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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 11/07/2022

De EVAYA a Hope Tala.

NOS Alive’22 – Dia 4: talentos emergentes, devoções intensas e um regresso inglório

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 11/07/2022

Havia a esperança de que o último dia da edição de 2022 do NOS Alive fosse menos quente que os dias anteriores, mas rapidamente percebemos que a esperança era em vão. O sol batia em Algés de tal forma que a maior lembrança para quem veio presenciar o regresso dos Da Weasel aos palcos ou o concerto dos Imagine Dragons – entre outros nomes, claro – deveria ser a de se manter hidratado e refrescado o suficiente para aguentar as actuações sucessivas que viriam pela frente. Não foi à toa que muita gente escolheu a sombra do palco Heineken para “acampar” até que as suas horas preferidas de deslocações para outros chegassem pela passagem do tempo. 

Para nos tentarmos refrescar, partimos à descoberta daquilo que o palco Coreto tinha para oferecer. Com, mais uma vez, curadoria da Arruada, esse espaço do Passeio Marítimo de Algés albergou ao longo dos passados quatro dias nomes como JÜRA, Soluna, Meta_ ou Silly – só para mencionar algum do talento que passou no coreto da edição de 2022 do NOS Alive –, e lá encontrámos dois dos concertos que mais nos encantaram neste último dia de festival.

O primeiro desses concertos surgiu da artista fascinante que é Beatriz Bronze, mais conhecida no mundo artístico por EVAYA. A sua pop electrónica, experimental e etérea recebeu-nos confortavelmente de braços abertos a abrir o palco Coreto pelas 17h da tarde — e precisávamos tanto deste momentinho para tentar esquecer o calor escandaloso que se sentia Algés; nem o mar nas proximidades servia de salvação…

Acompanhada por Polivalente no seu espectáculo ao vivo, EVAYA muniu-se da sua presença em palco e da sua magnífica voz para captar a atenção de quem ali passava. Ora dando um rodopio ali, ora dando um rodopio acolá, a timidez inicial de Beatriz foi-se transformando suavemente em confiança, permitindo-lhe dominar sem problemas os temas que ia cantando. Foi repescar “dreams” – para abrir o concerto –, “doce linguagem” e uma versão mais ruidosa de “how to dance what is true” (para terminar o concerto) a INTENÇÃO, o seu EP de estreia, e deixou-nos com água na boca para saber o que anda a preparar para o futuro. Como? Além de ter-nos permitido ouvir o seu mais recente single, “atenção”, apresentou duas novas faixas – uma delas intitulada de “na dança da mudança”, se bem ouvimos –, que voltam a jogar no campo que EVAYA habita tão bem: uma pop onírica, com o seu q.b. de experimental, onde a sua voz se funde com o instrumental numa espécie de ritual holístico onde somos todos convidados a participar. Fiquemos à espera para ver o que aí vem – a amostra, para já, está aprovada.



Aproveitando o intervalo entre concertos para reabastecer o stock da tão necessária água e desse mantimento mui precioso que é o fino, começamo-nos a preparar mentalmente para aquele que era um dos concertos mais excitantes do dia para o burgo do Rimas e Batidas. Raquel Martins tem merecido bastante destaque por estas páginas digitais, e o seu concerto no coreto a começar por volta das 19h20 – hora acertada para as vibes que a sua música emana – foi mais uma prova do seu imenso talento. 

Perante uma plateia relativamente bem composta para a ver, e munida de guitarra ao ombro e de um baixista e baterista em palco, Raquel trouxe à vida o r&b, a soul, o jazz – enfim, todo um universo eclético e tão bem construído – das quatro canções que constituem The Way, o seu primeiro EP, e um trio de novas faixas que farão parte de um EP a lançar no final de 2022, como revelou durante o encore no final do concerto. Foi uma pequena festa que se fez ali, com canções como “Untrue” ou “Freedom” a permitirem o pezinho de dança com os seus grooves tão fincados, e onde ficámos com a sensação que não tardará até que Raquel Martins pise palcos maiores. Enfim, como é possível alguém não se apaixonar pela sua música? Nós já estamos mais que viciados.



Se começamos o dia no coreto, era hora de subir um patamar nos degraus dos palcos. Após o término do concerto de Raquel Martins, rapidamente nos deslocamos para o palco Heineken para ir ao encontro de Hope Tala. Já escrevemos por aqui como a artista britânica é um dos talentos mais interessantes a surgir no universo do r&b das terras de nossa majestade, e aquilo que fez em palco certamente justifica o hype. Energética entre canções, vastamente onírica enquanto cantava, Hope Tala apareceu em palco acompanhada por uma teclista, um guitarrista e backing track para desfilar vários dos seus singles, indo dos mais recentes “Is It Enough”, lançado esta sexta-feira (8), e “Party Sickness”, até coisas mais antigas, como “D.T.M.” e a groovy “Lovestained”, a fechar o concerto com nota bem positiva. Pelo meio, ainda alguns dos seus maiores bangers: “Tiptoeing”, “All My Girls Like To Fight” (um dos pontos altos do concerto) ou “Drugstore” foram bem recebidas pelo público, com a última a justificar uma ovação após a inclusão de um belíssimo solo de guitarra na faixa. Mesmo com uma plateia algo morna, tirando alguns fãs mais acérrimos da artista, Hope Tala cumpriu a missão na sua primeira visita a Portugal, e ficámos com vontade de a ver numa sala mais intimista no futuro – um Lux Frágil ou um Musicbox, quem sabe. Fica a ideia para futuras considerações.



