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Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 25/02/2022

Pé ante pé.

ID_NOLIMITS’22 – Dia 1: saudades do que a gente ainda não viveu

Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 25/02/2022

Se era para matar as saudades de dançar como se não existisse amanhã (entre uma pandemia global e uma crise a leste pronta a espalhar-se pela Europa torna-se ainda mais evidente a necessidade de aproveitar cada momento ao máximo), a aposta em Stckman foi, decididamente, acertada. Música de dança com ritmo musculado a pedir, naturalmente, pôr-do-sol e bebidas da moda a acompanhar, mas que, em tempos de curta oferta, se adequou perfeitamente ao Centro de Congressos do Estoril em pleno pós-jantar.

Para se perceber do que falamos, comecemos por aqui: stckman, o seu primeiro álbum, editado em 2021, encaixaria que nem uma luva no catálogo da Discotexas — não nos admiraríamos se em breve o víssemos a trabalhar com Moullinex ou Xinobi. Em palco, pelo menos desta vez, Nuno Espírito Santo chamou Ricardo Pereira (guitarra e baixo) e Carl Karlsson (teclas) para dar groove e imaginação, expandindo esta electrónica para uma dimensão de estádio (wave your hands in the air like you don’t care, não é?).

O enérgico Kyle Quest, colega nos Zanibar Aliens dos dois músicos que acompanham Stckman, foi o primeiro convidado da noite, colocando sempre a voz ao serviço da canção — em “cup of tea” dividiu o holofote com o londrino (e mascarado) Bone Slim, parte do NiNE8 COLLECTIVE, que trouxe um toque de classe e de uma certa contenção num espectáculo feito para soltura total.

Mesmo com uns pequenos problemas técnicos — as luzes brancas a tornarem a sala numa espécie de gabinete de dentista, por exemplo –, o produtor apresentou um concerto bem montado e preparado para esses festivais de Verão por esse mundo fora — pela resposta da plateia (que compunha cerca de metade do espaço) não restam grandes dúvidas sobre isso. Por falar em complicações, o computador falharia mesmo na recta final e obrigou ao regresso a palco das vozes para “blow my mind”, uma música que nos deixou com uma certeza: se tivéssemos de apostar em alguém no nosso panorama capaz (ou seja, com a sensibilidade certa) de fazer uma “Slide” em bom português, essa pessoa seria o Stckman. Um excelente início para este tão desejado regresso.

Que CAOS’A foi um dos melhores discos nacionais de 2021 já não deveria ser uma novidade a esta altura do campeonato. A voz de Rita Vian encanta por onde passa e é ao vê-la em palco que nos apercebemos do seu verdadeiro poderio e do quão autêntico é o que escutamos naquelas gravações. Acompanhada apenas por João Pimenta Gomes na maquinaria electrónica, a cantora conduziu um espectáculo intimista em que o principal destaque foi, claro, o EP que ditou a sua estreia a solo pela Arraial.

A intercalar essas cinco canções, Vian ia aos seus baús — o privado e o público — buscar outros argumentos que enriquecessem aquele momento, como um dueto que os seus avós cantavam, um mantra musical que repete para si mesma todas as noites, um agradecimento a Branko por a ter ajudado a chegar ao nível bónus ou os singles que editou entre 2019 e 2020.

O furacão Nenny voltou a causar estragos de dimensões acentuadas. Depois de termos assistido à sua maravilhosa estreia absoluta em palco, em Outubro passado no Iminente, a expectativa era alta para percebermos se íamos ter direito à mesma descarga de energia que testemunhámos naquela noite. Ao lado de uma banda composta por guitarra, baixo, bateria, teclas e um coro de duas vozes, a autora de Aura surgiu ainda mais preparada do que da última vez e nem o arranque a todo o vapor ao som de “21” fez com que as suas cordas vocais vacilassem.

Ao longo de uma hora, a “filha dos filhos do Rossi” celebrou uma considerável colecção de momentos altos num percurso que é tão curto quanto invejável e eram poucos aqueles que não demonstravam ter decorado as letras de “Sushi”, “Bússola” ou “Tequila”.

