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Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 03/08/2023

Que jazz é este?

Zoh Amba Trio no Jazz em Agosto’23: grito em manifesto

Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 03/08/2023

A incerteza é norte em mapa. O caminho cada vez se faz mais em arrecuas e por vielas travessas do que propriamente caminhando. Por treliças em equilíbrio periclitante. Pequenos sinais orientadores e que permitem antever uma noite que já de si alimenta a grande curiosidade. Antes do início do concerto de Zoh Amba Trio, cruzamo-nos com a Mariana Dionísio. Mulher e jazz, capaz de apresentar sempre exercícios com a nota em sublinhado duplo — obrigatório ver. Nova nota, de nostalgia e tristeza, por não termos podido assistir à sua mais recente apresentação – “Leida“. Mariana Dionísio e o primeiro sinal que o concerto de Zoha Amba Trio é, também ele, para anexar anotação em duplo sublinhado – ver com toda a atenção. De outros atributos se enche, igualmente, o palco do auditório ao ar livre da F.C. Gulbenkian para a sétima noite da edição de 2023 do Jazz em Agosto. A minimal ocupação do palco coloca no lado direito a bateria de Chris Corsano, minúscula somente no tamanho, e no lado oposto o contrabaixo de Luke Stewart, uma presença tão assídua quanto necessária, seja paredes meias com o Bogotá ou em Cacilhas em concertos organizados pelo Colectivo Tundra. Ao centro, Zoh Amba com calças em tons laranja, longe de apontamento fashionista, a remeter para um campo de papoilas sem fim. Livre exercício no saxofone, em registo acelerado, acuradamente calibrado e com um fulgor que deve ser assinalado.

Se as referências a Albert Ayler são abertamente assumidas, o facto de ter editado o seu primeiro trabalho (O, Sun) pela reputadíssima Tzadik reforça estatuto, mas tudo isto se apagaria se não se sentisse uma convicção própria com que conduz o saxofone tenor. Um grito em manifesto. Aproximadamente uma hora, se foi mais que nos perdoem, pois o tempo voou, em registo comprometido, com um discurso musical, sem dúvida, mas carregadinho de uma voracidade e urgência que naturalmente se poderia transcrever para texto escrito. São os três claramente um trio. Não é explanação de evidência matemática, simplesmente refutar a ideia de que Luke Stewart e Chris Corsano, pela sua experiência, serviriam como corrimão de apoio. Muito longe disso. Três aqui corresponde a um. Ritmo e espaço. Corsano, numa bateria mínima, a fazer o que tão bem nos tem habituado – pequenos gestos, em gastos de energia executados ao ínfimo pormenor para amplificação sonora. Cada objecto a lembrar uma miniaturização da escala 1:1, mas que nas mãos do baterista nova-iorquino ganha clarão ao alcance de poucos. Luke Stewart e o contrabaixo como prótese de um corpo gigante. Arrancadas, acariciadas, as cordas são mais um elemento do discurso. E sempre assim será enquanto em palco está também Zoh Amba. Um ardiloso processo de construção e composição e que ora nos remete para um universo mais próximo do free jazz, ora para estruturas aparentemente mais tradicionais. É aqui que reside o encantamento da noite de 2 de Agosto de 2023. Encontramo-nos perante a véspera de acontecimento marcante. A pergunta “que jazz é este?”. Interrogação, pensamos, com todo o cabimento. Há originalidade no discurso. Há o amarrar de diferentes linguagens e a capacidade de desenhar tangentes várias, que concluem, ou pelo menos permitem antever, um universo novo e particularmente cativante. Atribuir-lhe o epíteto de um dos concertos da edição deste ano é tão desnecessário como medalha em peito de general, mas acrescentar nova nota é fundamental – seguir em cada e todos os momentos o percurso da saxofonista do Tennessee. A idade jamais será condicionamento.


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