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Fotografia: André Ferreira
Publicado a: 13/07/2022

A empatia enquanto forma de mediação.

Immanuel Wilkins: “As melhores sensações que tive com música estão ligadas a esse seu lado espiritual/sagrado”

Fotografia: André Ferreira
Publicado a: 13/07/2022

A misturar tradições jazzísticas como só ele e a sua geração sabem fazer, Immanuel Wilkins mostrou-se ao mundo em 2020 com Omega, álbum produzido por Jason Moran, e, dois anos depois, emancipou-se com 7th Hand, o disco em que assumiu a produção e que apresentou na edição deste ano do Funchal Jazz Festival.

Antes de Joel Ross subir a palco e depois de uma curta sessão de autógrafos, o jovem saxofonista sentou-se numa das tendas do backstage para uma conversa que foi de Alice Coltrane a Future.



Como é que correu o concerto hoje, o teu primeiro em Portugal?

Foi maravilhoso. Este festival é muito bom. Eu costumo falar com a banda quando andamos em viagem. Quando eles estão inquietos, as coisas não correm assim tão bem. Aqui tens todo este ambiente que facilita a que as coisas corram bem. Tens um bom som no palco e a hospitalidade tem sido muito boa.

Achas que o ambiente é importante para a tua música?

Completamente. Às vezes demora até atingires aquela vibração. Mas se sentes que as pessoas te estão a escutar, tu também as ouves. Nada do que eu diga será suficiente para descrever, mas digo-te que foi das experiências mais fáceis, principalmente fora de portas, nesta digressão com este grupo. Estou mesmo grato. Só tive de me preocupar com as coisas fundamentais. “Já comeste hoje? Descansaste o suficiente? Há por aí algum sítio onde possa pousar a cabeça por um bocado?” [Risos] É só esse tipo de preocupações que deves ter quando andas na estrada.

Queres falar-me de como foi a tua experiência com a comida? Vi-te a jogar basquete no restaurante na hora de almoço [risos].

Pois foi! Toda a gente aqui é muito boa e simpática. Essa episódio foi com a motorista [dos transfers do festival], ela matou a cena. Eu era sempre o último a conseguir encestar [risos].

Mas tu não tiveste mal.

Ja faz muito tempo. Eu joguei basquetebol. Em miúdo, quis ser jogador de basquete. Antes da cena da música. Mas as coisas chegaram a ficar bastante sérias. Fui para um campo de Verão dos 76ers e queria mesmo levar aquilo a sério.

Chegaste mesmo a ponderar em fazer disso profissão.

Sim. Acho que o basquete tem tanto em comum com a música. São muito próximos. Agora sou um grande adepto de basquetebol. Acho que é porque consigo ver a música que existe naquilo. Há coisas semelhantes. 

Diz-se muito que a música é uma língua universal. Mas o desporto também o é, não achas?

Completamente. Todos os tipos de arte o são, não interessa se é através dos movimentos, se através da visão ou da audição. A diferença é que o som e o movimento são fugazes, enquanto nas artes visuais podes criar uma pintura que dura anos. No basquete, assim que a bola pára… A não ser que consigas o filme do jogo-

Tal e qual na música ao vivo.

Tal e qual. E mesmo que existam gravações, tu nunca consegues replicar aquele momento. Na pintura, tu consegues replicar. Tu podes podes ver uma pintura e, na semana seguinte, o Joel também vai vê-la e vai ter uma experiência igual à tua. O som dura muito pouco tempo.

Vi que tinhas uma camisola da Alice Coltrane e gostava de saber o que é que a música dela significa para ti. Li uma entrevista, no The Guardian, em que tu dizias que não gostavas muito da expressão “jazz espiritual” e que preferes o termo “música sagrada”.

Acho que música sagrada é uma óptima forma de pôr as coisas. Jazz espiritual soa-me mais a um movimento. Não sei. Em relação à Alice Coltrane, ela é uma das melhores de sempre e teve uma profunda influência na forma como eu faço música, como eu experimento na música. Muitas das nossas referências para este 7th Hand, que apresentámos hoje, tocam em muitos dos territórios sónicos da Alice. Ela mudou a minha vida. Eu vim agora de Houston, de um retiro de três ou quatro dias. Não havia público. Nós tocámos todos os dias durante horas.

