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Fotografia: Hugo Macedo, Mariana Silva & Nuno Conceição
Publicado a: 09/07/2023

Com um roteiro focado nos palcos secundários.

NOS Alive’23 — Dia 3: dos novos talentos nacionais ao slay de Rina Sawayama

Fotografia: Hugo Macedo, Mariana Silva & Nuno Conceição
Publicado a: 09/07/2023

Os termómetros ainda estavam em alta quando chegámos ao recinto no derradeiro dia dos NOS Alive deste ano para ver Lucy Val, nome artístico que João Giga assume desde 2020, depois de se ter estreado na música em 2017 como FRNKLN. Com uma sonoridade urbana difícil de qualificar, o artista nascido na Margem Sul do Tejo, onde atualmente reside, depois de ter crescido no Alentejo, apresentou-se às 17 horas em ponto para abrir o Palco Heineken, num Passeio Marítimo de Álges que ainda se encontrava pouco composto face ao sol e ao calor que se fazia sentir.

De carreira ainda verde, Lucy Val trouxe ao Alive o EP de seis faixas Serpentino, que foi suficiente para recolher já uma curta mas entusiástica base de fãs que fez questão de marcar presença no festival. Em palco, João Giga faz-se acompanhar somente pelo seu DJ, uma cadeira e uma viola de cordas de nylon, num cenário minimalista onde até o seu nome é exibido a letras brancas numa ecrã negro.

Desprovido de pretensiosismos, portanto, a música de Lucy Val escuta-se genuína e de difícil imitação, apesar de encaixar nalgumas trends sonoras que também conjugam elementos de fado, flamenco, bolero e música cigana (talvez pela utilização da viola como base da maioria dos seus beats) num ambiente sonoro urbano. É música que não nos soa completamente estranha, mas ainda assim diferente e inovadora.

Como a maioria dos artistas que pisaram os palcos secundários do festival, Lucy Val foi também alvo de problemas técnicos gerais, fruto dos curtos ou inexistentes soundchecks e das montagens apressadas entre concertos. Estes eventos foram particularmente penosos numa primeira parte do seu concerto, mais intimista e assente apenas em voz e viola, mas praticamente impossibilitada pelo feedback que causava constante interferência no seu microfone.

Mas a parte boa dos erros (sejam eles dos artistas ou produção) é que podem ser corrigidos, e neste caso bastou puxar a cadeira para trás, sacrificando ainda mais essa proximidade e intimidade já lesada pelos barulhos indesejados. A partir dali foi sempre a subir de animo e volume. Depois de nos apresentar “Abala”, a guitarra voltou para o suporte e Lucy Val levantou-se para nos apresentar o resto dos seus temas apoiados pelo subwoofer mais grave que ouvimos no Alive. 

Para trás fica uma experiência positiva para o músico, mas também a noção de que a música de Lucy Val deve ser ouvida numa sala escura e defumada onde a luz do dia não entre e a mensagem não se perca pelas laterais de uma tenda onde entra e sai quem procura abrigar-se do sol.

— João Daniel Marques



Nas bordas do Palco Heineken foram muitos os fãs de King Princess que se deslocaram para assistir à estreia em Portugal (tema em comum com uns quantos artistas da edição deste ano do Alive…) de Mikaela Mullaney Straus.

De guitarra ao punho e vestido ao vento – como deve ser, achamos –, Mikaela deu um show que, para nós, comuns mortais que viemos escutar “Prophet” (tocou! É a sua melhor canção), atingiu as expectativas de ser um belo concerto de pop-rock. Mas para os fãs acérrimos de King Princess – cujo carinho sempre foi retribuído pela artista – acreditamos que tenha sido o concerto de uma vida. Afinal, King Princess é um dos nomes mais relevantes da alt-pop atual; “1950” cimentou-lhe esse estatuto e, quando se escutou ao vivo, foi uma das canções onde o amor da plateia pelo seu ícone (queer, como muito do seu público) se fez mais sentir. Mas vejamos mais notas sobre este concerto.

Em palco, Mikaela surgiu apoiada por uma banda e sabe como ser uma estrela pop (do indie). Podíamos até argumentar que é mais do que isso – tem potencial para ser uma estrela rock. E as suas canções caminham na mesma linha. Quando escutamos uma canção como “I Hate Myself, I Want To Party” – incluída no seu mais recente longa-duração Hold On Baby –, King Princess caminha para o lado da pop relacionável; os fãs aprovam. Nós, porém, preferimos ouvir “Cursed” ou “Talia”, que certamente nos conquistaram. Quando escutámos “Ohio”, sentimos na pele o clímax explosivo que fechou o concerto. Os fãs aprovaram. Nós também.

— Miguel Rocha



Inês Marques Lucas foi, sem dúvida, a hidden gem deste último dia do NOS Alive. Quando fomos ao seu encontro no Palco Coreto, não esperávamos encontrar uma massa tão grande de público a ver. Achamos que nem ela esperava. Mas isso só ajudou a tornar o momento ainda mais especial para todos os envolvidos.

