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Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 04/06/2022

Já só sonhamos com a próxima...

Fly Anakin na Galeria Zé dos Bois: o mais generoso e acessível

Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 04/06/2022

Na retoma da normalidade ao nível de concertos, a Galeria Zé dos Bois segue na dianteira no que toca a concertos de hip hop por parte de artistas internacionais. Depois de Navy Blue, “o mais sincero” dos MCs da nova escola norte-americana, ontem foi a vez da sala “aquário” lisboeta receber um outro peixe que nada que se farta. Frank Walton foi o mais generoso e acessível que poderíamos ter alguma vez imaginado e deixou-nos o apetite ainda mais aguçado para o que poderá vir a seguir no mesmo espaço: será MIKE? Akai Solo? MAVI? Ovrkast? Wiki? Ou Pink Siifu? Injury Reserve, pelo menos, já não devem escapar.

Enquanto as questões sobre o futuro vão surgindo sob a forma de popups mentais, havia já um porto tónico geladíssimo num copo de alumínio que sussurrava “ingere-me”, enquanto as tonalidades das batidas lo-fi de oseias. nos davam as boas-vindas e preparavam o terreno para o ecléctico alinhamento que o rapper de Richmond, Virgínia, tinha em mente para oferecer aos portugueses. Acima de qualquer coisa, esperamos que o autor de [trinta&sete​.​] tenha aproveitado a oportunidade para se dar a conhecer aos forasteiros e, quem sabe, almejar por aí alguma colaboração além-fronteiras que meta o nosso país ainda mais na rota desta nova vaga de cult rap.

Na mesma linhagem estética do beatmaker português estava ewonee, também ele um artesão da batida e que no currículo enverga produções para Mach-Hommy, Tha God Fahim, Pink Siifu, Al.divino e para o próprio Fly Anakin. É ele quem assume funções de DJ na digressão que trouxe o MC à nossa capital e, como manda a tradição, é também o primeiro a subir ao palco para tentar arrancar algum ruído do público. “Se o Fly Anakin vos escutar a partir dos bastidores, ele aparece”; atirou como quem joga uma caixa inteira de acendalhas em cima de umas brasas. O entusiasmo da plateia ganhou a forma de ondas sonoras e não foi preciso esperar muito tempo até sermos notados pelo cabeça de cartaz da noite. Com a descontração que lhe é característica nos versos, Anakin surgiu em cena envolto numa neblina de THC. “Está na hora de trabalhar. E, para trabalhar, preciso de descontrair primeiro”, fez questão de explicar aos presentes, antes de deixar um agradecimento ao plug tuga que lhe conseguiu orientar um saco da famosa planta medicinal.



Entre a adaptação ao espaço onde ia exercer o seu ofício e as piadas lançadas para medir a atenção das cabeças que tinha à sua frente, o homem que editou Frank em Março passado pela Lex Records nem precisou de nos dar música para perceber que estava perante uma legião de fãs mais aguerridos. Quem ali estava, não veio só de passagem ou movido por mera curiosidade, e isso manifestava-se em palmas e assobios, com uma ou outra voz que se tentava sobressair pelo meio do ruído na tentativa de criar algum diálogo com o rapper. Sempre que apanhava as dicas, Fly Anakin não deixava ninguém sem resposta e fomentava ainda mais essa interacção.

Fora todo o culto que existe em torno destas novas vozes norte-americanas, bastou soar a primeira faixa para percebermos que Anakin é o real deal ao vivo. Se os flows e a projecção daquela sua voz esganiçada dificilmente passam despercebidos para quem escuta o seu output de estúdio, a versão em carne e osso chega a dar-nos bofetadas tal é a precisão na dicção e no volume com que executa os seus versos. Apesar de munido de microfone e sempre participativo com a voz, a verdade é que o MC pouco ou nada se apoiava nos backvocals de ewonee, assegurando a entrega perfeita de cada rima, ao ponto de, se necessário, pedir ao DJ para voltar ao início da faixa, com o objectivo de nos servir a melhor performance possível. Afinal de contas, não é todos os dias que um artista que ainda nem uma estrela no seu país é tem a possibilidade de fazer uma tour com tantas datas fora de portas e, mesmo assim, é tratado pelo público de forma principesca como nós, portugueses, temos o hábito de fazer com todos aqueles de quem gostamos genuinamente. Anakin arriscou em colocar aquele concerto no top 3 desta sua digressão, mas foram tantas as vezes em que fez questão de se mostrar impressionado com aquele carinho, que não nos admira nada que o primeiro lugar desse ranking nos pertença. A certa altura disse mesmo: “Vou fazer questão de passar sempre por Portugal nas minhas próximas digressões” ou “vou mesmo querer vir passar umas férias a Portugal e ter alguns de vocês a mostrarem-me as redondezas”.

Sem papas na língua, tal como na entrevista que nos havia concedido a propósito da promoção do seu mais recente disco, Fly Anakin não poupou críticas ao (por vezes demasiado longo) processo burocrático que envolve a edição de música nova, dando a entender que está neste momento a trabalhar em várias frentes, ao ponto de já nem se rever em muito do seu material mais antigo. “Ao vivo, ninguém me pode impedir de tocar o que quer que seja”, explicou face à generosa quantidade de inéditos com que fez questão de nos brindar. Neste capítulo, destacaram-se um dos temas que anda a cozinhar com Madlib e ainda um banger de contornos drill — a pouca presença de drums dava-lhe um ar mais etéreo — que gostaríamos de ver disponibilizado o quanto antes. Se tentarmos colocar tudo numa linha temporal, este foi um concerto em torno daquilo que Frank Walton tem feito entre 2020 e 2022, com muitos lamirés de um futuro que queremos que chegue o mais depressa possível.

Nunca vamos saber ao certo qual era o alinhamento originalmente pensado para aquela noite e, sinceramente, nem o próprio parecia estar muito preocupado com isso. O mindset de “é sexta-feira e o nosso voo é só às quatro da madrugada” deve ter prolongado o que estava inicialmente estipulado por mais uns 30 minutos, dando azo a que a estreia de Fly Anakin em Portugal terminasse em regime de discos pedidos. Uns queriam mais de Frank, outros queriam regressar até At The End of The Day e houve até quem arriscasse pedir algo de FlySiifu’s. O rapper foi a (quase) todas e assegurou-se que nenhuma daquelas pessoas iria regressar a casa com a sensação de “só faltou que ele cantasse aquela…” Depois de esgotar as cordas, pediu a ewonee para ficar a rodar uns beats enquanto se agachou no limite do palco para cumprimentar todos aqueles que quisessem aproximar-se para lhe deixar uma palavra. Com uma entrega e disponibilidade deste calibre, só nos resta deixar-lhe um “obrigado e volte sempre!”


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