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Publicado a: 25/05/2017

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[TEXTO] Rute Correia [FOTO] Direitos Reservados

Bem sabemos que a personagem esconde o rosto de dois produtores, mas Roger Plexico é sinónimo de unidade, pelo que o trataremos com o respeito devido. Where The Sidewalk Ends é uma continuação orgânica ao trabalho de arquitectura paisagística começado em Junho de 2015 com No Man’s Land. Com o espírito aventureiro de quem desbrava os montes desta vida com a sabedoria da descoberta, a jornada de Plexico faz-se agora menos sombria e, também, menos dispersa. De música em música, cada pedaço do EP assume-se como passo necessário a esta viagem.

Musicalmente, é um trabalho substancialmente mais rico do que os anteriores. Aos sintetizadores e às programações, junta-se agora a bateria de Pedro Vasconcelos e, num dos temas, a guitarra havaiana de Pedro Vidal (que também ajudou na gravação). E eis que somos atirados para dimensões mais profundas – a música que se agarra a nós, como se fosse inevitável. Ouvir Roger Plexico é dar-lhe a mão de olhos fechados e aceitar que Slimcutz e Taseh nos guiem por caminhos inesperados, onde a contemplação parece ser a chave de um processo de revelação. As melodias, as texturas e as composições que nos oferecem desta feita são mais homogéneas, oferecendo a consistência que um registo deste calibre pede. Há toques de jazz, de funk, de hip hop e de uma electrónica ambiente e semi-futurista que quase ficava perdida no século passado, mas nunca há dissonâncias. Se os altos e os baixos do disco anterior às vezes nos pareciam ligeiramente abruptos, a maturidade com que os dois artistas da Monster Jinx desenham a vida da persona que criaram acaba por solucionar esse problema.

 



Em cinco dos seis temas do EP, visitam-se outros cantos do mundo onde a humanidade tentou reinar noutros tempos: um hotel abandonado (“Grossinger’s Catskill Resort”), um parque de diversões sem sorrisos (“Guliver’s Travel Park”), uma montanha russa que sucumbiu à força da natureza (“Jetstar Rollercoaster”), um farol erguido num rochedo perdido algures entre os mares do Japão e de Okhotsk (“Aniva Rock Lighthouse”) e um castelo à espera de ser totalmente demolido (“Chateau de Noisy”). A excepção leva-nos, mais ou menos a meio do registo, ao relevo espacial do “Valle de la Luna”, no deserto de Atacama no Chile, numa espécie de paradoxo existencial – afinal, foi preciso ir onde o cenário se define pela aridez de atmosferas inóspitas para deixar de assistir ao fracasso das construções que elevamos. Cada música, como cada sítio, vale por si só e pela história que traz consigo. Mas cada camada, som, reverberação, existe em pleno como parte de dois todos: a faixa e o disco a que pertencem. Ao todo, são 25 minutos de puro absorvimento e deleite.

Não é a primeira vez que uma personagem deste tipo aterra na música portuguesa. Há mais de uma década, Armando Teixeira também se transformou no seu alter-ego Bulllet, deixando-nos dois álbuns e um EP pela extinta Loop. Não sabemos se a dupla de produtores os ouviu, mas conhecendo ambas as obras é difícil não cair em comparações. Conceptualmente, são projectos semelhantes – remetem-nos para travessias imaginárias de personagens, não de pessoas. Contam-se histórias e desenvolvem-se enredos específicos, mas Roger Plexico, tal como Vladimir Orlov, são entidades que valem por si só e cuja própria existência acaba por definir o rumo da música que se ouve aqui.

Um homem é as viagens que faz, dizia alguém, e Roger Plexico existe aqui onde o passeio acaba e os sonhos começam. Na capa, mais uma vez gloriosamente entregue por Min, quase dá para adivinhar um sorriso debaixo daquela linha recta. Discreto, mas confiante, é impossível não saber que este disco é o melhor que já lançou. No retrovisor, vemos a sua cara, mas é na música que está a sua alma. Uma alma em permanente auto-descoberta, como todos nós.

 


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