Acompanhada em palco por Choro, Ned Flanger e Francisco Santos, o concerto de Inês Marques Lucas não precisou de ser um concerto pop de proporções megalómanas para se sentir na pele que estávamos a ver algo de especial a acontecer. Primeiro, porque não havia espaço; afinal, isto é só o Coreto do NOS Alive. Segundo, porque não era necessário – as canções de Inês Marques Lucas são ótimas por si só.

Atualmente, a ex-concorrente do The Voice Portugal só tem duas malhas lançadas – “Do Avesso”, com que fechou o concerto com belos coros do público a acompanhar, e “Não Restou Nada”, com a qual abriu o show – e encontra-se a preparar o seu álbum de estreia. Daquilo que escutámos neste concerto, podemos dizer o seguinte: estamos de água na boca para ouvir o que Inês vai-nos trazer no futuro. “Pago a Renda em Canções” (excelente nome para uma canção) em particular ficou-nos logo na cabeça com o seu indie-pop mais dançável, mas o lado mais rock de “Dormente” também nos deixou encantados. Ou então, foi só o uso de uma flauta transversal a dado ponto durante o concerto que nos arrebatou – alguém ouviu o nosso pedido.

O disco de estreia de Inês Marques Lucas tem data de lançamento marcada para setembro. Nós já tomámos notas. Aconselhamos aos restantes para fazerem o mesmo.

— Miguel Rocha



Novamente no palco mais improvisado do Alive, o Coreto, um pouco antes da hora marcada para o concerto de Iolanda, não podíamos ter ficado mais surpreendidos com o ambiente que ali encontrámos.

Longe da algazarra de outros palcos, o Coreto – programado pela Arruada nas últimas edições do festival – apresenta-se como o lugar ideal para descontrair e beber uma cerveja, talvez comer qualquer coisa, entre moches e correrias. É, portanto, um espaço que costuma estar relativamente desafogado de gente, a não ser que um dos nomes mais promissores da pop portuguesa da atualidade pise o palco.

Tão espantada como nós, Iolanda não demorou a admitir que “é estranho estar aqui a tocar assim para tanta gente”, antes de agradecer a presença do público que enchia o espaço em pé em frente ao palco e muitas das mesas de restauração, uns metros mais atrás.

Dotada de uma voz inconfundível que é capaz de combinar com batidas dançáveis e também elas bastante originais, Iolanda mostra-se uma letrista igualmente (ou até mais) capacitada. Ao NOS Alive trouxe-nos sobretudo os temas e poemas do seu EP de estreia, Cura, sem contudo esquecer alguns dos singles e colaborações que tem por fora.

Temas como “Cura”, “Juro Já Nem Paro” ou “Lugar Certo” fizeram o deleite dos fãs mais atentos à carreira da cantautora, enquanto as faixas que partilha com o coletivo Avalanche fazem o público levantar-se do lugar e bater o pé. É o caso dos dois singles “Assim” e “Contigo”, esta última que partilha coma  igualmente dotada Soluna que, infelizmente, não pôde marcar presença no concerto.

No final de contas, Iolanda merecia um palco maior e a multidão que reuniu no pátio mais pequeno do festival é a prova disso mesmo — caso a sua voz, as suas letras, a sua reputação ou as músicas que tem a passar na rádio não fossem já suficientes.

— João Daniel Marques



Foi-nos prometido tarraxo e certamente cumpriu-se o tarraxo. Por isso, desde já, obrigada Sónia Trópicos por nos animar a noite no Palco Coreto após a selvageria do mosh pit de Queens of The Stone Age. Recomendamos isso também, mas avisamos que é impróprio para cardíacos. E não é que o set de Sónia Trópicos tenha sido próprio para cardíacos. Quando o baixo se sentia, garantimos: sentia-se o baixo. Era a dica para partir chão.

Trazendo na bagagem o seu EP de estreia Astral Anormal, editado em 2022, um conjunto de remisturas (pacote editado recentemente), e novas malhas futuras, Trópicos agitou as águas de um Coreto progressivamente mais recheado de público encantado com os seus cruzamentos entre música eletrónica, fado, tarraxo e funk. 

A dar maior uso à sua voz – que esperamos ouvir mais em composições futuras – Sónia Margarido revelou-se confiante e à vontade em cima do Coreto. Pelo meio, muito bailarico (e algum twerk) promovido por malhas como “Além da Dor”, “Safadinha Triste” e “Barca”. Gostamos. Aprovamos. Venha o próximo. Sónia Trópicos está para ficar.

— Miguel Rocha



E ora cá estamos nós de volta ao Palco Heineken, um ano depois de Phoebe Bridgers, para contarmos a história de outra peregrinação de tanto fãs para um único concerto. Falamos, claro, de Rina Sawayama, um dos nomes mais excitantes da pop atual. Há muitas razões para isso. Já lá vamos.

