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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 25/07/2023

Cara a cara com o Homem.

MIKE: “Tens de ter alguma coisa para dar às pessoas que também estão a fazê-lo”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 25/07/2023

“Nunca conheças os teus ídolos” é uma regra que, para quem anda nestas lides, mais cedo ou mais tarde se confirma pela sua transposição. Nesta sede, com alguma sorte, as vicissitudes do ofício obrigam-nos a quebrá-la. Mas diz-nos a experiência que, quando assim é, o remédio está na gestão de expectativas.

No caso de MIKE, adivinhávamos à partida que a pessoa no lugar do artista não destoaria por aí além: bem-disposto, sorriso sempre pronto, afável no trato até — mesmo sem grande predisposição para longas conversas minutos antes de assumir um soundcheck já tardio, em preparação do concerto que o trouxe, pela primeira vez, a solo português, para actuar nos jardins da Galeria Quadrum, em Alvalade. Se foram os melhores 20 minutos de conversa com o rapper por quem corremos capitais europeias fora antes de o encontrarmos em Lisboa? Talvez não. Mas chegou para descobrir que Michael Jordan Bonema era tão fã de Skepta quanto nós dele, que sabe pronunciar (com sotaque nova-iorquino, vá) “Portinho da Arrábida” — e que há praia na Ribeira das Naus —, que tem uma série de músicas engavetadas com Earl Sweatshirt (outro dos “a não conhecer” que tivemos a oportunidade de ver em carne e osso na mesma noite), um par de projectos fechados com Navy Blue, e umas quantas novidades por desvendar com The Alchemist. Nada mau para um primeiro encontro.



Esta é a tua primeira vez em Lisboa, mas já é a segunda vez que te vejo actuar ao vivo.

A sério? Onde?

Há cerca de um ano vi-te em Madrid, no Siroco.

Ohhhh! Jeeeez!

Foi um grande concerto [risos].

Foi um concerto bem divertido!

Poucos mas bons.

Eu sei, tão engraçado…

E como têm sido estes dias em Lisboa? É a tua primeira vez em Portugal, certo?

Tem sido incrível, muito relaxante. A cidade é muito bonita, está construída de uma forma muito fixe, as cores e isso…

O que é que visitaste?

Estivemos muito na zona da baixa…

Foram à praia?

Sim, fomos ao Portinho da Arrábida.

Essa já é mais longe do centro de Lisboa.

Sim, sim, mas é muito fixe. E sabes a praia na zona da baixa?

Há várias.

Oh, fuck [risos]. Sabes onde é a rua cor-de-rosa? É a praia a um quarteirão daí.

Já sei, é uma muito pequena. E também sei que foste jantar com o Earl Sweatshirt e o resto da malta à Cervejaria Ramiro. Foi uma recomendação do Alchemist? Porque ele, da última vez que cá esteve, foi lá e adorou. 

A sério? Não fazia ideia! Eu acho que nós simplesmente escolhemos esse sítio à toa [risos].

A sério? É que esse até é um dos restaurantes mais conhecidos de Lisboa. 

Não sabia, isso é fixe. A comida era muito boa. Eles trouxeram uns caranguejos enormes… [risos]

Por falar no Alchemist, recentemente tivemos gente como Navy Blue, Wiki, Fly Anakin, Pink Siifu, ou o próprio Alchemist, a virem a Lisboa, e todos eles pareceram bastante surpreendidos com as plateias que encontraram cá. Qual é a sensação de viajar para um país diferente, com uma cultura diferente, e ter fãs que podiam ser nova-iorquinos?

Sim, eu percebo o que estás a dizer. É inacreditável. Quando eu penso no meu “eu” mais novo, pensar que havia pessoas noutros países que…

Que se conseguem relacionar com a tua música?

Exacto! Passar por coisas parecidas. Eu lembro-me de ser bué novo e de o Skepta ir tocar à América, num concerto num parque em SoHo [Nova Iorque], e lembro-me de ver isso e pensar, “Isto é monumental”. Porque é um artista que nunca imaginarias ver nesse sítio — e ele nem estava a dar um grande concerto, estava a cantar num parque de basquetebol. Esse é o tipo de coisas que me inspira a fazer o que faço agora. Por isso, quando venho aqui e vejo gente nova a vir para ver o que nós viemos fazer… é como uma comunidade global.

Nesses concertos, como o de Madrid, em que estão poucas pessoas, mas os que estão são realmente fãs, são esses que te entusiasmam mais?

Eu adoro esses concertos.

No de Madrid parecias mesmo feliz.

Sim, sim. Porque estava com os meus amigos, e mesmo antes: estavam lá umas sete pessoas que tínhamos conhecido nesse dia, porque estávamos à procura de erva e eles nem conheciam a minha música. Tu lembras-te dessas catorze pessoas lá — ou menos, talvez dez.

Eu contei e éramos 30.

Yeah [risos]. Então, se esses quatro ou cinco skaters não estivessem lá, teríamos sido tão poucos… [risos] E é inacreditável, porque tínhamos acabado de conhecer essas pessoas mesmo antes do concerto. Foi incrível: ficámos lá durante o dia, conhecemos pessoas, mais gente foi ao concerto. Foi um ambiente mesmo tranquilo, e depois ficámos a conviver a seguir ao concerto.

Há uns anos eras visto como o líder de uma nova vaga do underground nova-iorquino. Ao fim destes anos todos, como é que te sentes com esse legado aos teus ombros?

Eu sinto que isso faz parte de alguma coisa maior que eu. Mas sinto-me grato por ter aparecido na altura em que apareci, porque consegui testemunhar uma série de coisas importantes. Eu acho que, naturalmente, se gostas de arte realmente boa ou se gravitas para aí, acabas sempre por fazer parte disso de alguma forma. Sinto que é uma espécie de comunidade, que todos nós fazemos alguma coisa. E eu ainda sou bué novo… [risos] Sei que no futuro, quando olhar para trás, nos meus quarentas, vou conseguir perceber o que fiz, mas…

Ainda está tudo a acontecer agora.

