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Fotografia: Nanda Gondim
Publicado a: 09/10/2020

Uma metade no frio, outra metade no calor.

Sreya: “Fui mais introspectiva no Cãezinha Gatinha. Estava muito dentro de mim”

Fotografia: Nanda Gondim
Publicado a: 09/10/2020

Rita Moreira é a voz e o corpo de Sreya, artista lisboeta que se deu a conhecer pela primeira vez em formato longa-duração, em 2017, com o lançamento de Emocional, que conta com as dedadas de Conan Osiris por todo o lado. 

Três anos depois, Sreya regressa aos discos com Cãezinha Gatinha dando a conhecer um pouco do que viveu desde aí, e desta vez com o selo Maternidade. Neste trabalho editado no final de Julho passado, esta sereia divide-se entre o quente e o frio, numa dualidade de experiências e sensações: no lado mais fresco são relatadas as más e gélidas experiências que teve durante oito meses passados na República Checa, enquanto o lado mais calorento remete para o seu regresso a Lisboa. 

Esta noite, às 21 horas, há novo concerto de apresentação do segundo álbum de Sreya no Lux Frágil, em Lisboa. Depois, PEDRO (o da Linha) toma conta da festa até à meia-noite. Levem um termómetro e façam a vossa própria medição da temperatura…



A Rita é a Sreya, ou a Sreya é uma extensão criativa da Rita? 

A Sreya e Rita já estão bastante misturadas. Já quando me perguntam se prefiro que me chamem Sreya ou Rita, digo que é um bocadinho indiferente. Já estou habituada a que algumas pessoas me chamem Sreya inclusive. [O nome] nasceu como uma extensão criativa. Na realidade nasceu por causa do grafitti e não por outras vertentes artísticas que eu exploro, porque em grafitti toda a gente tem um nickname e eu já tinha um há mais de 10 anos e já não me identificava nada. Conheci uma pessoa, que agora é um grande amigo meu o Plinio, o Sofra — só nicknames — e comecei a pintar com ele e cada vez que íamos pintar comecei a perceber que já não queria mais e que agora era outra pessoa e apareceu a Sreya muito rapidamente. 

Misturas as outras vertentes criativas que exploras com a música ou são coisas que manténs separadas?

Não, é tudo muito a mesma coisa. A minha identidade está sempre muito presente em todas as coisas que eu crio, ou seja, é sempre a Sreya. Se calhar há pessoas que têm identidades diferentes para fazer cada cena que exploram, por assim dizer, mas todas estas cenas que eu exploro são um bocado um género de diário meu. Quase como autobiografia ou autorretrato. Ou seja, é o meu ego que está sempre a aparecer em todas as vertentes, seja pintura ou cerâmica e realmente é isso que ouço das pessoas. Ainda no outro dia, o André Trindade, que também é um artista que encontrei numa exposição que fizemos em comum no Cosmos, em Campo de Ourique, estava a dizer: “estive a ver as tuas músicas e elas são muito como as tuas pinturas”. Porque é tudo a mesma linguagem que eu utilizo. 

A vertente musical surgiu como outra maneira de te expressares ou acabou por ser natural? 

Sim, foi totalmente isso, outra maneira de me exprimir que já há muitos anos que tinha. Eu gostava e gosto de escrever poemas e há sempre uma coisa que me aparece na cabeça ou uma vontade que me parece mais com menos frequência. É mais pontual. E há muitos anos escrevi um poema e decidi, “e se eu  cantasse isto, será que se pode transformar numa música?” E arranjei uma melodia para ele e decorei a melodia e cantava às vezes. Mas era uma coisa que não levava tão a sério, até que um dia pensei, “e se eu levasse? E se eu fizesse mesmo canções?” E então foi assim que criei o primeiro álbum, o Emocional apareceu assim. Liguei ou mandei uma mensagem ao Tiago, ao Conan Osiris, porque eu não conhecia – agora sim – muita gente do mundo da música, excepto este melhor amigo — que sorte que eu tenho — e então perguntei-lhe. Propus-lhe, “queres fazer-me um disco, queres produzir-me um disco? O que achas?” E ele achou uma bela ideia e assim foi, assim se fez o Emocional. 

