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Fotografia: Sandra Garcez
Publicado a: 02/11/2023

A banda portuense está na estrada a apresentar ao vivo o seu segundo álbum.

Conferência Inferno sobre Pós-Esmeralda: “Tem a ver com o assumir e aceitar que não está sempre tudo bem”

Fotografia: Sandra Garcez
Publicado a: 02/11/2023

Na cave mais escura do Porto, era 14 de Março de 2019 quando os temporais de chuva abrandavam e o olhar transeunte curioso da geração mais hedonista da cidade se movimentava até à rua do Passos Manuel. Lá em baixo, os murmurinhos crepitavam para debater o quão pouco sabíamos acerca do que estaria prestes a acontecer. Nessa noite, no mesmo lugar em que vimos nascer outros nomes indispensáveis para o ADN cultural portuense, Francisco Lima e Raul Mendiratta juntavam-se para nos apresentar resquícios embrionários de Conferência Inferno. Com um EP que viria a ser lançado pouco antes do verão desse mesmo ano, foi sobre uma escuridão desafogada que ouvimos os primeiros tilintares de temas como “Cetim” e “Antes”. Tal como se fazia ouvir na dicção e projeção idiossincrática de Francisco, o vocalista do projeto, “nada é como era antes”: uma profecia que se viria confirmar com a entrada de José Silva pouco tempo depois para definir aquele que hoje conhecemos como o trio quimérico que sobreviveu a todos os apocalipses para nos trazer uma esperança gótica que se prova inata na alma da cidade Invicta.

Quase cinco anos depois de Portugal ter testemunhado o emergir de uma vontade mundana em nutrir a musicalidade do Norte, Conferência Inferno tem marcado a lacre a força da contracultura, mesmo que isso passe por fazer canções pop.

“Eu acho que Conferência já tinha músicas antes de até termos ensaiado, só pelas conversas que tínhamos. Falávamos muito sobre a cena do Porto e Lisboa, que aqui não havia uma banda que não fosse tão noise e experimental, que é o normal neste núcleo mais duro, e falávamos sobre haver uma banda com canções mais dançáveis, assumidamente pop… Não que em Conferência seja tudo pop, mas as nossas músicas passam na rádio.”

Depois de Ata Saturna, álbum lançado em 2021 cuja melancolia se estilhaça pelos ouvidos, o lugar onde o experimentalismo e o tempo logram já tinha passado. Este ano tinha que ser o momento para desdramatizar as emoções tonais e falar um bocado mais do que ia na cabeça de Francisco Lima (para muitos conhecido também como Kiko) enquanto escritor, vocalista e atualmente também baixista.

“Eu nunca imaginava que fosse escalar tanto. Nós, quando começámos a falar sobre o projeto, íamos á Casa Expresso e falávamos sobre essa coisa de não haver uma banda de canção. Ou algo que nós gostássemos.”

Debaixo também de uma tarde de chuva, o Rimas e Batidas sentou-se em torno de uma mesa da garrafeira do Café Candelabro para conversar com o multifacetado frontman da banda. Num debate sobre a memória, algumas experiências, ideias e vontades, Kiko conta como foi chegar até ao Pós- Esmeralda, o ex-libris de Conferência Inferno que alcança aquilo que estes músicos se propuseram fazer desde o início: o dançável, o colectivo, um estado de latência para a catarse.

“Eu acho que o Ata Saturna foi o resultado de experiências muito mais primordiais, [teve] muito mais experimentação do que este. O Ata Saturna foi estarmos a ver o que íamos fazer, enquanto que neste álbum ja sabíamos o que queríamos fazer. [No Pós-Esmeralda] apontámos para ter uma música experimental, que também tem uma parte de colagem de som, que queríamos explorar. Mas também fazer coisas post-punk, com a cena do new wave toda, mas a contar com as canções pop na mesma. Foi inevitável. Nós falamos muito disto entre nós. O que fizemos no Ata Saturna já fizemos, e agora não queríamos estar a repetir a mesma coisa. E o que fizemos com este álbum, Pós-Esmeralda, também era para explorar os cantos de tudo o que queríamos fazer.”



Produzido também por Ricardo Cabral, produtor e baterista de Baleia Baleia Baleia, o Pós-Esmeralda carrega em si pontos nevrálgicos para aquele que tem vindo a ser o caminho traçado pela banda. Quem acompanha assiduamente Conferência Inferno sentirá que ouvir faixas como “Realidades” e “Pigmento” acaba por ser uma experiência que atua como uma lufada de ar fresco, no sentido em que renova e ao mesmo tempo torna evidente a maturação da ideia inicial. Ao fundir os três elementos, a “Pigmento” surge como uma colagem sonora há muito ambicionada por unir as referências musicais mais importantes de Kiko, Raul e Zé.