Em 2022, tivemos a oportunidade de assistir à estreia da autora de SAWAYAMA por terras portuguesas aquando do seu concerto no Primavera Sound Porto. Escreveu-se por estas páginas que Rina reclamava “bem alto um lugar no palco principal.” Pois bem: se o concerto do Primavera reclamou por esse lugar, o do Alive serviu como a confirmação. Rina merece mais que o palco secundário de um festivaleco na tuga. O seu espetáculo não é um espetáculo pop para os comuns mortais. É um espetáculo pop digno de grandes palcos e de grandes públicos. Felizmente, o do Alive correspondeu. Deram muito amor e também receberam muito carinho. Foi slay, portanto.

Comparativamente com o que vimos no Primavera, aquilo que mudou principalmente é o espetáculo ser muito mais arrojado. Se no Porto encontrámos Rina a arrasar e a ter canções à medida, no Alive vimos o seu espetáculo a ser elevado para complementar as canções, mas também para arrasar ainda mais. E claro está, as canções mantêm-se. Mesmo que Hold The Girl (que veio apresentar ao Alive) possa estar uns furinhos abaixo de SAWAYAMA, ao vivo as canções do disco triunfam pelo que Rina acrescentou ao seu espetáculo entre aquilo que vimos no Porto e que agora assistimos em Lisboa. A banda e as dançarinas ajudam, claro, mas quando assistimos ao show todo para “This Hell” fechar o concerto, sabemos que aquilo que Rina visiona para o seu universo de pop tem muito que se lhe diga. Interações com o público que nos fazem gostar mais dela; chapéu de cowboy um pouco para o cheesy; um outfit que pode muito bem ser descrito de forma sucinta da seguinte forma: muito slay (já perceberam que foi muito slay? Porque foi).

Mas até chegarmos a “This Hell”, foram muitas as canções que ajudaram a tornar o concerto de Rina Sawayama um dos melhores – se não o melhor – e mais divertidos que vimos na edição de 2023 do NOS Alive. “Hold the Girl” abriu as hostilidades em festa; “Hurricane” arrebatou corações; “Dinasty” fez-nos transcender. A partir daí, foi sempre a aviar. “STFU!” mandou o Heineken abaixo (e ainda se escutou “Break Stuff” dos Limp Bizkit), “Frankenstein” confirmou-se como malhão ao vivo, “Bad Friend” foi recebido em extâse, “Beg For You” levou-nos a clamar por um concerto de Charli XCX EM Portugal (por favor), o baixo de “Comme Des Garçons (Like The Boys)” voltou a fazer-se sentir na espinha, e em “XS” o seu chicote pôs-nos em sintonia de quem realmente mandava. Porque com um chicote, tudo é melhor. Especialmente a pop (mas não só). Para mais concertos Pop – P grande mais que merecido – como este, por favor. Showzão.

— Miguel Rocha



Para a maior parte dos festivaleiros foi Branko quem fechou o festival, ainda que de maneira ilegítima. Afinal houve concertos a começar às 3h da manhã, pouco depois do lisboeta ter terminado o seu set, mas duvidamos que tenham reunido condições para competir com este.

Um dos favoritos do público da capital, sabemos que não há festa em que marque presença e que não encha, e no NOS Alive não foi diferente. A tenda do palco Heineken encheu para ver o ex-Buraka Som Sistema em ação e depois de mais de 90 minutos de dança, ninguém saiu desiludido.

Apoiado nos temas do seu último projeto, OBG, Branko trouxe-nos alguns dos melhores hinos da eletrónica produzida em Portugal nos últimos anos. Mas não é só isso: há qualquer coisa de especial na música de João Barbosa, que é capaz de fundir elementos da portugalidade, do tropicalismo e da musica africana num ambiente sonoro claramente eletrónico e super dançável.

Com passagens suaves, o produtor leva-nos numa viagem visual e auditiva, com principio, meio e fim pelos seus temas sem nunca se tornar previsível ou aborrecido. Desta feita, um dos elementos diferenciadores foi a presença física de BIAB, com quem apresentou o recém divulgado “Nuvem”. Ainda assim, o ponto alto do concerto teve que ser próximo dos momentos finais do mesmo quando, vindas do backstage, algumas 20 pessoas subiram a palco lideradas por um coreografo informal. Ali, olhando de alto para a plateia, estes fãs vestidos de forma casual dançaram e disfrutaram do cenário musical contagiando os que estavam abaixo.

Sem demoras, animado por tocar para um público tão alargado e diverso, Branko apresentou-se em palco com o objetivo de tocar o maior número de temas possíveis e não se deixou falhar. Com uma energia incomparável lembra-nos que não é um mero DJ, mas sim um produtor, e dos bons — daqueles que em vez de ficar parado atrás do computador e da mesa de mistura assume os pads de baquetas nas mãos e parte para os temas como um verdadeiro multi-instrumentista, abrindo margem para erro, mas também para um entretimento superior. E nem é que namore o microfone ou se dirija diretamente ao público muitas vezes, mas a sua postura em palco e linguagem corporal fazem com que ver Branko trabalhar ao vivo seja um verdadeiro prazer.

— João Daniel Marques


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