Enquanto Marlene Tavares tomava conta do espaço principal, o Auditório recebia a britânica Lex Amor. Antes da sua entrada, “Playa Playa“, tema de D’Angelo, era disparado através do sistema de som, definindo o tom do que viria a seguir. “Armada” com uma voz rugosa e uma entrega cool (esta palavra pode ser empregue muitas vezes de forma descontextualizada, mas este não é o caso), Amor foi conversando e rimando como se não existisse nada mais natural na sua forma de se expressar: deu conta do aumento de pessoas no público — no início eram pouco mais de 20, mas foi-se compondo de maneira significativa até ao final –, isto nas pausas das canções que são tão Londres como é possível, um misto de nevoeiro, 2-step, drill, jazz, saxofone, sampler, teclas e letras de quem está com a cabeça no agora.

Ali entre Little Simz e Isaiah Rashad — duas referências soltas só para orientação geral –, a autora de Government Tropicana (ouviram-se “100 Angels” e “Moesh” desse disco) deu uma lição de encher o palco sem que precisasse de artifícios de qualquer espécie, só mesmo um jeito natural para existir. Alma na caneta, presença imponente e pés bem assentes no chão garantiram-nos mais uma bela surpresa.

Tinha-se estreado no ID_NOLIMITS na edição de 2019, num showcase de COLÓNIA CALÚNIA. Agora a solo, o regresso àquele palco não é mais do que um reflexo do crescimento artístico que L-ALI tem exibido durante e após a sua estadia pela Superbad. Para o rapper que já deu a “volta ao mundo em labels“, conforme brincou a meio, não há momentos baixos num trajecto ultra-consistente e que, como bem se sabe, é amigo do ambiente: recuou aos primórdios da sua carreira e percorreu-a na sua “Plenitude”, tendo terminado com o seu mais recente “Combo” que lhe elevou o multiplicador de pontos para x99.

Pedro, o Mau fez de vulto a L-ALI durante toda a actuação e Harold entraria em cena já perto do fim para ajudar a interpretar “Raiz”. Do lado contrário ao palco, entoavam-se letras, entornavam-se bebidas, derrubavam-se as grades que limitam a frontline e havia até quem arriscasse num crowdsurfing sustentado apenas por uma mão-cheia de braços, tal era a descarga de adrenalina sonora.

Nessa mesma sala, e já com a madrugada a relembrar tempos antigos, a missão do ReB no festival terminaria com a actuação de Yuri NR5, jovem artista que, para contextualizar, conta com uma mão-cheia de canções a solo lançadas oficialmente, o suficiente para se tornar numa daquelas pérolas menos óbvias de uma nova geração de vozes alternativas portuguesas.

Com um carácter quase cartoonesco que provém de uma mistura de malandrice com inocência, a mais recente contratação da Bridgetown (Plutonio, Mishlawi, Richie Campbell e DJ Dadda fizeram questão de marcar presença) já se adaptou aos modos da editora e apareceu com banda para adaptações eficazes de temas como “Ganda Moca!” (aproveitou para oferecer mortalhas personalizadas nessa altura) ou “Prazer Culinário”, canção dedicada à mãe. No público, uma secção considerável de fãs devotos respondia à energia desconcertante de Yuri com moshs e acompanhamento integral das letras cantadas. “Spaceship”, faixa de prettieboy johnson em que participa, “Notas de 100” e “Eu Tou Fixe” também fizeram parte do alinhamento, tal como duas músicas que ainda não foram editadas mas que, considerando as versões ao vivo, ainda precisam de retoques e rodagem.

A cereja no topo do bolo aconteceria com “São Paulo”, um dos grandes temas que recebemos durante o primeiro ano de pandemia e o refinamento total daquilo que Yuri tinha prometido nas faixas que lhe antecederam. Redonda, certeira e a encerrar em si o significado do que é que isso de termos saudades daquilo que ainda não vivemos.

Esta sexta-feira, o itinerário passará, certamente, por nomes como Greentea Peng, T-Rex, Regula, Pedro Mafama e, entre outros, Tristany. Fiquem desse lado.

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