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Fotografia: Inês Subtil, Vera Marmelo & Marina Cruz
Publicado a: 23/03/2024

Ao som de Lambrini Girls, Glockenwise, Estrela e PoiL Ueda.

Tremor’24 — Dia 4: a história de uma noite intensa em Ponta Delgada

Fotografia: Inês Subtil, Vera Marmelo & Marina Cruz
Publicado a: 23/03/2024

E ao quarto dia de Tremor, a chuva apareceu. Não que fosse chuva particularmente intensa ou incomodativa, mas era chuva maçadora estilo molha-parvos, suficiente para nos levar a queimar Benuron suficiente ao ponto que certamente deixaria o Homem do Robe orgulhoso.

A noite de sexta-feira (22 de Março) no festival açoriano foi de emoções intensas. Quatro concertos de rajada em sítios diferentes de Ponta Delgada levaram-nos a sucessivas caminhadas, mas sempre com uma belíssima recompensa no final. Se houve coisa que não faltou neste dia 4 do Tremor foram grandes concertos. Falemos deles.

Começamos a contar a história de Estrela, o supergrupo formado Bejaflor, MC Falcona e Sreya a partir de um convite para uma residência em São Miguel oriundo da Rádio Vaivém, que animou as hostilidades — e de que maneira — no Solar da Graça.

Da química entre Bejaflor e Sreya já sabíamos; afinal, Bejaflor foi um dos arquitetos sonoros responsáveis por ajudar Sreya a construir o fenomenal Cãezinha Gatinha de 2020. Mas da química de ambos com MC Falcona, ficámos a saber agora. Os três, trocando entre eles versos, melodias quentinhas, e piadas, apresentaram-se como uma banda capaz de criar hits se fosse possível ter hits de hyperpop em Portugal. 

Os três repescaram sons da discografia de Sreya, como “Hospital do Amor”, cantaram sons futuros dos dois próximos discos de Bejaflor, tocaram uma espécie de diss track crackuda aos Wet Bed Gang e apresentaram uma canção que começou como um remix (também ele, de certeza, crackudo) de uma malha de Índia Malhoa. Isto evidencia um dado extra sobre a emo pop de Estrela — é, sem dúvida, pós-irónica. É por isso que soa tão divertida. Os 100 gecs da tuga que merecemos.



Do Solar da Graça, de frente-a-frente com a primeira de três molhas da noite — a última seria a voltar para o nosso hotel —, lá caminhámos para as Portas do Mar, onde nos esperava o concerto dos Glockenwise, de regresso ao Tremor pela primeira vez desde que tocaram na edição inaugural do festival açoriano, agora para apresentar o magnífico Gótico Português, um dos grandes discos de 2023, cujo primeiro aniversário valeu uma reflexão publicada por estas páginas da Internet.

Nuno Rodrigues, Rafael Ferreira, Riu Fiusa e Cláudio Tavares, apoiados em palco por Gil Amado e Sérgio de Bastos, não desperdiçaram nenhum minuto dos 45 que tinham à sua disposição. Nas Portas do Mar, numa noite frita, a banda de Barcelos espalhou calor — mas não tocou “Calor”! — e ofereceu aos fãs devotos mais um belíssimo concerto. Em “Vida Vã”, continuamos a encontrar paz; em “Besta”, continuamos a encontrar libertação. Pelo meio, só grandes malhas repescadas de Plástico e de Gótico Português e muito amor partilhado entre banda e público. Os Glockenwise, tal como o Tremor, já mudaram muito desde que tocaram a “dez metros”, como contou Nuno Rodrigues a dado ponto durante o concerto, do sítio onde tocaram nesta noite de sexta-feira. Porém, o mote de ambos — no caso dos Glockenwise, mais evidente no pós-Plástico — revela-se semelhante: androginia musical apresentada de forma a fazer o público pensar. Na margem das margens, escutou-se o Gótico Português — agora é fazer o possível e impossível para aproximar esta margem das restantes.



Mais um concerto terminado, mais uma deslocação; desta vez, a nossa estreia no Coliseu Micaelense para assistir ao concerto de PoiL Ueda, o cruzamento do universo de cântico tradicional japonês de Junko Ueda com o rock brutalista dos franceses PoiL.

O universo sonoro da “dupla”, perdido entre cânticos budistas, histórias de samurais, e um sentimento de comunidade bem presente, é daqueles que ao início até se pode estranhar, mas rapidamente se entranha. A voz de Junko é um veículo de emoção, revelando-nos as pinturas que os arranjos dos PoiL ajudam a pintar. É uma viagem cósmica, ajudada ainda pela forma como o satsuma-biwa (espécie de alaúde tradicional japonês) de Junko se imiscui na ação, em perpétuo movimento que, de alguma forma, nos transporta para paz de espírito. Nos dois discos excelentes editados em 2023, o homónimo de estreia e Yoshitsune, isso já pura e demais evidente; ao vivo, é uma experiência a não perder. Estonteante do início ao fim.



Regressamos às Portas do Mar para terminar a noite — e de que forma — com as Lambrini Girls. Já sabíamos mais ou menos o que esperar da banda de Brighton, mas não deixamos de ficar espantados com a sua energia e com a sua capacidade de colocar o público em sintonia com a sua intensidade. Alertaram para o genocídio a acontecer em Gaza às mãos de Israel e para o crescimento da extrema-direita (little do they know), falaram sobre a incompetência do governo britânico e sobre a criação de espaços seguros em venues, celebraram a sua queerness, e colocaram o público a moshar como não tinha moshado ainda neste Tremor, levando toda a gente, basicamente, à loucura. Punk necessário, queer, feminista interseccional e urgente — as it should. Se as Portas do Mar não colapsaram durante este concerto, perto devem ter ficado. O melhor concerto do Tremor até ao momento, sem dúvida.A edição de 2024 do Tremor termina este sábado (23) com concertos de Azia, P.S. Lucas, Rastafogo ou MAQUINA..


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