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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/04/2022

A banda sonora da procura do regresso à normalidade.

Branko sobre OBG: “Senti-me confortável para voltar ao quarto onde comecei a dar os meus primeiros passos, em 1998″

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/04/2022

Não será, de todo, inusitado afirmar que João Barbosa é um dos nomes mais conceituados da música electrónica a nível não apenas nacional, mas também internacional: o DJ e produtor constou do lineup que reincarnou os embaixadores do drum and bass nacional Cooltrain Crew, e em 2006, sob o pseudónimo Lil’ John, co-fundou com Conductor, DJ Riot, e Kalaf Ângelo (os dois últimos ex-parceiros em Cooltrain Crew) os Buraka Som Sistema, que, em dez anos de existência, tomaram o mundo de assalto com o seu auto-intitulado “kuduro progressivo”, o que contribuiu notoriamente para o reconhecimento da música lusófona, tão acarinhada e absorvida até aos dias de hoje; também nesse ano, Barbosa ergueu com Kalaf a Enchufada, editora dedicada à divulgação global de música electrónica influenciada pelas sonoridades dançáveis do hemisfério sul, com um catálogo onde se encontram trabalhos discográficos do colectivo que transmitia “de Buraka para o mundo”, mas também de nomes como Dotorado Pro, Dengue Dengue Dengue ou DJ Marfox. 

Avançamos alguns anos para a frente, e Barbosa assume agora a sua carreira artística enquanto Branko, contando com uma mixtape (Drums, Slums & Hums, de 2013), dois álbuns (Atlas Nosso, de 2017 e 2019, respectivamente), e um período pandémico em que não apenas deixou um pouco da sua magia enquanto produtor em alguns dos singles com maior rotação radiofónica no país, como também enfrentou as oscilações de confinamento ao gravar DJ sets por diversos locais de norte a sul. Agora, é tempo de caminhar para um futuro que se vislumbra mais esperançoso, e OBG (Obrigada) sai até um dia antes de marcar presença na primeira edição do Sónar Lisboa, e é o reflexo de um artista que pretende rumar no mesmo caminho, após uma longa temporada em que o desespero tomou conta de todo o sector cultural. Em conversa com o Rimas e Batidas, Branko fala-nos precisamente de como este processo de reinvenção social reinventou também a sua sonoridade neste disco, das referências que se mantém presentes a nível composicional, a pertinência da lusofonia na música e cultura portuguesa da actualidade, e a necessidade de celebrar a vida social através da música e da dança, dentro de um cenário actualmente muito mais libertador.



No próximo dia 8, sairá OBG, o teu mais recente capítulo em longa-duração. Tendo em consideração o título, é impossível não o perguntar: a quem pretendes deixar o teu agradecimento com este álbum?

Acima de tudo, é um agradecimento às pessoas que continuaram a ouvir e a se relacionar com a minha música, com os sets que eu fui lançando, com tudo isso, porque foi uma sensação relativamente interessante e que que foi certamente uma das grandes motivações para criar o disco que criei: mesmo com todo o circuito de música ao vivo e de clubes parado, continuei a ter pessoas a perguntarem sobre música e a quererem música e a relacionarem-se com DJ sets que fazia pelo Instagram ou com coisas um bocado mais elaboradas… Então, o agradecimento é mesmo direccionado às pessoas que me seguem, e acima de tudo, às pessoas que entretanto me descobriram, porque passou a haver mais tempo, e a minha relação com as pessoas que me estavam a seguir e a ouvir até chegou a ser mais profunda no sentido de haver maior investigação por parte das pessoas (mais gente a perguntar pelas músicas das minhas tracklists, por exemplo), o que, inevitavelmente, acabou por me criar uma confiança e uma vontade muito grande de poder fazer o disco que eu queria que, neste caso específico, era um disco mais focado nos beats, nos instrumentais, e pronto, acabou por ser esse o resultado.

Este período pandémico caracterizou-se na sua generalidade por um sentimento de clausura, mas tu conseguiste alcançar o oposto através de DJ sets que realizaste em diversos locais exteriores de norte a sul do país; adicionalmente, vemos motivos rurais em destaque na artwork e fotos promocionais do álbum, e o sample de uma cantiga tradicional toma a linha da frente do single de avanço “SRA”. Poder-se-ia dizer que existe um tom de regionalidade ou portugalidade que permeia o trabalho que tens vindo a desenvolver nos últimos dois anos?