Cãezinha Gatinha é a continuação do que ficou por dizer em Emocional?

Não, de todo. O Emocional ‘tá lá, e este aqui são coisas que eu precisava mesmo de dizer agora. Nada a ver com o Emocional, que eram coisas que eu gostava de falar, de forma desprendida. Estava muito livre então, gostava de falar de todas aquelas coisas que falei. Este disco é mesmo diferente, eu precisava mesmo de dizer aquelas coisas. Não é “eu gostava”, eu tinha mesmo necessidade de falar daquelas coisas que são muito menos do mundo e muito mais minhas. Com o Emocional estava a fazer mais parte de um todo e agora no Cãezinha estava muito dentro de mim, foi mais introspectivo. 

Este novo trabalho acaba por ser um misto da Rita da República Checa e a Rita que surgiu em Portugal depois dessa passagem, achas que neste álbum estão as duas em sintonia e encontram-se algures ou são realmente opostos? 

O que me levou a escrever a parte do frio foram coisas que eu passei e, portanto, foram alguns traumas e coisas mais complicadas na minha vida que agora ficaram e fazem parte de mim. A parte do calor, quando estava a ser mais “gatinha”, era a tentar esquecer e anular totalmente a parte do frio. E agora as duas juntas, em Cãezinha Gatinha, 50/50, percebo que não se pode anular nada, agora sou as duas coisas e vou tentando sempre que elas estejam equilibradas entre si por assim dizer. Sim, é um bom equilíbrio.



Para além de ser mais íntimo, que achas que este álbum “ganha” em comparação com o precedente?

Eu acho que este álbum também é mais maduro em termos de escrita. Até naquilo que eu queria que cada música fosse. No outro eu não tinha grande opinião. Tinha, mas era menos. Eu depositei muito mais confiança e liberdade no Tiago, para ele fazer as músicas do Emocional, só dizia mais ou menos que gostava que tivesse este e este instrumento nestas canções, mais alguns ritmos que nalgumas canções estivessem presentes. Mas deixei que fosse ele que tivesse mais liberdade na composição das músicas e ficava sempre contente, porque também não estava a querer ter mais opinião. Queria fazer o disco mais livre. 

Neste aqui já criei uma expectativa maior, demorei mais tempo. Este álbum levou dois anos a fazer, enquanto o Emocional levou três meses, não três anos. Então, lá está, gosto muito do Emocional, não sei explicar, mas a minha ligação também é diferente com um e com o outro e aquilo que eu exigi do disco também acaba por ser isso mesmo. 

Como foi gerir o impacto que o Emocional teve no público e como é que sentes que isso influenciou o processo criativo de Caezinha Gatinha?

Então, realmente gerir o impacto foi mais ou menos ok. O impacto foi maior do que eu estava à espera. Realmente, ter músicos a dar-me props é fixe, porque eu não estava à procura disso. Fiz mais para mim, para ser mais uma coisa da net quase, mas foi interessante ver pessoal, que muitos nem sequer conhecia, e de repente pensei, “antes não conhecia esta pessoa mas agora vou ver o trabalho dela, e ela até validou a mim primeiro”. É muito interessante e de alguma forma não foi o que me fez fazer o segundo disco. Porque comecei rapidamente a querer ter uma segunda experiência nesse campo, mas depois fui rápido para a República Checa, oito meses depois, em Maio de 2018, [e aí] é que eu me apercebi mesmo de que pelo menos aqui em Lisboa, as pessoas gostavam mesmo de ouvir a “59 estrelas”, e comecei a dar concertos. Por exemplo, o Lounge cheio com muita gente a saltar e a cantar comigo, isso foi muito giro. 