A verdadeira razão pela qual o público se encontrava relativamente morno durante o concerto de Hope Tala é simples de explicar. Grande parte do público que se encontrava no palco Heineken durante a tarde e início de noite em Algés tinha em mente um objectivo: assistir à estreia em Portugal de Phoebe Bridgers. Quem é, então, Phoebe Bridgers? Cresceu como uma espécie de artista de culto à boleia do seu disco de estreia, Stranger in the Alps, lançado em 2017, com o seu indie folk influenciado por artistas como Elliott Smith ou Conor Oberst, refinando-o e expandido-o com Punisher, o seu magnífico segundo longa-duração colocado cá fora ao mundo em 2020, com o qual explodiu para a aclamação total da crítica.

Durante os cinco anos que sucederam o lançamento de Stranger in the Alps, Bridgers conseguiu a proeza de amealhar uma quantidade considerável de fãs devotos que esperaram e esperaram pelo momento de ver a artista a subir em palco. Sem margem de dúvidas, a espera valeu mais que a pena. O concerto de Phoebe Bridgers foi uma espécie de missa onde se cantou tudo o que havia para cantar e gritou tudo o que havia para gritar – literalmente. Será Bridgers uma estrela rock? Uma estrela pop? Uma espécie de cantautora musa para aqueles que ousam escutar a sua música? A resposta correcta é que Phoebe Bridgers é isto tudo e muito mais.

Mesmo com os Da Weasel já a dar tudo no palco NOS quando os primeiros acordes de “Down With the Sickness” – sim, leram bem, a faixa dos Disturbed – ecoaram pelo PA do palco Heineken para assinalar a entrada de Bridgers e da sua banda em palco, a plateia encontrava-se bem composta, principalmente por pessoas mais jovens, pronta a oferecer todo o seu amor à artista. Minutos antes do concerto se iniciar, já se sentia que algo de especial ia ocorrer no palco Heineken, quando o público começou a gritar “Phoebe, Phoebe, Phoebe!”. Nem os graves do concerto dos Da Weasel conseguiam ofuscar as vozes dos fãs de Bridgers, diga-se, e isso diz muito do ambiente que se vivia no palco Heineken. 

O soar dos primeiros acordes de “Motion Sickness” confirmaram que ia ser, de facto, um concerto especial. A faixa de Stranger in the Alps é o maior hit de Bridgers (muito por causa do TikTok) e foi a garantia de um início com um impacto enorme em quem ali estava presente, uma pequena introdução à destruição emocional que seria todo o espetáculo. Daí para a frente, o concerto de Bridgers foi, em simultâneo, um crescendo enorme a nível do que ocorria em palco, adornado por adereços (incluindo uma bandeira LGBT) a remeterem para a capa de Punisher e por visuais belíssimos a serem projectados no ecrã, e um rumo ao abismo total para o público que ali se encontrava presente. A combinação “DVD Menu” e “Garden Song” (cantada em dueto com o tour manager da artista) prosseguiu o carrossel de emoções, “Kyoto” justificou os saltos do público (é a canção mais “rock” de Bridgers, não haja dúvida, e ainda foi dedicada aos poucos, mas bons, pais ali presentes), e a sequência “Punisher” – com direito a luzes de telemóvel a iluminar o palco Heineken por parte da audiência –, “Funeral”, “Chinese Satellite” e “Moon Song” deixou muitas sequelas – no melhor sentido possível – nos fãs da artista que tentavam processar aquilo que acontecia à frente dos seus olhos da melhor forma que conseguiam.

Contudo, Phoebe Bridgers deixou o melhor para o fim. “Sidelines”, o seu single mais recente (editado como parte da banda sonora da adaptação da Hulu do romance de Sally Rooney, Conversations with Friends), ganhou uma vida teatral extra em palco, “Graceland Too” foi beleza no seu estado mais puro, existindo ainda tempo para um momento de discos pedidos para se decidir que canção Bridgers tocaria só acompanhada pela sua guitarra, calhando a sorte de se ouvir “Me & My Dog” ao vivo, uma das faixas das boygenius, um supergrupo que, além de Bridgers, inclui também Julien Baker e Lucy Dacus, preparando terreno para aquilo que seria o golpe final do concerto: “I Know The End”, a última faixa de Punisher