Sim. Eu acho que a grande inspiração para quase todos estes temas se encontrava precisamente nos sets de que estás a falar, que eu fui gravando por sítios de Portugal, sendo que a maior parte destes eram sítios que já faziam parte das minhas memórias, com as quais eu já tinha (ou tinha tido) uma relação, fosse a terra da avó, um sítio onde tenha ido de férias com amigos meus, etc. A meu ver, os outros álbuns eram viagens um pouco pelo mundo fora e reflectiam o lado social da criação através de diversas participações e pessoas em estúdio, sentindo também a reação das pessoas nas pistas de dança, mas a partir do momento em que desapareceu isso tudo, acabei por me focar em viagens mais regionais, fazendo delas o grande objectivo e o grande combustível da música que eu estava a criar, e então, inevitavelmente, acabei por cair em alguns lugares mais portugueses ou que se relacionam mais com o nosso universo da música tradicional. Ao mesmo tempo, creio que, de certa forma, acabei por criar um dos meus álbuns mais internacionais de sempre, porque a dança e o instrumental são universais — também acabei por tratar grande parte das vozes quase como samples —, e tentei manter uma abordagem bastante acessível para toda a gente, porque senti que os sets estavam a chegar a toda a gente: apesar de, por exemplo, ter aberto o set da Serra da Estrela com Madredeus e depois ter as participações da Rita Vian e do Pedro Mafama, senti que o set se espalhou pelo mundo todo, e acho que essa sensação foi mesmo muito interessante ao ponto de ser algo que quis aprofundar ao máximo na criação do OBG

Para além do sample utilizado em “SRA”, também a mbira que se faz ouvir por parte da participação de Iúri Oliveira em “CTG” oferece um elemento de tradição que se destaca no seu contraste com contemporaneidade, representada pelo universo electrónico do teu trabalho. Sentes que esta via anacrónica instrumental poderá ser explorada de uma forma mais extensa no repertório de Branko, através da inclusão de mais músicos de instrumentação acústica, de um recurso mais abrangente de samples?

Eu confesso que gosto muito e vivo muito do formato de canção e acho que isso é mais ou menos claro, como é o caso do Nosso, que era um disco do artista Branko a colaborar com pessoas de Lisboa para o mundo… Mas ao mesmo tempo, e especialmente enquanto DJ — que se calhar acabou por ser o meu trabalho principal nestes dois anos, ser DJ na internet (risos) —, é óbvio que a parte instrumental e o lado do sampling têm muita força, porque é uma forma muito interessante de contar histórias e de criar a energia que se quer, daí ter estado sempre presente. Neste disco, senti-me confortável para voltar ao meu quarto, onde comecei a dar os meus primeiros passos a produzir música, na Amadora, em 1998, e fazer a mesma música que fazia na altura, só que com uma plateia mais preparada para a ouvir e a perceber o contexto. Então, nesse sentido, sim, eu sempre fui dividido entre o universo da canção e o do instrumental, e penso que um deles vai acabar sempre por ganhar, seja em discos ou em concertos, dependendo do contexto do que está a ser apresentado. Eu acho que, na fronteira actual em que estamos, entre o fim/abrandamento da pandemia e o reinício de vida social, o instrumental foi algo que me fez mesmo muito sentido, porque embora quisesse criar músicas para gravar sets, também queria que fossem dançadas ao vivo, e acho que o disco é isso, é para pôr play do início ao fim e, se te apetecer dançar, danças, se te apetecer estar a lavar a loiça, estás a lavar a loiça – é um disco meio de companhia, não é necessariamente um disco de rádio ou uma coisa que aponte para as direcções dos formatos normais musicais. Portanto, eu não sei se esses elementos que referiste vão estar mais ou menos presentes, depende muito; acho que neste caso aconteceu, mas não tenho uma noção muito forte do que o futuro trará.

Mayra Andrade, Dino D’Santiago, Ana Moura e Conan Osiris, Rita Vian, Eu.Clides… O teu nome tem aparecido associado a inúmeros singles nacionais do virar da década. De que forma percepcionas a transição de Lil’ John, que com os Buraka Som Sistema contribuiu para a internacionalização do kuduro, para Branko, produtor on-demand?

