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Texto: ReB Team
Fotografia: Tiago Lessa
Publicado a: 19/06/2023

Do rap à literatura.

Pedro de Queirós Tavares (aka Stray): “A musicalidade inerente àquilo que escrevo torna-se mais líquida”

Texto: ReB Team
Fotografia: Tiago Lessa
Publicado a: 19/06/2023

Se Tens Fósforos marca a estreia de Pedro de Queirós Tavares nos livros e foi lançado pela Fresca no passado dia 7 de Junho.

Nas últimas duas décadas, o dom para as palavras de Pedro de Queirós Tavares tem-se feito notar através da vertente do MCing. Mais conhecido no meio por Stray, o artista portuense despontou no seio da Matarroa há precisamente 20 anos e, não muito depois, esteve na génese da fundação de Monster Jinx, um dos colectivos com maior longevidade no panorama do hip hop em Portugal. À frente do microfone, deu nas vistas em Monstro Robot e em discos a solo, como O Diabo, Coraçãozinho de Satã ou o mais recente RAFEIRO, que passou pelas páginas do ReB no formato de faixa-a-faixa, com comentários do autor aos 10 temas que compõem o LP.

Num post para o Instagram, Pedro Tavares explicou que a primeira obra literária que assina “não é intrinsecamente diferente de tudo o que criei até agora,” apontando esta nova fase da sua carreira enquanto “uma extensão do universo do RAFEIRO.” Enquanto não anuncia a data de apresentação do livro em Lisboa (já o fez no Porto no mesmo dia em que ocorreu a edição), alinhou numa breve troca de impressões com a nossa publicação, que podem ler já de seguida.



Como surgiu a ideia para este livro?

Acho que foi simplesmente o rebentar de uma semente que já aqui andava há muito comigo. Curiosamente, este livro é lançado 20 anos depois da minha estreia oficial no mundo da música [Compilação Matarroêses, Matarroa, 2003] e, remetendo-me a essa época, tenho a noção plena que aquilo que me guiava no início era, acima de tudo, o fervilhar da escrita — e essa vontade nunca esmoreceu. Nessa altura, estava sempre pronto a sacrificar a musicalidade a favor daquilo que, na minha cabeça, seria o rigor lírico. Queria sempre cantar exactamente o que havia escrito originalmente, às vezes sem ter ainda o instrumental como referência, e tinha um certo prazer nisso. Com os anos, obviamente fui percebendo como isso me desfavorecia e fui tomando mais as rédeas à escrita, pensando-a mais como um elemento musical. Nesse processo, fui aprendendo também a usar a minha voz… peculiar… dentro das suas limitações e até a moldá-la. E tudo isto foi-me afiando a caneta, mais e mais. Eventualmente, cresceu-me a vontade de me desmascarar completamente, apresentando também a minha escrita por si mesmo — o que, em boa verdade, simplesmente não é possível, uma vez que a poesia é intrinsecamente vocal e pensada também pelo seu valor estético. No fundo, é simplesmente uma mudança de veículo.

Mas há também um lado acidental nesta história. O ano passado, a convite do Nerve, participei nas sessões da Purga, tendo recitado maioritariamente letras das minhas músicas. Só que levei também alguns esboços de poemas pensados exclusivamente como tal… e a reacção do público foi tão boa, sem distinção entre a origem do material que li, que me senti altamente motivado para ir mais longe neste contexto. Daí comecei uma investigação e auto-formação obsessiva dentro do campo da poesia, confessando que até ali esta era uma área que conhecia apenas marginalmente. Rapidamente, senti-me uma migalha face à qualidade dos grandes poetas portugueses… mas, a ferros, fui lendo, lendo, escrevendo, lendo, procurando mais e mais autores… foi um período de intenso fascínio e de total desmoronamento da minha confiança ao nível da escrita… mas, passados vários meses, durante os quais estive quase doentiamente fechado neste ciclo, emergi com um manuscrito. Nessa altura, senti que o meu estilo próprio havia florescido. Vinha com novas armas mas não deixava de dar continuidade àquilo que já me caracterizava na escrita até ali.

O desafio partiu da editora?

Foi um encontro de vontades. Ao longo desses meses que descrevi, comecei a frequentar sessões de poesia ao vivo organizadas pela Poetria — a livraria por excelência dentro do meio do Porto e que mantém também a própria editora, a Fresca. Nessas sessões, comecei a aproveitar os momentos de microfone aberto para dar a conhecer o meu trabalho. Daí surgiu o interesse da editora em ler-me e, eventualmente, em editar-me. Não tão secretamente assim, esse era precisamente o meu desejo.

Distingue-se muito a diferença entre a escrita de palavras para serem acompanhadas por música e as que precisam de existir apenas no papel. Sentiste essa diferença neste projecto?

Senti. Mas menos do que imaginava que iria sentir inicialmente. Na poesia, escrevo em verso branco, dispensando a necessidade de rimar. Mas é um engodo para mim mesmo. Se assumi inicialmente que essa particularidade iria fazer uma diferença monumental no meu processo criativo, rapidamente descobri que não. É-me impossível, hoje, descartar o papel da musicalidade, do jogo fonético, da habilidade rítmica, na escrita. Acho que, simplesmente, a musicalidade inerente àquilo que escrevo se torna mais líquida, menos estanque, neste formato. É quase uma desconstrução. Digo-o também porque já fiz experiências a esse nível, musicando estes poemas livremente sobre música improvisada… e o resultado agradou-me muito.

E que poemas são estes? Há um conceito unificador?

O livro está dividido em duas partes — “Quinquilharia” e “Esconderijos”. A primeira porção é mais narrativa e a segunda mais… simbolista, talvez. Para mim, existe um conceito unificador, mas prefiro não o impingir aos potenciais leitores. Acredito que cada poema — e refiro-me aqui à poesia no geral — se completa a cada leitura e sobre a tutela de cada leitor. Não há o “meu” poema, pondo-me aqui na posição de autor, mas sim o meu poema e do leitor X naquele momento, o meu poema e do leitor Y àquela hora, e por aí fora. Conhecer essas interpretações e leituras é possivelmente a parte mais fascinante de tudo isto.


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