Entretanto, do peso que isto tudo teve, uma das coisas foi eu ter contacto maior com música indie lisboeta e pensar que pelo menos na parte de “Gatinha”, na parte do calor, na parte de Lisboa, gostava que tivesse algumas influências de Lisboa e destes músicos que de alguma forma me influenciaram. E está lá, mesmo que no próximo álbum não tenha nada a ver com essa sonoridade, aqui fazia sentido. Foram as pessoas com que engatei desde que cheguei da República Checa. Receberam muito bem, foi muito giro.  

Entretanto, o resto acho que não teve muita influência, ou seja, o primeiro álbum, o que me influenciou também para o segundo foi se calhar ter aprendido um bocadinho neste primeiro, e querer fazer melhor no segundo e isso é de alguma forma uma espécie de influência. 

Falaste das influências na parte do calor, podes mencionar alguns nomes?

Não fui influenciada por músicos em específico, mas sim pela onda, pelo movimento, tanto da Fetra, como da Maternidade. Foram sei lá, não sei… Percebi que tinha muito em comum com Vaiapraia, mas isto aqui não foi influência, foi perceber que tinha uma maneira de escrever, kind of parecida. Vemos e sentimos e, então, escrevemos de uma maneira parecida. Foi mais um reconhecimento, e não [com] muitos músicos específicos, mas sim mais como um todo. 

Como foi passar de trabalhar com o Tiago para trabalhar com o Bernardo Álvares, o Bejaflor e o Primeira Dama?

Foi tranquilo, é diferente, claro. O Tiago é meu amigo há muitos anos, então foi, “bora nos juntar e brincar e rir e fazer palhaçada”, que é bem o que nós fazemos. O processo foi bem esse, de diversão. 

Com eles foi diferente, mais trabalho mas divertido à mesma. Somos pessoas descontraídas. Cada um à sua maneira, claro, mas também foi bom. E o Bernardo também já conhecia há muitos anos e foi por isso é que começamos a trabalhar primeiro para pré-produção, e começamos este trabalho juntos mesmo por afinidade. 

Entretanto, o Manel [Primeira Dama] disse que gostava de produzir um segundo disco de Sreya e o Zé [Bejaflor] entrou depois já numa última fase, mas muito importante. 

Eu não conhecia muito bem o Primeira Dama e fiquei super contente porque sei que trabalhar com uma pessoa é uma maneira de a conhecer e pensei, “fixe, vou trabalhar com o Manel e vai ser uma oportunidade de ficar a conhecer esta pessoa e acho que ele é fixe e vou fazer um amigo novo”. É um bocado à base da amizade que eu funciono. Eu identifico-me muito com o Zé, já temos trabalhado para além do disco, durante a quarentena inclusive. Vamos sempre fazendo coisas que estão guardadas e que eventualmente irão sair mas vamos sempre brincando muito porque acho que nos completamos bem e é sempre bom aprender com eles e cada vez mais um bocadinho. É o que tiro de qualquer produtor com quem eu esteja, é fazer um bocadinho mais de música.

Falaste que lançar música cá para fora é como exorcizar demónios e concluir ciclos, qual será o próximo ciclo a fechar?

Não sei, porque ainda não começou. Então é complicado responder a isso, ainda não começou um próximo ciclo musicalmente. Acho que agora gostava de fazer só singles com pessoas. Tenho tido alguns convites e tenho estado a trabalhar nisso. Acho que pode ser também por causa daquilo que estava a dizer, de querer aprender mais, e aprender coisas diferentes e agora como não estou a sentir uma história, porque no fundo um álbum é uma história para contar. E agora sinto que estou no fim de uma coisa e talvez no início de outra. E como gosto de estar sempre a fazer coisas, não gosto de momentos parados, acho que é uma boa altura para trabalhar com pessoas de uma maneira menos “histórica”.

E quais é que são os nomes que podemos esperar?

Com o Bejaflor com certeza irá haver. Não gosto de falar das coisas quando não estão bem assentes, ou quando não estão muito… mas sim, algumas pessoas… Tenho medo de dizer [risos] sou um bocadinho supersticiosa. 


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