Na minha cabeça, eu acho que a narrativa sempre foi a mesma e que a história que começámos a contar, com o início dos Buraka e da Enchufada, em 2006, se mantém. No fundo, há uma força muito grande que desde sempre sentimos — e que eu continuo a sentir — naquilo que é a música criada em locais de expressão portuguesa; ao mesmo tempo, acho que Lisboa é um epicentro dessa cultura em português, o que sempre foi a grande influência para tudo isto. Seja através dos 140 BPMs do kuduro, dos 125 ou 126 BPMs do afro-house, dos 90 BPMs da kizomba, ou dos 130 do baile funk. Tudo isto são BPMs, movimentos e direcções diferentes, mas, para mim, manter a mesma narrativa foi uma adaptação relativamente simples, porque Buraka acabou por plantar uma série de sementes em mim, em outras pessoas que fizeram parte do grupo, e em artistas que foram inspirados ou que possam ter começado as suas carreiras por causa de Buraka Som Sistema. Um grande exemplo disso é a Pongo, que está com uma carreira internacional incrível e que começou com o “Kalemba (Wegue Wegue)”. Tudo isso foram sementes que foram plantadas e que estão agora a começar a dar frutos e a a criar as suas próprias histórias. Enquanto membro dos Buraka Som Sistema, isso é o mais bonito — ou o melhor elogio — que o grupo podia ter, o de ter criado a inspiração para outras pessoas terem começado a produzir, a cantar, a fazer música, ou simplesmente a profissionalizarem mais a sua carreira, ou a saberem que não precisam de soar igual aos artistas lá de fora para conseguirem vingar e que com um som diferente, inovador e único se calhar vão conseguir ter mais impacto. Isso é incrível.

No passado sábado, participaste no concerto de Dino D’Santiago, no Coliseu dos Recreios, onde reconheceste Dino como sendo “o artista português mais importante da atualidade” – uma afirmação poderosa e, claro, bastante coesa com quem tem desenvolvido a sua carreira musical através de produções indissociáveis de diversas expressões da música popular africana. Achas que a lusofonia possui um papel na música portuguesa mais preponderante do que nunca?  

Sim, sem dúvida. Acho que a lusofonia ganhou muita força e que a forma como tudo isso é vivido em Lisboa aumentou a consciência de que esse é um caminho a seguir, a nível de construção de histórias, narrativas, carreiras, internacionalização, etc. Pensando no exemplo do Dino D’Santiago, eu não escolhi a expressão “melhor” ou “mais bem-sucedido”, mas sim “o mais importante”, exactamente porque, para mim, essa é a afirmação mais importante que, culturalmente falando, Portugal tem a fazer a partir do início do século XXI. Sinto que o Dino é tão importante pela música que faz como pelas coisas que diz e pelas causas a que dá voz e, independentemente de todas as pessoas concordarem ou não — ou de o país estar ou não estar a acompanhar, que eu acho que não está totalmente a acompanhar — é muito importante ele estar a levantar os assuntos em causa, e essa importância aumenta quando tens 4000 pessoas à tua frente no Coliseu de Lisboa. Isso é um feito muito grande, não é? Se eu olhar para trás, Buraka fez um Coliseu em 2012 e não o esgotou. Para mim, é muito importante e poderoso que alguém, com a sua própria música, raízes e origens, consiga colocar 4000 pessoas a comprarem bilhete para ver esse concerto no Coliseu, e isso é um feito que achei histórico.    

Irás pisar o palco do Pavilhão Carlos Lopes no dia 9 de Abril, no Sónar Lisboa, e é difícil não referir o quão importante é a confirmação de Branko neste cartaz. Ainda que seja um DJ set em b2b com Gafacci, esta será a tua primeira actuação após o lançamento de OBG; para além disso, estrearás a primeira edição deste festival em solo nacional, após algumas passagens pelo mesmo festival em outras localidades, tanto a solo como com Buraka Som Sistema. Pesando todos estes factores, poderemos antecipar que, de uma forma ou outra, este possa ser um set especial?

Completamente. De certa forma, eu olho para esta data do Sónar como várias coisas ao mesmo tempo — ela é importante por várias razões. Uma delas é a celebração do lançamento do disco. A outra passa pelo conceito Enchufada na Zona — que, enquanto evento, será realizado pela primeira vez após 2019 — para a curadoria de um palco — a Enchufada na Zona sempre significou a ideia da música electrónica global num palco. Por fim, esta data também se reflectirá na celebração do lançamento do OBG junto de amigos e de pessoas que admiro, daí a minha escolha de ter ido não para uma apresentação do Branko em concerto (que é uma experiência audiovisual, com uma amplitude maior de BPMs e direcções musicais), mas sim de tentar fazer um b2b exactamente porque me apetece que o tom seja de celebração, de festa, de dança e de partilha. Até porque, se calhar, este irá ser o primeiro grande festival no centro de Lisboa em que estamos já nesta fase nova, a dançar em pistas de dança sem máscara, com a liberdade total, com os amigos e com todo o ambiente social de regresso. Então, acho que é importante por estes três motivos – a celebração do OBG, o regresso do conceito Enchufada na Zona, e o momento actual de fronteira que estamos a viver aqui, a luz ao fundo do túnel. Nesse sentido, acho mesmo que irá ser um sábado muito especial.


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