Texto de

Publicado a: 20/12/2017

pub

marshall-mathers-lp-critica

[TEXTO] Gonçalo Oliveira 

Como forma de expressão, a arte tem servido de propósito para os seus intérpretes canalizarem os mais variados tipos de sentimentos. A paz e a guerra, o amor e o ódio, a sanidade e a loucura. Emoções que vêm aos pares: existe quase sempre o lado positivo e o negativo da “coisa” quando se trata de arte.

O pólo que atrai o ser humano para a sensação de conforto e contentamento é o que, por norma, dita as regras da comercialização artística. E é normal que assim o seja por dois simples factores inegáveis: em primeiro, felicidade gera felicidade. É esse o principal combustível para a vida do ser humano, sendo por isso natural que as nossas buscas se reflictam tantas vezes em obras que nos transmitem essa ideia de bem estar e harmonia, fontes das boas vibrações necessárias para contracenar com os hábitos rotineiros que temos para viver em sociedade. O segundo ponto é colocado do ponto de vista do criador: é mais fácil transpor para o “papel” uma ideia positiva do que algo cuja conotação possa ser menos bem vista por parte do consumidor, o que faz com que a arte, no seu estado mais controverso, exija uma dose adicional de genialidade – e tomates – que nos consiga prender até no mais caótico dos momentos.

 



A falta de filtros nas cordas vocais foi um dos principais dínamos que ajudaram na destruição da barreira que dividia o underground e o mainstream – algo que o próprio Eminem admite em “The Real Slim Shady”, o primeiro single de The Marshall Mathers LP. Apoiado em construções frásicas bastante rítmicas, graças ao seu notável jogo de palavras e combinações fonéticas que se colam aos nossos ouvidos, Eminem nunca escolhe o caminho mais fácil para criar um complexo esquema de versos e padrões de flow inesperados.

 


“I’m like a head trip to listen to, ‘cause I’m only givin’ you
Things you joke about with your friends inside your livin’ room
The only difference is I got the balls to say it in front of y’all
And I don’t gotta be false or sugarcoat it at all”

Eminem – “The Real Slim Shady”


O segundo disco de Eminem foi um dos primeiros grandes clássicos do novo milénio. Editado a 23 de Maio de 2000, ainda hoje é difícil encontrar álbuns no mercado que consigam ombrear com The Marshall Mathers LP – que até já viu nascer um segundo volume em 2013, curiosamente o último antes do novíssimo Revival. Olhando para os números comerciais – vendeu mais de 10 milhões de discos só nos Estados Unidos da América – e a relevância artística, é justo assumir que MMLP é, sem grandes dúvidas, um dos melhores e mais consistentes projectos de rap alguma vez feitos.

 



Assombrado com a fama repentina resultante do primeiro álbum que editou pela Interscope, The Marshall Mathers LP mostra-nos um MC com a língua cada vez mais afiada, repleto de irreverência e controvérsia nas letras que colocou de forma exímia em produções de Dr. Dre, Mel-Man, os Bass Brothers, The 45 King ou do próprio Eminem. Se em Slim Shady LP a ideia de uma máscara artística fazia algum sentido para separar Marshall da sua nova persona, o segundo álbum deixava o público cada vez mais confuso, não permitindo uma distinção clara entre o criador e a personagem. Os fãs e os críticos foram alvos de grande parte do ácido presente nas suas rimas, cansado do assédio constante e da falta de privacidade, bem como da ausência de compreensão por parte dos media, que olhavam para Eminem como uma espécie de aberração de sucesso.

Kim, a sua ex-mulher, e Debbie, a mãe, foram outras das personagens em destaque no disco, mulheres a quem Marshall se dirigiu em tons depreciativos, apontando-lhes o dedo sem qualquer tipo de pudor. A forma crua como o rapper de Detroit abordou os temas em The Marshall Mathers LP abriu nova porta dentro do rap hardcore, maioritariamente ligado às vertentes gangsta e street.

 


“Texas Chainsaw, left his brains all
Danglin’ from his neck while his head barely hangs on
Blood, guts, guns, cuts
Knives, lives, wives, nuns, sluts — bitch, I’ma kill you!”

Eminem – “Kill You”


As palavras ganharam uma nova vida no disco através das rimas cada vez mais visuais que Eminem protagonizava, uma capacidade de alinhar velocidade, dicção e escrita de alto gabarito numa obra superlativa – “Stan” é um dos melhores storytellings da história do rap norte-americano. Para o ajudar, os históricos RBX e Sticky Fingaz, dos Onyx, entraram a matar em “Remember Me?”. Os D12 fizeram a primeira aparição no tema “Under The Influence” e “Bitch Please II” foi servido num posse cut repleto de lendas: Dr. Dre, Snoop Dogg, Nate Dogg e Xzibit acenaram positivamente à ascensão do rapper caucasiano ao trono do hip hop.

17 anos depois, Eminem continua a perseguir o seu fantasma de 27 anos. Para mal dos nossos pecados, a corrida parece estar, mais uma vez, perdida…

 


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos