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Fotografia: SARAHAWK
Publicado a: 04/07/2022

Só para real ragers.

Sumol Summer Fest’22: andar numa roda-viva

Fotografia: SARAHAWK
Publicado a: 04/07/2022

De todos os festivais de música na agenda portuguesa, o Sumol Summer Fest é bem capaz de ser aquele que mais tem tentado acompanhar aquilo que os adolescentes e jovens adultos andam a ouvir, fazendo uma progressiva mudança de foco que teve como momento fulcral o cartaz de 2017, ano em que o rap americano atirou, em definitivo, o reggae para fora e estabeleceu-se como ponto central da programação. Post Malone, French Montana, Fat Joe, Joey Bada$$, Vic Mensa, Young Thug e BROCKHAMPTON passaram pela Ericeira desde aí, porém, até foi nos últimos dois nomes de 2019 que o rumo escolhido ganhou uma visão mais ajustada à realidade.

Depois de dois anos de paragem total (2020 e 2021), o festival não se perdeu e deu continuidade ao que andara a construir em edições mais recentes, mas viu novos jogadores a entrarem no mercado e outros a fortalecerem a sua presença: o Afro Nation, que aconteceu no mesmo fim-de-semana em Portimão, até tinha um cabeça-de-cartaz em comum, o nigeriano Burna Boy, e o Rolling Loud, que começa na quarta-feira no mesmo sítio, partilha Trippie Redd e Lon3r Johny, por exemplo. Nestes casos, quem sai a perder é o SSF, tendo de competir com cartazes construídos com especial atenção às sonoridades que todos os que foram mencionados anteriormente praticam – e em datas muito próximas. O único factor que ainda salvaguarda o evento nos arredores de Lisboa são os preços impraticáveis do Afro Nation e do Rolling Loud para a grande parte dos jovens portugueses. Em 2023 veremos que mossa causará este tipo de quadro.

Quem nos deu as boas-vindas na edição deste ano foi Cíntia. A autora de Gyals And Gyals já quase dava por terminada a sua actuação no Palco Quiksilver, apresentando-se com a confiança do costume perante um público que dançava no relvado e aproveitava o final de tarde para cantar temas como “Game Over” e “Savana”, ambos com recepção digna de quem poderá, a seu devido tempo, aspirar a palcos de outro tamanho. Na saída, o seu DJ, Décio, ainda atirou “Rata” (de Deejay Telio) e “Pedrinha” (de Danni Gato x Vado Más Ki Ás), mais duas formas de, informalmente, testar se este público estava preparado para uma programação que se fazia entre o rap e os afrobeats. 

E por falar em África, Angola teve presença forte no primeiro dia: as origens de IAMDDB e T-Rex remontam a esse país, mas os MOBBERS foram aqueles que puderam reclamar o erguer da bandeira no meio do público. Depois do seu DJ aquecer a plateia com uma selecção que apontava para o afro-house, o grupo angolano inaugurou o palco principal do Sumol Summer Fest e demonstrou uma excelente química entre todos os elementos – cada um com o seu estilo e entrosados a não deixar que faltassem backs ou existissem momentos de atropelamentos. Houve espaço para rimas em cima de instrumentais mais trap mas também existiram as canções para os corações mais moles e a entrar no cruzamento entre r&b e kizomba. “Nuvens” só se ouviria na actuação seguinte, mas “Cumprimenta de Pé” (a deixar-se ouvir o verso de Eva Rapdiva), “L.O.M.” ou “Deixar Cair Geral” caíram na perfeição antes da entrada do “Fernando Alien” para elevar a fasquia. 

Quando há um ano esgotou duas datas no Tivoli para uma plateia em histeria pronta a ser devorada, T-Rex mostrava-se já esse fenómeno pop em crescimento que dificilmente se poderia ignorar. Um ano depois, um mar de gente na Ericeira celebrava aquele que seria um dos pontos altos desta noite de SSF, capaz de pôr em sentido — e ocupar o lugar – de qualquer cabeça-de-cartaz internacional. Impecavelmente a horas e sempre atento – em pelo menos duas ocasiões viria a intervir pela segurança do público quando as coisas ficaram quentes –, T-Rex entrou já com a energia de “Tinoni” e “Duvidava” em toda a sua fúria neo-jurássico-musical. Um corrupio de bangers e futuros clássicos de Castanho (“Anti-Antes”, “Pra Mim”) a Gota D’Espaço e Chá de Camomila – e um pôr-do-sol a condizer – com espaço para receber os MOBBERS (“Nuvens”), PiMP WiLLiAM (“Lado Nenhum”) e a sua Mafia 73. No caso de T-Rex, o nome faz (e fez) jus ao homem. 

Antes de Diana de Brito lutar pela atenção do público da Ericeira, Piruka voltou a um sítio onde já tinha sido feliz: em 2018 movera multidões naquele mesmo sítio e nos últimos anos a base de fãs não decresceu. As principais alterações passaram por quem o acompanhou em palco: para além dos instrumentistas que se juntaram ao DJ, a filha, Clara, passou muito tempo no palco a passar uma mensagem muito importante – para o autor de Coroa, a família tem de estar presente em todos os momentos. Num registo mais contido – com excepção para “Os Meus Putos” – do que os seus colegas de cartaz, o rapper teve ainda tempo para chamar Kosmo e Xakal da Gun para estrear “M.O.D.” ao vivo. 