Exactamente! Ainda tenho de compreender tudo isto. 



Nessa altura não tinhas receio de ficar demasiado colado às comparações com o Earl Sweatshirt, em termos de seres uma espécie de sucessor dele?

Quer dizer, muita gente dizia coisas desse género, mas não sei… Ele era, definitivamente, um dos meus artistas preferidos — ainda é. Sinto que o meu legado, quando vejo o quadro todo… eu vim de Inglaterra, ouvia grime a toda a hora, e quando cheguei à América passei a ouvir Drake e Lil Wayne, e depois os meus amigos puseram-me a ouvir Odd Future e MF DOOM — eu ouvia MF DOOM a toda a hora…

Daí as maiúsculas em MIKE.

Exacto. Literalmente, é a razão pela qual o meu nome é todo em maiúsculas: por causa da música “All Caps”. E, quando penso nisso, ele também se mudou de Inglaterra para a América — há alguma similaridade. É isso que eu acho que é ser uma influência: tens de ter alguma coisa para dar às pessoas que também estão a fazê-lo, e sinto que o Earl Sweatshirt tem alguma coisa para dar a quem o faz, assim como o MF DOOM, o Slick Rick… Essa é a razão principal. 

Por outro lado, como é que tu e o Earl só lançaram uma música juntos até hoje?

[Risos] Nós temos muita música, mas tem sempre a ver com a altura certa para lançar. Mesmo eu e o meu bom amigo Sage [Elsesser aka Navy Blue], nós temos uns dois projectos na gaveta desde 2017 [risos].

A sério? O Navy Blue também é dos meus rappers preferidos.

Ele é incrível.

Gostava de falar contigo sobre o Disco!. Sinto que esse álbum marcou um ponto de viragem na tua carreira, quase como se houvesse um MIKE pré-Disco!, e um pós-Disco!.

[Risos]

Faz sentido para ti?

Depende. O que é que queres dizer com isso?

Em termos de abordagem na tua música. E tu já falaste disto, mas há um certo registo feliz-triste a partir desse álbum, que se calhar antes era muito mais pesado. 

Sim, eu percebo-te. Eu acho que faz parte de crescer…

Mesmo enquanto artista.

Sim, exactamente. Crescer enquanto artista. Eu sinto que é abordar a minha música de forma diferente, mas também mostrar mais das minhas influências musicais — e não apenas rap. Acho que foi muito sobre isso, e também estava a tentar ser a minha versão de um grande artista [risos].

Nesse sentido, o Beware of the Monkey é o teu álbum mais bem-conseguido? Na perspectiva de este projecto te ter tornado menos perfeccionista e mais espontâneo.

Hmm… Honestamente, sinto que esse é o meu principal objectivo. É uma coisa que me faz achar algo interessante. Eu tento seguir a minha intuição muitas das vezes. Por isso, com o Beware of the Monkey, tentei criar uma expressão saudável dessa intuição.

Confiar nas primeiras impressões?

Yeah! E as primeiras impressões, normalmente, são espontâneas, e sinto que isto tem sido o processo de voltar a fazer isso. Costuma-se dizer que deves seguir sempre o teu instinto, e é uma boa prática. 

E, quando estás a criar, qual é o teu primeiro impulso? Encontrar o sample perfeito? Escrever qualquer coisa que tenhas por dizer?

Recentemente, tem sido procurar samples e isso. Às vezes tenho beats que tocam o dia todo; deixá-lo tocar até que, eventualmente, saia alguma coisa. Mas o processo é sempre diferente. Às vezes é mais difícil quando estou em tour, mas, quando estou em casa, deixo um beat a tocar de manhã à noite — até posso ir dormir com ele a dar [risos].

Mas, pelo que estás a dizer, parece que o beat vem sempre primeiro.

Sim, porque eu sou muito esquisito em termos de produção. 

Nesse aspecto, como foi trabalhar com o Alchemist — em específico na campanha Patta x Tommy Hilfiger?

Eu sinto que ele faz parte de uma geração mais velha, mas, honestamente, ele é um dos melhores OGs na cena rap. Eu tenho imenso carinho por ele. Ele está sempre a tentar pôr-te em alguma coisa e nunca tem medo de… ele nunca te faz sentir como se estivesses com o Jay-Z ou assim, percebes o que quero dizer? Ele até te dá a satisfação de o pores a par de alguma coisa. Sinto que uma pessoa boa e inteligente permite-te que lhe ensines alguma coisa.

E parece-me que ele procura constantemente puxar pelas gerações mais novas, como vimos agora no mais recente trabalho dele em que também entraste.

Sim, sim.

Há a possibilidade de virem a fazer um projecto juntos?

Eu acho que há-de acontecer, eventualmente. Nós temos algumas cenas a caminho. Temos músicas, temos músicas…

Quando trabalhas com outros produtores — porque, maioritariamente, produzes para ti próprio —, é muito diferente de quando trabalhas sozinho? 

Quando trabalho com outras pessoas é muito mais rápido, porque já alguém fez o beat e não tenho de dar a volta à cabeça com essa parte. Mas, normalmente, quando estou a fazer letras, beats e tudo, às vezes é um processo de três dias [risos].

E falando de projectos para o futuro: este ano vamos ter um novo álbum no solstício de Inverno?

Talvez, talvez… Vamos ver… Mas, definitivamente, tenho cenas a caminho para muito em breve. Não tenho a certeza de quando, mas vai sair muita música este ano. Estou a tentar ser espontâneo [risos].


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