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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/07/2023

Sensação de conforto e refúgio nas canções da artista mexicana.

Silvana Estrada no B.Leza: a noite em que esquecemos as nossas tristezas

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/07/2023

Por esta altura do campeonato, já sabemos o que uma noite no B.Leza nos espera. Reencontros, cumprimentos (uns mais dilatantes, outros menos), burburinho noturno com alguma expectativa à mistura, algum álcool (mas quem tem dinheiro para comprar álcool no B.Leza?) a circular. E claro está, música. Porque foi isso que nos levou à sala do Cais do Sodré na noite de ontem (25 de Julho). A nós e a outros tantos. Afinal, o B.Leza esgotou a uma terça-feira à noite – quem diria? 

E gostamos da razão pela qual o B.Leza esgotou: o regresso da cantautora mexicana Silvana Estrada à capital portuguesa. Por Lisboa, tocou na Galeria Zé dos Bois em 2022; por Portugal, tem andado nos últimos dias com concertos pelo Porto e Porto Covo (na primeira noite do Festival Músicas do Mundo), depois deste ano já ter tocado em Évora (no Festival Imaterial), Vila Real e Matosinhos. E em Lisboa, foi recebida de braços abertos por um público desejoso de escutar as suas mágoas e, por consequência, esquecer as suas próprias.

Ao contrário da última vez que veio a Lisboa — que fez questão lembrar ser uma das suas “cidades favoritas dentro das suas cidades favoritas” — desta vez Silvana Estrada não veio sozinha. Nesta série de concertos em Portugal, tem-se apresentado em formato de trio, munida em palco pelo músculo e groove de um teclista — Roberto Verástegui — e um baterista/percussionista — Alex Lozano — que ajudam a dar corpo extra às canções. Resultado? Neste concerto no B.Leza, aquilo que Silvana Estrada nos apresentou foi algo digno de uma diva do jazz, mas sem esquecer o seu lado de baladeira triste, para chorar. 

E com “La Corriente”, canção extraída do mui-lindíssimo Marchita (2022), Silvana e a sua banda deram o pontapé de saída, uns quantos minutos depois da hora marcada, para uma noite consagrada. Consagrada entre grandes canções, cantadas e tocadas com a emoção de quem já viveu milhares de vidas, um show de luzes digno de uma grande estrela, e um público devocional à artista, sempre pronto a cantarolar quando pedido e a calar-se quando necessário (que, para escutar a voz de Silvana, na realidade é quase sempre). Se Silvana cantasse — ao vivo, explora muito mais o seu alcance vocal, incutindo emoção extra às suas cantigas quando necessário —, o público atentava. Se Silvana pedisse acompanhamento, o público obedecida. Afinal, estamos na “cidade do Fado”, referiu ao pedir que o público cantasse mais alto em “Tristeza”, belíssima canção tocada nos primeiros minutos de concerto.

Alternando entre o seu fiel cuatro venezuelano, guitarra, ou apenas as suas mãos para nos guiar pelos tenebrosos caminhos da tristeza e felicidade, Silvana não teve medo de deixar toda a sua vulnerabilidade em palco. E com isso capturou-nos ainda mais o coração. Como ela, somos também vulneráveis. Com ela, disfrutamos da sua versão de “Clandestino”, de Manu Chao; com ela, dançamos ao som de uma canção como “Porque Existo”; com ela, sentimos a emoção de “Milagro y Desastre”, o seu mais recente single, a funcionar como homenagem e como amparo para quando, em dezembro do ano passado, o seu melhor amigo foi assassinado. Apesar da emoção a relembrar o momento trágico, Silvana deixou uma dedicatória para os “desastres que parecem que vão durar para sempre”, mas que esta “acredita que não”. Parece-nos uma boa máxima a adotar nos dias que correm – pelo menos naqueles em que conseguimos desligar do horrível que nos rodeia.

Se “Milagro y desastre” serviu como o momento mais triste e emocional do concerto, daqui para a frente, Silvana aplicou a máxima. Se aí foram invocados os deuses do desastre, para a frente só podiam vir os deuses da celebração, do vinho, da amizade, do bom humor (o qual Silvana, em palco, teve muito — admiração máxima por quem manda props ao portunhol). “Marchita” permitiu ao público acompanhar os coros do seu drama telenovelesco, “Te guardo”, faixa belíssima, deu-nos a surpresa de uma fã (Alexa) ir ao palco cantar a canção em dueto quentinho com Silvana depois desta notar o pedido num cartaz da primeira fila, “Al Norte” abriu a pista de dança que se manteve aberta até ao final. Primeiro, com os enfeites de cumbia que o trio aplicou a “Tom’s Diner” de Suzanne Vega, e a seguir, o baile ranchero de “Tenías Que Ser Tú”, canção que fechou o concerto que ainda nos possibilitou a oportunidade de escutar um solo de teclas que faria qualquer artista pimba português corar de inveja. 

Concerto terminado, ovação escutada, enquanto abandonávamos o B.Leza em direção ao conforto caseiro, passou-nos pela cabeça que, na realidade, estávamos era a abandonar o conforto para voltar à vida normal. Com as canções de Silvana Estrada, encontramos alento, esquecemos as nossas tristezas, as nossas efemeridades. Com o seu espetáculo ao vivo, encontramos um refúgio que nenhum de nós — nem aparentemente ninguém dos presentes — quer realmente abandonar. Aos 26 anos, Silvana Estrada já é uma artista já essencial para entender a música popular de hoje. Essa é que é essa.

P.S.: Achamos que Silvana Estrada e Ana Lua Caiano iriam fazer uma canção excelente em conjunto. Alguém faça isso acontecer, por favor!


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