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Publicado a: 30/07/2018

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[TEXTO] Miguel Alexandre

Hive Mind representa a relação de irmandade que o grupo de Los Angeles tem construído ao longo dos últimos anos, especialmente desde o lançamento do seu álbum de estreia, em 2011. Nunca os The Internet soaram tão coesos, assumindo desta vez o papel de um só organismo: um que pensa e actua de uma só maneira. A necessidade de uma união surgiu numa altura em que os cinco membros se afastaram para prosseguir projectos a solo – Syd e Matt Martins lançaram álbuns em nome próprio, enquanto Steven Lacy teve mão pesada na produção de DAMN., de Kendrick Lamar.

Tal como um organismo, cada membro encarrega-se da sua própria função com o objectivo de dar vida a este novo corpo, que se estende ao longo de quase 1 hora: Hive Mind é o resultado de uma longa conversa entre os ternos e lustrosos vocais de Syd e a sua secção rítmica, comandada pelo certeiro baixo de Patrick Paige II, que entra e sai nos compassos, escora entre versos e cambaleia nos momentos mais contidos e incertos. A música balanceia entre a teoria e a prática: quando na primeira apresenta uma personalidade onde coabita a inocência; na sua execução, reina a ambição desmedida. Aliás, The Internet não começam acanhados e exprimem-se com força em “Come Together”: um convite mordaz ao ouvinte para conhecer esta nova faceta da banda –  um toque sereno que reúne os ritmos cálidos de Sly & The Family Stone e as texturas ricas em sentimento e espírito de Marvin Gaye: as batidas são definidas, mais ousadas, introduzindo uma vulnerabilidade sintética, mas ao mesmo tempo cheia de realidade e autenticidade.

O álbum segue o mesmo percurso daqui para a frente: pesado e escorregadio na sua produção, fazendo referência aos tempos de Soul Train, tal como grande parte dos seus contemporâneos faz agora. No entanto, Hive Mind é uma filiação livre de constrangimentos, como se a cada tema o grupo fosse reerguer algo que estava disperso no passado, acabando por constituir um trabalho consistente que faz tanto sentido quer nos anos 70, como em 2018. “Come Over”, o segundo single, é a perfeita abordagem a este conceito: música tida como algo sumptuoso que salta com frequência entre os campos da fisicalidade e da sensualidade, do afecto e da feridade — sempre resguardada, elegante e brunida.

 



O suspense é outra força em grande medida aqui. Syd fala maioritariamente sobre sedução: uma sedução que pode ser unilateral, inocente, mas ao mesmo tempo tentadora. Hive Mind vive nos momentos ansiosos e empolgantes de vários cenários de amor juvenil, sendo estes, entre outros, enviar a primeira mensagem à tal pessoa que não nos sai do pensamento, convidá-la para sair à noite, levá-la a casa e, quem sabe, passar a noite com ela. A cantora não fica a meio termo nas suas palavras, e expressa o seu desejo em momentos como: “I just hope you know that it gets better with time”, “I’m tryna get you in the right mood”, “maybe you should just stay the night” ou “what do I say if I see hesitation?/ what do I do if she walks away?”

Contudo, a carga emocional não se reflecte com a mesma intensidade ao longo das faixas seguintes. A segunda metade perde-se um pouco na sua própria sonoridade e o grupo opta por priorizar a acessibilidade acima de tudo. Temas como “It Gets Better (With Time)” ou “Next Time/Humble Pie” afastam-se das melodias distintivas e cativantes dos números de abertura deste disco. É também difícil perceber como determinadas situações afectam Syd, uma vez que a sua voz mantém-se suave, delicada, mas também temerosa ao sair da sua zona de conforto. Assim, a emoção pretendida permanece ambígua, pois o colectivo falha ao tentar tornar cada momento de Hive Mind único e, à sua maneira, tentador.

Enquanto Ego Death, o anterior trabalho, excede na sua peculiaridade e devoção artística, este novo esforço torna-se rapidamente fatigante ao tentar transparecer cada música como igualmente interessante em comparação a anteriores. Se é difícil resistir à produção austera de “Wanne Be” ou às mecânicas hip hop de “Look What U Started”, o mesmo não se pode dizer de “Hold On”, a última música, que, em movimentos lânguidos, se torna principalmente num típico cliché do r&b da década de 80 e 90 – o que podia ser uma bonita aproximação de “Have You Ever”, de Brandy, ou até mesmo “A House Is Not a Home”, de Luther VanDross, acaba por se apresentar como uma canção vagamente alinhada com o estrépito da pop desses mesmos anos. Em Hive Mind, os The Internet expõem o melhor dos seus respectivos talentos individuais, mesmo quando a conexão nem sempre é favorável.

 


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