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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Guilherme Cabral, Cláudio Ivan Fernandes & Rafael de Oliveira
Publicado a: 08/07/2023

Uma estreia de sonho ainda por assimilar.

MIKE nas Noites de Verão’23: segunda mão joga-se em casa

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Guilherme Cabral, Cláudio Ivan Fernandes & Rafael de Oliveira
Publicado a: 08/07/2023

Full circle moment? Estar sentado à conversa com MIKE, num pátio em Alvalade — bem à portuguesa, por sinal —, um ano depois de uma epopeia que nos levou de Paris a Madrid para o ver em carne e osso. Mal imaginávamos que, quando nos despedimos por aqui com um “Até à próxima — se possível, em Portugal”, essa “próxima” viria a concretizar-se em menos de nada. Nem sentados lado-a-lado com o homem em causa, a recordar precisamente esse memorável concerto na capital espanhola, estávamos em crer nas voltas que a vida dá. Mas tivemos quase uma semana para  (como se diz do outro lado do Atlântico, no país predilecto para a samplagem do auto-proclamado dj blackpower) cair na real: já na segunda-feira passada Michael Bonema revelava Lisboa como a sua localização em tempo real — e confidenciar-nos-ia estar a ponderar ficar ainda por mais uns dias depois do espectáculo que o trouxe a uma sexta-feira, 7 de Julho, à Galeria Quadrum, na sua primeira passagem por Portugal.

Deixou-se encantar, sem surpresa, pela luminosidade de uma cidade-chamariz como a nossa. Desde as praias da Arrábida (difíceis de pronunciar para um autêntico nova-iorquino) às da “downtown” (“near the Pink Street, you know?”). E a comida? Fantástica, já se sabe. Sobretudo quando o roteiro inclui uma paragem na afamada Cervejaria Ramiro, à Almirante Reis, de onde começaram a surgir os primeiros registos da presença de Earl Sweatshirt na comitiva do seu protégé.

Esse poderá ter sido um factor de peso na surpreendente enchente à porta dos Coruchéus minutos antes da respectiva abertura. Promovido pela Filho Único entre a programação das Noites de Verão, o concerto marcado para o Jardim das Galerias Municipais tinha à cabeça um dos mais entusiasmantes nomes da nova vaga do underground nova-iorquino, é certo. Mas, e sob pena de essa ter sido uma previsão pouco optimista, não se adivinhavam tantos fãs de MIKE na capital portuguesa. Tanto que houve mesmo quem tivesse ficado de fora, uma vez que, apesar do acesso gratuito, a lotação definiu-se limitada ao espaço, apesar de tudo, considerável — e bem agradável, sublinhe-se.

À semelhança do que havíamos testemunhado um ano atrás no mesmo relvado, assim como Pink Siifu atravessou a multidão em direcção ao palco (por ocasião da sua Tha NEGRO ALIVE’! Experience), também MIKE teve de furar um mar de gente a caminho do palanque — e a seu lado, qual aparição messiânica, avançava também Thebe Kgositsile —, já com Taka ao comando das operações atrás dos decks.

Ao contrário do que lhe reservara o alinhamento delineado para o Siroco, Jadasea só teve direito a uma música a solo na abertura da actuação. Ao rapper britânico seguiu-se o infante Niontay para mais umas quantas, rendido pela também militante da 10k Anysia Kym a dar por terminado o certame inaugural. Há sessões que não precisam de aquecimentos preliminares.

Veio da plateia e à plateia voltou. E de cá de baixo só viria a sair para as despedidas, depois de passar em revista, sobretudo (mas não só), temas de weight of the world, Disco! e Beware of the Monkey. Na derradeira hora de assumir, finalmente, as rédeas da apresentação, o rapper e produtor nascido em Nova Jérsia contornou o palco onde grande parte da sua numerosa entourage (na qual figurava ainda, por exemplo, Black Noi$e) se alinhava, e instalou-se à boca de cena, centrado à primeira fila, ao mesmo nível e cara-a-cara com a sua gente. A partir daí, voou uma hora em duração de déjà vu: ficou-nos a mesma entrega apaixonada, a mesma generosidade inesgotável, o mesmo à-vontade bonacheirão, a mesma grandeza de espírito e a mesma satisfação de um público rendido que vimos acontecer numa cave madrilena.

Em boa verdade, se o contentamento se ia manifestando de forma cada vez mais palpável em cada cabeça ao longo da magnânima e irrepreensível performance (independentemente de uma data de solavancos pelo meio), a felicidade no rosto de cada parceiro à retaguarda do protagonista da tarde que se transformou em noite falava mais alto — tão alto quanto as respostas aos incentivos de MIKE à demonstração de amor pela sua música. E disso não haja dúvidas absolutamente nenhumas: Portugal — porque nem só de alfacinhas se fez esta reunião — tem mesmo muito amor para dar a este Renaissance Man nascido no ano do Tigre, que nos deixou a uma “allstar” das nuvens.


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