“A nível estético, quisemos abordar vários temas não ao nível de narrativa. Se calhar não é bem temas que eu quero dizer, mas só da estética, do facto da ‘Realidades’ ser só instrumental e da ‘Pigmento’ ter aquela sonoridade. A ‘Pigmento’ é a música que vai tocar mais aos três individualmente — ou seja, eu ouço um estilo de música, o Raul ouve outro e o Zé ouve outro, e desde o início queríamos fazer uma música que tivesse colagem de som e que fosse mais plástica. Como a ‘Trippin’ With the Birds’ dos Stereolab, a ultima que eles tocaram no concerto do Hardclub — eu andei colado nessa música e tentámos fazer algo assim, uma música longa, longa, longa com colagem de som, mas onde havia também a parte da canção, a parte inicial. Então tentámos fazer um mix disso e foi o que saiu.”

Ainda que a escrita de Kiko seja representativa do universo poético que anda de mãos dadas com os instrumentais de Raul (sintetizadores) e Zé (teclado), o surgir destes breves hiatos líricos em Pós-Esmeralda acabou por ser também uma mensagem. Numa cidade que se tem vindo a sentir polvorosa por toda a conjectura cultural, também é importante questionar qual o “nosso” papel enquanto membros ativos do panorama artístico. Sobre o papel que Conferência Inferno tem no cenário musical da cidade, e o que aconteceu a lugares como o Centro Comercial STOP e o CACE, o vocalista da banda invoca o sentimento de vazio quando pensa acerca da expectativa que depositou no Porto como lugar eleito para a sua criação. Sobre o papel da música no panorama cultural da cidade:

”Eu acho que podia ser mais relevante. Não pelos músicos, porque já fazem o que lhes é pedido. Eu sempre tive esta ideia do Porto, vim para cá para fazer música só. E sempre fui a concertos, festas, onde fosse. Não quero fazer análise do que está pior ou melhor, mas sinto que falta algo. Até podia dizer que não vou a muitos sítios mas na realidade vou. E falando sobre a questão do STOP, há também o caso do CACE que fechou (que tinha teatro e não só), em Campanhã. Onde é que vamos pôr todos estes artistas se as salas de ensaio estão caríssimas? Não vais. É impossível.”

No entanto, se da hostilidade e das exigências camarárias podia surgir uma desistência, o vampirismo de Conferência Inferno vê-se ser alimentado pelo sangue que tem vindo a ser derramado pelas condições culturais que Portugal dá aos artistas. De cabeça erguida, o trio já está a trabalhar num terceiro álbum e aguarda uma agenda de concertos que passa pelo Jameson Urban Routes no Musicbox dia 4 de Novembro, pelo Ferro Bar dia 17 e 18 de Novembro, e pelo GrETUA em Aveiro no dia 24.

Sobre o que podemos esperar destes concertos de apresentação do novo álbum, Francisco Lima mantém o secretismo mas garante algo mais: podemos esperar todas as canções tocadas na íntegra e o recordar de algumas que mais marcaram o passado de Conferência Inferno. Mas, sustentada na ideia de que o conceito Pós-Esmeralda é “só uma imagem que se cria na cabeça”, há mais:

“Tem muito a ver com aquilo que vem a seguir à cor, e quando digo ‘cor’ pode ser qualquer cor, esmeralda ou outra. Tem a ver com o assumir e aceitar que as coisas não são sempre coloridas, no sentido em que não está sempre tudo bem.”

Nos próximos concertos será inevitável o clímax performativo de “Distopia” que, para a banda, resulta melhor em palco do que em estúdio, por toda a “sensação de êxtase” que lhe está associada.

“A letra é sobre estarmos aqui e é sobre o facto de que vamos todos morrer e eu sinto que é um clímax, uma explosão incrível. Só de pensar nisso dá-me arrepios.”

A loucura de Conferência Inferno pode não parecer mas é calculada e gravitacional. De uma busca incessante pela leveza da dança e o universo pop, apesar dos temas das suas letras serem mais pesados, o Pós-Esmeralda surge pela necessidade de fuga, pelo fervilhar da criação, e pela necessidade de criar um lugar mais maturado onde, como dita a “Auto-Pânico”, se farão sentir e viver “sonhos pop macabros, sangro espumante barato, interminável ardor: só resta a provocação”.


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