, Rob Mazurek – Exploding Star Orchestra, Anteloper [pequena, mas sentida homenagem a jaimie branch], Damon Locks – Black Monument Ensemble, Pedro Carneiro & Rodrigo Pinheiro, Nate Wooley’s Seven Storey Mountain VI. No panorama nacional, lista resumida e mesmo muito mínima – O Carro de Fogo de Sei Miguel, Luis Lopes ABYSS MIRRORS, Vicente/Marjamäki, Lantana, Má Estrela, Betas, Farpas, Pedro Melo Alves Omniae Large Ensemble, mais recentemente o duo de David Maranha & Rodrigo Amado e falha irremissível não mencionar o excepcional, quanto longevo trabalho de Carlos Santos nas suas incontáveis colaborações. Como nota de actualidade, destacar o seu mais recente álbum como elemento do Suspensão Ensemble.

Electrónica e jazz, dois estilos que têm encontrado um campo de trabalho comum, tanto na expansão, como no aprofundamento do que comumente, e à falta de melhor expressão, se designa como “novas sonoridades”, no quanto de equívoco e pretensioso existe nela. Dia 3 de Agosto, voltar sempre a ele como referência, e sublinhar Oren Ambarchi. Compositor australiano que tem desenvolvido uma pesquisa em torno das “longas formas rítmicas”, na utilização da repetição enquanto elemento compositivo, micro-sons e um encadeamento sonoro em perpétuas combinações mutáveis e próximas, convergindo para uma discografia merecedora de curiosidade em constante construção. Não por acaso, Shebang (Drag City, 2022), e a fatia de bolo de aniversário na capa (premonitório?), na lista dos álbuns do ano para publicações tão diversas como – The Wire, Pitchfork, The Quietus. Oren Ambrachi e a reminiscência do concerto a solo nas Noites de Verão, Museu Nacional de Arte Contemporânea (Agosto de 2019). Memórias entre as esculturas, mas ainda hoje nada ténues.

Oren Ambarchi, novamente e merecidamente, porque desde o início do concerto se assumiu como o condutor do trio – Ghosted. Ghosted, no que os próprios descrevem como – “um fascínio com o ritmo e uma miríade de possibilidades que se pode encontrar na subdivisão de cada beat“. Assim foi. Ambarchi nas electrónicas, na decomposição do elemento sonoro, na procura de uma esteira e equilíbrios entre o contrabaixo/baixo de Johan Berthling e a precursão de Andreas Werliin, bateria e conga. Toada melódica e persistente. Composição paulatina. Ambarchi no comando. Notas em loop na bateria/conga e, sobretudo, no contrabaixo/baixo. Começo auspicioso, com Ghosted como um hipotético norte em pauta. A ideia apelativa de um presente que se vai construindo sob sucessivas camadas de um passado, não necessariamente materializável, antes feito de imagens difusas e que não correspondem a um tempo fixo, próximo de um universo que tão bem Mark Fisher teve a oportunidade de escrever sobre. Mas, e como fogo de Santelmo foi lampejo. A toada morna continua. É cruzeiro em águas calmas. Navegação em porto seguro. Apetece ir de encontro a Moretti e, como ele e com ele, gritar – “Acrescenta dissonância! Estampados sim!” Nada. Toada naturalista, pinceladas leves. O prolongamento do gesto. Um momento familiar a certa ideia de kraut. O barco não arranca. A sensação que se esteve próximo, nunca lá. A tartaruga em ramada de uva verde. A impressão fria como o vento da noite. E nem o encore.


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