Após uma longa introdução a cargo da DJ, IAMDDB encontrou uma plateia expectante e pronta para vibrar com ela. Comunicativa – em vários momentos interagiu com o público num português de quem está em casa –, a autora de “Shade”, ainda um dos momentos mais aguardados do seu repertório, oscilaria entre laivos de pura sensibilidade e soul – a algum custo, já que pararia o concerto por alguns momentos para pedir correcções nas luzes — e outros de maior e mais frenética energia, mas nem sempre bem recebida pelo público da Ericeira, que já estava ansioso pelo African Giant, mas dando ainda tempo para um clash de dança com direito a votos da plateia, por exemplo. 

Depois de um atraso considerável, Burna Boy subiu ao palco cheio de balões para nos revelar, desde logo, que era o dia do seu 31º aniversário – não foi um pedido de desculpas, mas serviu esse propósito. O nome mais esperado da noite, e que, visto a olho nu, terá provocado a maior enchente da edição deste ano, acabou por sustentar toda a actuação naquilo que o seu bandão tocava e na sua energia – o playback em grande parte do espectáculo retirou algum valor, mas as pessoas não se ralaram com isso, como é óbvio, fazendo-se uma grande festa que até a bolo teve direito. Um dos maiores representantes da música pop feita a partir de África soube divertir-se e, para além dos seus hits (de “Gbona” a “Ye”) , a participação em “Location” ou até a remistura para “Jerusalema” serviram de combustível para se celebrar, mas, no final, ficou um sabor agridoce; de alguém com o seu estatuto e carreira espera-se sempre mais em termos de performance



No segundo dia, as agulhas foram logo apontadas ao palco principal, onde o gangsta rap cantado em português se viu bem representado por Phoenix RDC, MC que fez logo questão de declarar que não queria ver ali ninguém parado – a ordem era para mexer o pescoço e os braços sob a sua batuta. De “Xiripiti” a “Vencedor” (ou com um regresso de Kosmo da Gun ao festival para uma segunda participação), as canções do rapper, que veste orgulhosamente a camisola da V-Block (e que falou orgulhosamente da “neta” que por ali actuaria mais tarde), ganham uma nova camada (de verdade) ao vivo – e o público, ainda a aquecer, teve de se render às evidências. 

Logo de seguida aconteceria mais um momento para aqueles que queriam sentir o rage no pêlo, uma espécie de sub-género do trap/estado de espírito em que os rappers cruzam a energia do punk com o knowhow de quem cresceu a ouvir hip hop – Playboi Carti e Travis Scott serão provavelmente os nomes mais populares a canalizar essa estética que vai ganhando pequenas nuances pelo mundo fora com a passagem do tempo. Em Portugal, T-Rex e a sua crew parecem ter apanhado a “onda” de 808s distorcidos, tal como IAMDDB, em Inglaterra, que mencionou a palavra uma data de vezes antes de tocar as suas faixas mais pesadas e prontas para a abertura de moshpits. No entanto, do cartaz, Lon3r Johny e Trippie Redd eram os mais adaptados e interessados nessa linguagem que se espelha não só na música como também na roupa. No caso do autor de A Nave Vai Em Tour, o tempo da pandemia parece ter-lhe feito maravilhas, apresentando-se bem mais enérgico (mesmo quando a voz lhe faltava) e menos encostado às vozes pré-gravadas – o poder de temas como “Drip”, “Death Note” e “GT3” ainda resiste, mas “Rock”, o mais recente single, soou particularmente bem, devendo atribuir-se o devido mérito a Cripta (que também é o seu companheiro de palco) e a Reis por terem exponenciado o som vertiginoso que alimentou da melhor forma a “roda” contínua que se viu naquela altura no Sumol Summer Fest. 

NENNY era o nome que se seguiria, mas aproveitámos o seu concerto (que já tivemos oportunidade de ver no Iminente e no ID_NOLIMITS) para jantar. De longe, e sem querer entrar em análises mais profundas, a autora de Aura soou mais confiante do que nunca, sinal de que a estrada lhe estará a dar um andamento diferente – algo que certamente a beneficiará no estúdio.

E com tantas gerações e credos do rap português representados no cartaz, o Eixo Norte-Sul, mais um espectáculo inédito com a curadoria da FADED – agência que tem feito esse trabalho com o festival nas últimas edições –, serviu de momento educacional para os mais novos que nunca se interessaram por ir conhecer o que se passou lá atrás em termos de rimas e batidas. Para gáudio de todos, o nível foi muito alto, tanto da parte dos MCs como dos DJs; e ouvir-se faixas como “Brilhantes Diamantes” ou “Rhymeshit Que Abala” a serem interpretadas (sem espinhas) pelos seus próprios autores em 2022 e a serem celebradas daquela forma afasta uma certa ideia de que não existe respeito pelo passado. 

Foi com esse encontro entre regiões que encerrámos a nossa reportagem na edição deste ano do Sumol Summer Fest – não conseguimos ficar para a actuação de Trippie Redd, mas estejam descansados: estaremos no Rolling Loud em Portimão para relatar aquilo a que assistimos daquele que será o seu segundo espectáculo em terras portuguesas. Como se pôde perceber pelo que escrevemos anteriormente, a energia esteve quase sempre no sítio certo, sinal de que estavam todos prontos para soltar muito do nervo que ficou guardado durante dois anos. E essa paixão por ouvir música ao vivo está a ser traduzida de uma maneira mais evidente através dos moshs, um dado a confirmar de perto nos próximos festivais de Verão.


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