pub

Texto: ReB Team
Fotografia: Catarina Peixoto/Antena 3
Publicado a: 10/10/2021

Da importância das figuras maternais às variantes do rap crioulo.

Iminente’21 – Dia 3: quem tem uma Maria tem tudo

Texto: ReB Team
Fotografia: Catarina Peixoto/Antena 3
Publicado a: 10/10/2021

Ao terceiro dia, o Iminente foi para as Marias que são mães e que, pelo menos nestes casos em que falamos, foram pessoas importantíssimas para o desenvolvimento pessoal de cada um, ajudando sem nunca pedir que o mesmo esforço fosse feito no sentido contrário. Não foi o dia da família — esse costuma ser o domingo –, mas foi um dia para a família.


[Ghoya] Palco Gasómetro

Se ao segundo dia de festival o crioulo se expressava nas suas vertentes mais mainstream, a partir de Dino d’Santiago e Julinho KSD, o dialecto surgiu ontem representado pelas camadas mais alternativas da cultura. O primeiro a actuar neste capítulo foi Ghoya, veterano que esteve na origem de uma nova vaga de MCs que no início deste milénio dinamizaram (e de que maneira) o circuito do rap underground cantado em crioulo, levando-o a assumir as proporções que hoje lhe conhecemos.

Kaion, cantor e teclista, foi o primeiro a entrar em palco e entreteve o público durante alguns minutos através de uma mescla de hip hop com r&b, durante a qual pediu até emprestado o refrão de “Samurai” a Djavan. Apesar de cedo e ainda bem longe da sua lotação total, a euforia tomou conta dos presentes quando Ghoya e o baterista Rodrigo completaram o quadro. No total, foram quase 20 anos de história passados a pente fino durante aquele que é o primeiro grande concerto do rapper na última década, indo do clássico “Di Oto Lado Lei” ao seu último single “Erranti”. Depois de se ter despedido, os pedidos de “só mais uma” por parte da plateia motivaram-no a regressar, desta vez ao lado de Landim e Mini God, para um pequeno cypher.

– Gonçalo Oliveira


[Tekilla] Palco Choque

Tekilla é uma personagem sociável e incorpora em si um certo americanismo na forma como lida com o público para um clássico show de hip hop. Ontem, o artista trouxe-nos temas de Olhos de Vidro e algumas faixas que lançou ao longo dos seus já “20 anos de hip hop”, como fez questão de nos lembrar antes de explicar que “não toca para quem não gosta de hip hop”. Para quê tanta intransigência?

– João Daniel Marques


[Prétu] Palco Gasómetro

Hip hop tuga, vem ver como os teus filhos cresceram. Nuno Santos é um dos maiores pilares da nossa cultura rap e, depois de ter educado as ruas com manuais como Rapresálias ou Rapensar, a sua vida artística tem-se metamorfoseado imenso nos últimos anos. A mudança de pele, de Chullage para Prétu, assumiu novos contornos durante o final da tarde de ontem, quando assumiu a liderança de um trio de multi-instrumentistas para recriar ao vivo, em conjunto com um bailarino, aquilo que poderá vir a ser um novo disco.

Ouviram-se percussões diversas, teclados psicadélicos, guitarras rock e um caldeirão de influências da cultura cabo-verdiana. Do funaná à electrónica, Prétu demonstrou ser tão “filho” d’Os Tubarões (a quem mandou um shoutout pela inspiração através de um sample que utilizou) como de Jimi Hendrix. A música que ouvimos ultrapassa tudo aquilo que temos ouvido mas estará ali algures entre aquilo que têm vindo a fazer Tristany ou Scuru Fitchádu, outros dois nomes fracturantes da cena afro-tuga com quem até tem vindo a colaborar.

Conseguimos detectar ainda as novas roupagens de “A Luta Continua” e “Fidju Maria”, o último par de temas que editou, num alinhamento largamente composto por inéditos e que ainda viria a trazer ao palco Cachupa Psicadélica, o único convidado. Depois de aterrarmos — e esta foi uma viagem e peras — temos agora mais certezas do que nunca de que é urgente também uma lenda viva deste calibre dar o seu próprio contributo, em forma de álbum, para esta efervescente revolução negra que decorre na praça da música portuguesa.

– Gonçalo Oliveira


[Nenny] Palco Gasómetro

O primeiro concerto. Chegados a 2021, e passados mais de dois anos depois de aparecer de rompante no panorama português, Nenny deu, finalmente, o seu primeiro concerto e, nesta história, não há espaço para uma primeira vez com pouco público: no Iminente, a “filha dos filhos do Rossi” actuou mesmo para uma pequena multidão, que estava ávida para vê-la e ouvi-la cantar faixas como “Sushi”, “Wave”, “On You”, “Tequila” ou “Bússola”.

Depois de um início tremido — “21” deveria ter surgido numa altura em que estivesse mais aquecida –, a autora de Aura apanhou-lhe o jeito em “Lion” e, quando chegou a “+351 (Call me)”, não houve quem a parasse, comandando o público com pulso de ferro, como se fosse uma veterana e não uma jovem de 18 anos que só agora começa a ganhar rodagem na estrada.

