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Publicado a: 29/03/2017

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[TEXTO] Amorim Abiassi Ferreira 

2017: o planeta roda e nele ouve-se a influência do trap vindo dos Estados Unidos e do grime de Inglaterra. Algum deles é novo? Não. Só que ambos, desafiando as expectativas dos mais cépticos, instalaram-se confortavelmente nos ouvidos do grande público. O que separa o grime do trap é o facto do género de origem britânica já ter tentado esta façanha há alguns anos, mas sem nunca conseguir que o apelo crossover encontrasse solo firme. O sinal mais concreto de que as coisas tinham mudado chegou através do lançamento de Konnichiwa de Skepta. No entanto, se o MC de Tottenham esteve presente ao longo da história do grime, qual será o aspecto de um novato que apenas se afirma na segunda geração? Bom, ele vai, certamente, parecer-se bastante com Stormzy.

 



Ok, vamos deixar o contexto de lado e atacar a “chicha”. Stormzy, o MC britânico que tem conquistado relevância nos últimos anos, lançou o seu antecipado álbum de estreia. Na capa de Gang Signs & Prayer, ele recria “A Última Ceia” com os seus camaradas. Esta escolha não é minimamente superficial e isso fica provado pela quantidade de vezes que o disco toca na temática da fé e a importância que esta tem para o artista.

Sonicamente, o grande pecado do álbum é estar tão bem organizado como carne picada. Isto é: de música para música, passamos do 0 aos 100 e, de repente, entramos noutra música lenta. Sinceramente, não acho que nós, enquanto seres-humanos, consigamos sentir o pára-arranca como uma experiência agradável. Não tenho dúvidas de que esta decisão, num álbum com produção executiva de Fraser T Smith, foi totalmente propositada; mas pergunto-me se realmente o risco valeu a pena. Se esta aposta não resultou, então as outras todas recompensaram. Stormzy canta melodicamente na quarta música, “Blinded By Your Grace, Pt.1”, e faz de “21 Gun Salute” uma das mais inventivas faixas de “mas quem é que manda aqui, afinal” dos últimos tempos. A juntar às anteriormente mencionadas, outros temas mostram o MC a explorar um lado mais terno, que faz desta estreia um disco maduro e ponderado. Mas não se preocupem: se puserem o álbum a tocar em busca de grime que bate (quem não?), serão rapidamente servidos em força com “Cold” ou “Big For Your Boots”.

 



Olhando para o panorama internacional, o rapper do Reino Unido pode ser colocado ao lado de Chance The Rapper: dois artistas emergentes que carregam a fé com tanto orgulho quanto a própria identidade. Ainda assim, existem diferenças para além do género musical. Enquanto Chance vê a religião como algo que o liga à comunidade, Stormzy vive a sua relação com o cristianismo de uma forma mais introvertida e pessoal. Gang Signs & Prayer é exactamente tudo o que o título indica: uma mistura quase blasfema entre religião e a vida que as ruas impõem e escrita transparente sobre os altos e baixos dessas mudanças bruscas de ambiente. “Lay Me Bare”, a música que fecha o disco, é a que melhor harmoniza estes dois lados. Se aponto ao disco a necessidade de reordenar músicas, não posso negar a qualidade do seu conteúdo. Stormzy arriscou a sério para criar um disco que conquistasse o público e que conseguisse catapultar o grime para ainda mais longe.

A 3 de Março, Gang Signs & Prayer atingiu o primeiro lugar do top de álbuns do Reino Unido. Até hoje, nunca um álbum de grime tinha conseguido este feito.

 


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