É complicado explicar por palavras aquilo que se fez sentir no palco Heineken enquanto “I Know The End” foi tocada. Aquela transição soa ainda mais arrepiante ao vivo, e quem por ali passasse quando Heineken quando o tema se fez ouvir por artista, banda e público, em uníssono, deverá ter certamente questionado se estava a acontecer um concerto ou um ritual, tal era o volume dos gritos que se faziam ouvir no clímax da faixa. Se havia sinal de que o concerto havia sido emocionalmente destrutivo para muita gente, os abraços e lágrimas partilhados no final por muita da plateia, conhecidos ou não conhecidos, confirmavam exactamente isso. Caso tenham sobrevivido ao concerto de Phoebe Bridgers sem questionarem tudo o que vos rodeia, desejamos os nossos sinceros parabéns. Se, como quem vos escreve deste lado, acabaram no chão no final do concerto, oferecemos os nossos mais sinceros abraços. Contudo, dizemos: é para repetir, e seja muito em breve – em nome próprio, de preferência. 



Dado que o concerto de Phoebe Bridgers foi um colapso emocional total para muitos dos presentes, houve a necessidade de irmos fazer algo que nos elevasse o espírito. Primeiro, tentar encontrar um stand de comida para encher o bucho e recuperar energias e, segundo, olhar para o horário a ver se algo nos poderia fazer sorrir de novo. Acabámos a dividir o tempo entre o set de Diana Oliveira no palco WTF Clubbing – um palco secundário que esteve sempre bem preenchido a nível de público durante todo o festival – e o concerto de Manel Cruz, que se apresentou a solo no palco Heineken para cantar algumas belas cantigas.

Tanto o espetáculo de electrónica de Diana Oliveira como o concerto intimista de Manel Cruz foram dois momentos bonitos de se ver àquela hora – próxima da meia-noite – no interior do recinto do NOS Alive. Diana Oliveira mostrou ser uma das produtoras e DJs mais interessantes a crescer no circuito de electrónica, enquanto Manel Cruz, apenas munido de uma guitarra, consegue fazer todas as canções, não importa quão simples ou complicadas, soarem belas. No final, houve tempo para lembrar a esperança nos mais jovens e para um pequeno encore, semi-improvisado, por parte do membro dos Ornatos Violeta — e a simpatia total do público em ver um dos grandes nomes da música a fazer magia (mais uma vez).



Falando em magia, há que regressar a 2019 para entendermos melhor esse conceito. Mais concretamente, regressar às margens da praia fluvial do Tabuão, para a edição desse ano do Vodafone Paredes de Coura, onde os Parcels foram reis e senhores no primeiro dia do festival. Donos de um dos grandes concertos do ano de 2019 em Portugal, o regresso da banda australiana ao nosso país acabou por se revelar como um dos concertos mais esperados do dia, julgando a quantidade considerável de pessoas – não temos a certeza se a palavra “fãs” seja bem empregue neste caso – que se juntaram no palco Heineken pelas 00h45. Mas se o concerto que os Parcels deram em Coura há três anos foi marcado por uma noção comunitária entre público, banda e natureza, o que aconteceu no NOS Alive foi o completo oposto. 

O sentimento de comunidade que se observou em Coura, num efeito de festa total, não se conseguiu observar, pura e simplesmente, na actuação dos Parcels no NOS Alive. Ao invés, aquilo que se encontrou foi uma espécie de egoísmo primário, onde reinava apenas a liberdade individual, fazendo o concerto parecer mais algo saído de uma Queima das Fitas que um festival de Verão. Para quem gosta disso, tudo bem – não há nada de mal. Mas quem procurava encontrar o mesmo sentimento que sentiu em Paredes de Coura, certamente terá ficado desapontado, em primeiro lugar, com a confusão gerada no seio do público (aqueles mosh pits certamente… foram algo) e, em segundo, com o formato escolhido pela banda para apresentar as suas canções, numa espécie de medley de nu-disco mais semelhante a techno criado em Berlim em que as canções serviam de apenas pontes entre si para chegar à próxima. 

Repita-se: não há nada de errado nisso, mas um concerto também é um jogo de expectativas e um momento de comunidade que seja, de facto, um espaço seguro para todos. Por isso, o concerto dos Parcels ficou muito aquém das nossas expectativas e, menos de 20 minutos depois do concerto ter começado, percebemos que nada daquilo fazia algum sentido e acabámos a abandonar ainda antes do seu término para tentar encontrar explicação para aquilo que tínhamos acabado de presenciar. Ficamos agora à espera de que, numa próxima visita a Portugal, as contas sejam acertadas numa direcção mais afortunada por todas as partes. Ou, então, que se aplique a máxima: nunca voltes ao lugar onde já foste feliz – exceto se fores os Da Weasel.

O NOS Alive regressará em 2023 ao Passeio Marítimo de Algés; e já existem datas para a próxima edição do festival organizado pela Everything is New: 6, 7 e 8 de Julho.


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