Uma daquelas experiências capazes de mudar a vida de alguém.

Mesmo. Foi de doidos. Montámos um santuário, tocámos e cantámos durante horas. A Alice está profundamente enraizada na minha mente e nos meus ouvidos. Quanto à cena do jazz espiritual, é música espiritual. E esse tipo de música tem o potencial de te transportar e de encher. As melhores sensações que tive a escutar música, nos meus concertos favoritos, vieram de coisas que estão ligadas à música espiritual ou sagrada.



Também te deparas com esse tipo de sensações quando ouves outros géneros musicais?

Claro que sim. Deixa-me pensar. De uma forma geral — e a Erykah Badu falou um bocado sobre isto — acho que a música chegou a um ponto em que é verdadeiramente física. Não me refiro a escutar música. Pensas naqueles 808s, do trap e do hip hop… Se tu estiveres a ouvir aquilo num sistema de som de um clube, tu sentes aquilo no peito. 

Recentemente, tivemos a primeira edição portuguesa do Rolling Loud. E vieram cá aqueles nomes grandes todos da América.

O Lil Baby e toda essa malta.

Exacto. Eu lembrei-me que tu és da mesma geração de praticamente todos aqueles gajos.

É verdade. Pessoalmente, eu acho que existem correlações e cenas às quais não consegues fugir dentro de tudo aquilo que é considerado de música negra — não interessa se é blues, jazz, trap, r&b, country ou rock & roll. Há certos passos que tu dás em que tudo isso se cruza.

Há quem diga que Future é o melhor cantor de blues da actualidade [risos].

E eu adoro isso! [Risos] Os blues são muito fáceis de encontrar — estão por todo o lado. É uma coisa super especial. Eu adorava fazer algo com o Future.

Já tiveste algum tipo de contactos nesse sentido?

Não. Mas adorava [risos]. Quando tu publicares esta entrevista, manda-lhe um shoutout. Alguém tem de nos colocar em linha. Eu acho que as pessoas iam gostar.

Vi o Roddy Ricch com banda e achei incrível.

Claro. Acho que não estamos muito longe disso. Acho que muitos de nós estão prontos para se atirarem para um espaço em que esse tipo de cenas são possíveis. A maior parte das vezes é-nos negada a oportunidade. Mas quando isso se tornar numa norma, o jazz vai mudar. Precisamos é de ter malta nova… nós precisamos de nos rever na plateia. Na América e na Europa quase só tocamos para gente branca.

Gostava de falar sobre isso, até porque há uns meses vi um rapper em Lisboa, o Navy Blue, em que se criou ali um momento de uma certa tensão. Ele não estava a escondê-lo, o facto de estar rodeado de pessoas brancas na sala.

Eu acho que é importante tu levares a música a todo o lado. E tu tens exemplos de racismo no mundo inteiro. Há problemas em todo o lado — seja nos bairros de Portugal, nos bairros de Los Angeles ou de outro sítio qualquer. Acho que estamos todos a lidar com as nossas próprias cenas. Eu penso nas minhas actuações como uma forma de criar empatia, entendes? Eu tento criar um cenário em que permito que a audiência se consiga colocar na pele dos músicos, para conseguir identificar estes tópicos e perceber como é que eles se relacionam. Acho que todos passam por isso, seja numa escala maior ou mais pequena. Acho que é fixe poder partilhar a minha história e a minha experiência. Permite-me ver as coisas com outra perspectiva. É importante para um artista fazer a sua arte com base em coisas interessantes. É tudo aquilo que me preocupa.

Tu já lançaste um álbum no início desde ano. O que andas a fazer neste momento? Preparas coisas novas?

Neste preciso momento estou a divertir-me pelo Funchal [risos]. Estão a ser dias muito bons. Mas eu estou sempre a escrever e a pensar e em projectos novos.

Tiras muitas notas?

Tiro muitas notas, leio muito e componho muito. Eu estou sempre à procura de formas para quebrar o código e falar de outras ideias que são fixes. Quero providenciar coisas boas às pessoas.


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