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Fotografia: Rog Walker
Publicado a: 04/10/2023

Com o AngraJazz'23 no horizonte.

Immanuel Wilkins: “Projecto os meus próprios valores através da minha música”

Fotografia: Rog Walker
Publicado a: 04/10/2023

Immanuel Wilkins é homem de sorriso fácil, mas percebe-se que não tem tempo a perder: no meio da sua ultra-carregada agenda não foi fácil “apanhá-lo”, mesmo com promessas de conversa pouco demorada. Caminhando na rua — vinha de um ensaio, confidenciou-nos —, Immanuel deu-nos ainda assim a sua total atenção. A ideia era perceber o que irá ele levar ao AngraJazz, festival que arranca hoje mesmo, mas em cujo cartaz o saxofonista norte-americano só se apresenta no último dia, sábado, 7 de Outubro.

Os trabalhos Omega, de 2020, e, sobretudo, The 7th Hand, de 2022 — ambos lançados com carimbo da Blue Note —, congregaram amplos elogios e estabeleceram o nome de Wilkins no muito vasto e ultra-variado mapa presente do jazz americano e global. No palco do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, Immanuel Wilkins será secundado por Micah Thomas no piano e Kweku Sumbry na bateria (ambos gravaram igualmente os dois registos da discografia enquanto líder do saxofonista) e ainda Rick Rosato no baixo (em substituição de Daryl Johns, músico que normalmente acompanha Wilkins em estúdio). E haverá, promete o artista, música nova para apresentar.

Entende-se nas entrelinhas do discurso de Wilkins que há muita ponderação na gestão da sua discografia: há música nova para gravar, confessa-se ansioso por regressar a estúdio e também não põe de parte a possibilidade de lançar material gravado ao vivo. Mas tudo será, garante, feito no devido tempo. Como deve ser.

A edição de 2023 do AngraJazz, a 24ª, tem hoje arranque com dois concertos: a abertura está reservada para a “jóia” da casa, a Orquestra AngraJazz, que conta com direcção de Pedro Moreira e Claus Nymark e que mantém o talento musical local em efervescência — esta big band terá como solista convidado o vibrafonista canadiano radicado em Portugal, Jeffery Davis. Esta noite, o público de Angra poderá também aplaudir o quinteto da pianista canadiana Renee Rosnes que inclui ainda os talentosos Steve Wilson no saxofone alto e soprano, Nicole Glover no sax tenor, Peter Washington no baixo e Carl Allen na bateria.

O programa do Angra Jazz interrompe amanhã, feriado de 5 de Outubro, e retoma na próxima sexta com dois concertos: em primeiro lugar apresentar-se-á o Ben Allison Trio que além do líder baixista inclui o guitarrista Steve Cardenas e o saxofonista e clarinetista Ted Nash; logo depois, para o segundo concerto da noite, as atenções estarão voltadas para o Coreto, colectivo nacional ligado à portuense Porta-Jazz que conta com o homem do leme João Pedro Brandão, saxofonista de primeira água, como líder e ainda com os excelentes músicos José Pedro Coelho (sax tenor), Hugo Ciríaco (sax tenor), Rui Teixeira (sax barítono), Ricardo Formoso (trompete e fliscorne), João Pedro Dias (trompete), Daniel Dias (trombone e voz), Andreia Santos (trombone), AP (guitarra), Hugo Raro (piano), José Carlos Barbosa (contrabaixo) e José Marrucho (bateria).

No sábado, dia 7, terão lugar os dois derradeiros concertos do programa 2023 do Angra Jazz: o primeiro slot será preenchido por Immanuel Wilkins, como já mencionado, cabendo o concerto de encerramento desta edição ao Vivian Buczek Group — a vocalista sueca subirá ao palco para uma actuação em que se escutarão ainda Karl-Martin Almqvist (sax tenor), Martin Sjöstedt (piano), Jesper Bodilsen (baixo)
e Adam Ross (bateria). O Rimas e Batidas estará presente para reportar estes três dias recheados de jazz em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Açores.



Parece que andas a tentar marcar uma posição ao visitar todas as ilhas portuguesas. Estiveste na Madeira no ano passado, agora tocas em Angra, nos Açores.

É verdade [risos].

Podes dizer-me com que banda vais viajar desta vez?

Eu vou levar a malta com quem tenho tocado nos últimos 7/8 anos. É o Micah Thomas no piano, o Rick Rosato no baixo e o Kweku Sumbry na bateria. Nós vamos estar a tocar música de um novo projecto que foi comissionado pela Roulette Intermedium, de Brooklyn. Eles convidaram-nos para compor uma peça e nós vamos tocar alguma dessa música.

Tu no ano passado falaste com o Alexandre Ribeiro, também para o Rimas e Batidas, e mencionaste ser uma pessoa que está constantemente a trabalhar em novas ideias, a pensar em novos projectos. Eu já estava com essa ideia de te perguntar se iríamos nesta ocasião escutar música nova da tua autoria. Estás a pensar editar alguma dessas coisas nos próximos meses?

Provavelmente não as lançarei no próximo ano, mas ando com ideias de me enfiar dentro de um estúdio muito em breve, sem dúvida. Nós, por acaso, até já estivemos um pouco em estúdio, apenas para fazer umas coisas aqui e ali. Neste momento estou naquela fase em que quero que a música se torne confortável para toda a gente, para depois disso irmos a estúdio gravá-la. Espero que seja dentro de breve.

O teu The 7th Hand é uma verdadeira obra-prima. E os elogios que tu recebeste por ele foram mais do que merecidos. Dou-te aqui também os meus parabéns.

Obrigado, man.

Como é que um músico lida com todo este apreço? Poderá ser algo que, por vezes, se torna perigoso, devido a todos estes aplausos? Até porque o erro faz parte da jornada de um artista, e se o artista se torna cauteloso e deixa de querer correr riscos por achar que já descobriu uma fórmula que lhe garanta esse tipo de elogios…

Entendo. Eu tento viver a minha vida artística sem estar à mercê de qualquer validação positiva ou crítica negativa. Eu acho que não é isso que me vai tornar melhor artista nem é isso que vai ditar o meu valor. O meu valor não pode ser medido pela quantidade de elogios que determinado disco meu recebe, tal como também não poderia ser determinado caso toda a gente tivesse odiado o disco. Eu tento que a minha motivação para criar e tocar música me seja intrínseca. Eu projecto os meus próprios valores através da minha música e agarro-me àquilo que de melhor consigo ser, sem ser necessário qualquer tipo de validação por parte da imprensa. Eu fico grato por tudo isso, até porque acho que não estaria onde estou agora se não fosse por causa dessa “aclamação” crítica. Mas, como dizes, pode ser perigoso ouvir todos esses elogios em demasia. Acho que passa a ser muito perigoso quanto tu te alimentas disso. E isso é algo de que tenho consciência e do qual me tento afastar.

Eu presumo que a música que tu escreves evolui em cima do palco. Editar um disco ao vivo não seria apropriado num futuro a curto prazo?

Sim, claro. Eu adorava ter um disco ao vivo. Mas como eu ainda só comecei a fazer discos há pouco tempo… Quer dizer, eu ainda só tenho dois álbuns, não é? Mas estou entusiasmado com as possibilidades que o estúdio pode trazer. Provavelmente a maior parte das bandas também te diria isto, mas especialmente na minha banda: nós soamos tão melhor ao vivo, quando há uma plateia à nossa frente e quando não estamos naquela situação de pressão, numa sala de captação ao longo de 10 horas por um dia. Por isso te digo: um disco nosso ao vivo seria uma cena de loucos [risos]. Tenho pensado em novas formas de arquivar as coisas, novas formas de lançar as coisas cá para fora. Eu até já pensei em lançar todas as minhas Voice Memos um dia destes [risos]. Ou até mesmo as gravações que tenho dos concertos. É que todos os concertos da nossa digressão são especiais para mim, porque nós sentimos que ascendemos a um certo lugar. É daquelas coisas que tu nunca vais conseguir traduzir por palavras. Então seria fixe existir uma forma das pessoas o poderem escutar.

Eu estava a pensar numa cantora brasileira de quem gosto muito, a Marisa Monte. O primeiro álbum dela de sempre foi um álbum ao vivo, gravado em frente a uma plateia.

Uau.

Isto para dizer que não existem quaisquer regras. Tu não precisas de ter um determinado número de trabalhos de estúdio antes de partires para um disco ao vivo.

Tens toda a razão. É isso mesmo. Mas digo-te que isso vai acontecer e vai acontecer em breve [risos]. É uma coisa que eu quero fazer, sem dúvida.

Tu assinaste uma versão lindíssima do “Avalanche”, que figurou no tributo da Blue Note Records ao Leonard Cohen. Eu sempre achei interessante quando os saxofonistas “cantam” com todas as suas emoções para fora sem nunca precisarem das palavras. Tu fizeste mesmo isso, no ponto.

Obrigado, man. Esse projecto foi divertido, sabes? Para mim, foi óptimo poder ter estado a gravar numa sala acompanhado muitas das pessoas que eu cresci a ouvir, os meus heróis, como o Bill Frisell, o Kevin Hays, o Scott Colley, o Nate Smith… Eu literalmente cresci a ouvir essas pessoas. Por isso, foi muito fixe poder estar na mesma sala que esses gajos, bem como todos os outros convidados especiais que “mataram” a cena. E mesmo o Larry Klein, ele também é daquelas pessoas cujo trabalho eu admiro, desde os discos com o Herbie Hancock, como o River: The Joni Letters. Esse disco é um dos meus favoritos de sempre, por isso eu soube logo referenciar aquilo que ele procurava quando fomos gravar. Eu conheço muito bem o som dele enquanto produtor e isso ajudou muito.

Tu também contribuiste para o último trabalho do Cautious Clay, numa malha muito boa, a “Yesterday’s Price”. Mas essa não foi a tua única colaboração a surgir este ano. Já vimos o teu nome nos créditos de discos de Joe Farnsworth, Johnathan Blake, Miho Hazama… Tu pareces encaixar-te na perfeição em qualquer contexto. É meio que um super-poder, não é?

É verdade [risos]. Eu estou a tentar ter o máximo de música possível a percorrer-me o corpo. Não importa qual é a sonoridade, eu consigo escutar o meu som a encaixar em qualquer lado e fico feliz por poder fazê-lo.

Tens mais colaborações a surgir ainda este ano?

Deixa-me pensar. Nem por isso. Eu tenho estado a trabalhar imenso com cinema ultimamente. Fiz um filme experimental com esta realizadora, a Ja’Tovia Gary, que está sediada no Texas. Tenho trabalhado numa curta-metragem para uma publicação, que deverá sair em breve e se intitula Jupiter Magazine. Tenho feito muitas coisas no cinema experimental e tenho tentado que a minha banda tenha o máximo de trabalho possível, dar-lhes o máximo de pontos-de-vista daquilo que é trabalhar nas artes no geral, para que possamos continuar a crescer enquanto pessoas.

Tenho só mais uma questão. Tu estás com muitas datas ao vivo na Europa. Como é que lidas com a vida na estrada e te manténs focado?

Tem muito a ver com o encontrarmos o centro de nós próprios. Comigo, eu tento estar sempre a lembrar-me que sou a única variável cujo valor não se altera nas minhas práticas do dia-a-dia. Eu ando de avião, comboio, faço os soundchecks, tiro uma sesta e dou o concerto. É um estilo de vida veloz e não tão glamouroso assim, o andar na estrada. Eu sou uma pessoa muito positiva e tenho muito amor no coração. Isso ajuda-me a lidar com o stress na estrada, porque a vida na estrada por vezes torna-se dura — e até inumana [risos].


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