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Publicado a: 18/02/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado

O percurso de Cálculo já vai longo e, apesar de jovem, o seu nome não é novidade para quem acompanha a cena portuguesa. Depois de A Zul, longa-duração com que se estreou oficialmente em 2015, o artista de Barcelos está de volta às edições com Tourquesa. Como vem sendo seu hábito, as 13 faixas são produzidas pelo próprio, juntando-lhe uma série de músicos, também eles responsáveis pelo brilho do conjunto.

A paisagem instrumental, um dos grandes trunfos do disco, estende-se sobretudo pelo mais orgânico do boom bap, regado por Rhodes e guitarras sublimes, passando ainda pela típica sonoridade do sul e midwest norte-americanos, reconhecida pelos contratempos que guiam samples e baixos orelhudos. Apesar da distinção forçada que tantas vezes é feita entre rap e música, mesmo no seio do próprio movimento, Cálculo pode efectivamente servir-se da sua musicalidade como bandeira — como poucos outros em Portugal.

Mais do que ter uma visão, o rapper e compositor, que também se apresenta como cantor, consegue concretizá-la subtilmente e passar exactamente a mensagem e os sentimentos pretendidos. Exímio em qualquer uma das áreas por que se move, é o próprio a realçar as questões que a sua polivalência levanta em “Bala“: “Hoje em dia dizem que sou a versão tuga do Russ“. A comparação peca por exagero, existindo mais pontos a distinguir os dois artistas do que a aproximá-los, e só a criatividade multifacetada de Cálculo, bem como o espírito do it yourself limado com a competência de um profissional, o aproximam do autor de “What They Want“.

Ao longo do alinhamento, torna-se notório que a relação de Cálculo com a música é umbilical, com tudo o que de bom e mau isso implica. O esforço do MC para vingar num meio cada vez mais mediático e competitivo está patente em cada palavra a que dá vida. A escrita simples, pouco dada a malabarismos, não compromete e revela-se eficaz quando posta à prova do seu flow (aspecto em que nenhuma crítica lhe pode ser apontada). A naturalidade com que usa do próprio sotaque para realçar as suas palavras, sem que nada soe despropositado, confirmam-no como digno representante do rap que se vai fazendo mais a norte.

Parece quase certo que ainda haverá muito a dizer sobre Tourquesa. Sendo esta uma obra que foca sobretudo o amor e as diversas considerações que lhe são inerentes, adivinha-se que o formato álbum seja desconstruído e que da unidade surjam vários singles, por enquanto camuflados na coesão do conjunto. Porque o mais orgânico do boom bap precisa, em primeiro lugar, de respirar. Daí que Cálculo, ao segundo projecto de originais, ainda esteja no começo, restando esperar que complete a paleta com a próxima cor ou tom de azul.

 


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