Essa maturidade sobressaiu de forma mais evidente em “Dona Maria”, “um som dedicado a todas as mães”. Já com a sua em palco, bem como outros elementos da família, Nenny aguentou, quase sem tremer, as emoções durante a interpretação da música, ao contrário de muitas das pessoas da plateia, que não conseguiram (nem quiseram) segurar as lágrimas. Um dos momentos mais emotivos do festival.

Elástica nos flows e competente quando foi altura de apresentar argumentos e elevar a sua voz acima da instrumentação aplicada pela banda, que preenchia todo o palco nas suas costas, Marlene Tavares só teve de comprovar o que já tínhamos conseguido aferir nas versões de estúdio e nas suas passagens pelo Tiny Desk e o A COLORS SHOW: é um talento daqueles que só aparecem de muito em muito tempo.

– Alexandre Ribeiro


[G Fema] Palco Choque

Não é por acaso que o público português tem tido maior abertura para a música cantada em crioulo: esta é uma construção de vários anos que, actualmente, tem pontífices como Dino D’Santiago e Julinho KSD, mas, como em tudo, o importante mesmo são as bases, e essas certamente serão sustentadas pelo rap menos visível para um circuito mais comercial — e é aí que G Fema se encaixa.

Apesar de falarmos de alguém que não pertence a esse lado mainstream, a verdade é que a rapper de Chelas, que levou o seu conterrâneo Tchapo a palco, por exemplo, conseguiu encher a pista de carrinhos de choque, mostrando atitude e presença enquanto rimava em instrumentais que resgatavam elementos de várias linguagens instrumentais do rap, desde o mais clássico ao trap e ao drill.

– Alexandre Ribeiro


[Slum Village] Palco Gasómetro

Não deve ser tarefa fácil definir os contornos de um espectáculo de um grupo que foi sofrendo tantas alterações ao longo dos anos. Uma coisa é certa: a memória de J Dilla estará sempre bem entregue aos Slum Village, embaixadores do enorme legado deixado pelo saudoso e irreverente produtor de Detroit. O concerto do grupo no Iminente foi, acima de tudo, uma homenagem para o arquitecto de peças tão icónicas como “Fall In Love”, “Tell Me” ou “The Look of Love, Pt. 1”, cujos beats têm sido reciclados por outros MCs inúmeras vezes ao longo da história. Além dos clássicos assinados pelos Slum Village, a dupla actualmente formada por T3 e Young RJ foi ainda mais longe nesta dedicatória ao malogrado beatmaker, dando oportunidade ao Iminente de sentir as pulsações de “The Official” (do projecto Jaylib) ou “Fuck The Police” (da fase enquanto Jay Dee).

– Gonçalo Oliveira


[Carlito Lagangzz] Palco Choque

O Iminente serve, também, para descobrir novos artistas: Carlito Lagangzz foi um desses casos, um driller em construção que, apesar de nunca ter aparecido no radar deste lado, já vai acumulando milhares (milhões, nalguns casos) em vários vídeos seus no YouTube — interessante como o rap crioulo vai criando estes micro-fenómenos que, mesmo com estes números, demoram a saltar para uma camada mais superficial.

Na sua passagem pelo Iminente, o rapper e a sua PDS Gang encheram, sozinhos, o palco mais pequeno do evento para criar uma espécie de grande onda drill (onde há mistura de francês, crioulo, inglês e português) que se refugiou na energia (que esteve sempre no máximo).

– Alexandre Ribeiro


[Branko] Palco Gasómetro

E se Dino ontem nos tinha entregue um one man show perfeito, o amigo e colaborador Branko não lhe ficou nada atrás ao assegurar um grandioso espectáculo audiovisual no final da noite de ontem. No centro do palco a operar diversas peças de maquinaria musical, o CEO da Enchufada, visivelmente feliz por poder regressar aos palcos, brindou-nos com vários dos seus êxitos que partilham o mesmo tecto em Nosso. Como pano de fundo, uma espécie de vídeo-diário das varias viagens que teve oportunidade de fazer e, claro, desta nossa elegante Lisboa.

Versátil, o produtor foi intermediando os temas do seu último álbum com material clássico — das “Drenas” de PEDRO e do kuduro da “Candonga” dos Buraka Som Sistema a “Paris – Marselha” ou ao incontornável “Reserva Para Dois” — e outro mais recente, como foi o caso de “Tempo Torto” ou “CTG”, este último a servir de pretexto para uma experiência que colocou parte de uma plateia dançante em transmissão para o grande ecrã que tinha atrás de si. Pierre Kwenders foi o único convidado chamado ao palco para a recta final do concerto e deu voz a “Amours d’Été”, outra das canções que moram em Nosso.

– Gonçalo Oliveira


[RS Produções] Palco Cine-Estúdio

A RS Produções ficou responsável por encerrar o penúltimo dia do festival na Matinha, em Lisboa, e honrou bem essa responsabilidade com uma prestação em crescendo que teve como base, pois claro, esta batida particular que se foi transformando em força internacional a partir dos subúrbios de Lisboa.

Já com a primeira Noite Príncipe em muito tempo marcada para a próxima semana, esta foi uma celebração de grupo a antecipar esse regresso — e com direito a paragem para se cantar os parabéns a DJ Narciso e camisolas personalizadas no corpo de cada elemento. E afrohouse com “Bué De Bass” nunca é demais…

– Alexandre Ribeiro

pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos